O valor do silêncio

Em um mundo cada vez mais ruidoso, qual é o valor de se encontrar com o silêncio?

Samuel de Almeida
Desen
4 min readOct 23, 2017

--

Quanto mais tempo passamos nas redes sociais, mais encontramos “barulho”. Dezenas, ou centenas de conteúdos que não tem importância, até encontrar um post que nos impacta de alguma forma.

Na política, não se confia mais em ninguém de verdade. Já faz anos que a ideia de escolher o “menos pior” se tornou o padrão. A própria discussão de ideias políticas se apóia cada vez mais em causar (barulho) do que em esclarecer e persuadir.

Mostrar o valor dos nossos argumentos parece menos importante do que falar o quanto eles são superiores aos de quem é contra. Todo mundo sabe que #ForaTemer, mas depois disso, #EntraQuem?

Será que perdemos de vista o quanto o vazio, o espaço entre uma coisa e outra, tem tanto valor quanto as próprias coisas em si?

Imagine como seria difícil ler umtextoemquenãoháespaçoentreaspalavras.

Os pequenos vazios em branco são o que nos faz encontrar sentido no que está escrito. Da mesma forma, o que importa em uma casa não são as próprias paredes — o nosso conforto e segurança se encontram entre elas.

Colocamos água no vazio dentro de um copo, nos deslocamos no vazio do interior de um carro e nos vestimos no vazio entre os dois lados de uma roupa.

Mas e com os pensamentos, estamos deixando espaço vazio o suficiente para conseguir ocupar a nossa própria mente, ou permitimos que o barulho tome conta dela e nos guie sem que outra alternativa pareça possível?

Nosso funcionamento interno deveria ser parecido com isso: pensamento, pensamento, pensamento, mas todo o ruído causa algo mais próximo de: pensamentopensamentopensamento…

Mal dá pra respirar!

Os efeitos disso são quase sempre os mesmos; a ansiedade que já atinge 40% da população brasileira, a falta de visão sobre o que realmente desejamos para o nosso futuro (pensamos muito sobre como ele vai ser, mas temos pouca clareza sobre como queremos que seja), a dificuldade de se concentrar por mais do que alguns minutos no trabalho ou no estudo.

Eu insisto em dizer: encontre um tempo para meditar. Isso não é algo que só serve para os monges, as pessoas mais diferentes podem se habituar à isso — até mesmo atores como Arnold Schwarzenegger e Robert Downey Jr, que são famosos por seus personagens “porradeiros”.

Pois é, o Exterminador e o Homem de Ferro curtem um silêncio.

Agora você vai me dizer que não tem tempo. Tudo bem, eu não sei como é a sua vida, e não vou falar “tem sim, senta lá e faz!”, mas acredito que não importa quantos compromissos e tarefas você tenha por dia, você ainda respira, certo?

Então experimente uma única respiração por dia com consciência plena. Apenas uma vez, puxe e solte o ar com calma, sinta os seus pulmões se encherem e depois esvaziarem, se concentre nessa única respiração, vai levar incríveis 10 segundos.

Você tem 10 segundos, não tem?

O mais provável é que a maioria das pessoas que chegou até essa parte do texto esteja pensando “é, eu já tentei cara, mas não consigo ~não pensar em nada~”.

Sim, porque talvez alguém tenha te falado que meditação é sobre sentar-se por alguns minutos sem pensar em nada. Mas as coisas raramente chegam nesse ponto. O mais normal é passar 99% do tempo pensando em várias coisas que parecem saídas do nada, e apenas 1% trazendo o seu foco de volta para o presente.

Eu sinto muito dizer, mas não espere nada de transcendente, nenhum efeito mágico como levitar e tocar as nuvens ou livrar-se totalmente dos pensamentos e descobrir o grande mistério da vida.

As coisas são bem mais simples, um looping de distração e foco. Isso acontece porque nós pensamos, e ponto final. Nós não escolhemos pensar, então não podemos escolher não pensar. Eles simplesmente surgem, sabe-se lá de onde.

A ideia não é transformar “pensamentopensamentopensamento” em vazio, é separar um do outro e conseguir acompanhar pensamento, pensamento, pensamento.

Se a sua meditação tiver um único momento em que a sua mente fala algo como “Opa, desvio aqui, volta pro foco!” você já conseguiu o que precisava.

Porque quando estiver se distraindo com vídeos bobos enquanto deveria estudar, quando sentir raiva enquanto deveria estar em paz, ou quando a ansiedade e o medo do futuro chegarem, a sua mente vai repetir o processo e te dizer “Opa, desvio aqui, volta pro foco!”.

É como treinar uma jogada sozinho repetidamente até conseguir realizá-la contra um adversário poderoso como a distração, a raiva ou a ansiedade.Não espere silêncio absoluto na sua mente; o vazio de um texto, uma casa, um copo, um carro ou uma roupa são importantes, mas só porque existe algo de um lado e do outro.

--

--

Samuel de Almeida
Desen

Aquela bio com uma crise existencial por não saber me definir.