/dos bits aos afetos

André Minei
/desencanto
Published in
4 min readMay 23, 2018

Mas antes, /o “como” deste “o que”:

O descompromisso aparente da experimentação, do brincar no projetar, ferem a razão enraizada do desenho industrial do fazer com finalidade. Não é por acaso que esta poética é encontrada em extensão no campo da arte, e tão pouco em qualquer outra ligada estritamente à máquina comercial. O brincar abre caminho, questiona raízes, leva a novas descobertas. É assim, imanente por excelência — característica totalmente contrária à máquina-estratificadora do Estado e do Capital, sempre impondo regras e limites de cima para baixo como meio de controle e auto-sustentação. Não há como seguir uma fórmula ou método no brincar, exceto o princípio do brincar por si mesmo, sobre métodos mil que emergem de cada momento e nova experiência.

(ZANOTELLO, 2012, p. 26)

A metodologia que surge neste projeto é comparável à da colagem, assemblage, o “hackeamento” (por si, a subversão dos códigos) ou, para que seja mais exato, emprestamos um termo da música: remix. Como define Ferguson, em seu documentário Everything is a Remix, remixar é “combinar ou editar materiais existentes para produzir algo novo” (2010, tradução nossa). Nascido no berço do Hip-hop, primeiro gênero musical a incorporar samples, ou seja, partes de outras canções, o remix se espalhou para as mais diversas mídias. Através dele, obtém-se não apenas a combinação de dois elementos, mas a gênese de um terceiro. Basta ouvir uma canção hip-hop e comparar seus samples aos trechos no contexto original: a diferença é brutal, justamente pela alteração de contexto. Explora-se, em outros extremos, as suas potências ou, como propõe Levy (1996), sua virtualidade.

A combinação de elementos culturais para a formação de outros novos sempre ocorreu, mas parecia não ter, até então, um termo que o representasse tão bem, no sentido de valorizar a coisa gerada. Como o próprio título do documentário ousa dizer, em termos de criatividade tudo pode ser considerado um remix. Tendo isso como base, é possível explorar: copiar e colar, recortar, esticar, dobrar, comprimir, estender, fundir esses códigos abertos em infinitos remixes. Curiosamente, verbos assim, de natureza tão material, cabem muito bem no caráter digital do programar. Nada melhor para evocar o hibridismo bits-átomos.

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(agora sim)

/dos bits aos afetos

Frente à pergunta-título de seu livro “O que é o virtual?”, temos a resposta de Pierre Levy:

“o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto, ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização. […] O problema da semente, por exemplo, é fazer brotar uma árvore.” (1996, p.15)

A nossa sociedade, segundo o pesquisador, caminha não à uma cultura imaterial, como se acredita, mas sim a uma cultura materializadora. Desta forma, passa-se a entender a tendência de tornar material apenas aquilo que vale a pena e o esforço, aquilo que pede por uma atualização. Para este projeto, surgiu a latência de uma atualização para que pudesse alcançar sua resolução no ambiente e nos corpos.
O corpo é nossa interface para com o mundo externo, e é através dele e por ele que executamos todas as tarefas de nossa sobrevivência, trabalho e lazer. É explorado e entendido em /desencanto como define Lúcia Guimaraes: “um sistema aberto, cujo futuro não podemos prever, porque as constantes trocas com o ambiente o constituem como um resultado imprevisto desses cruzamentos e, portanto, indisciplinado.” (2014)

Em O Corpo como Sintoma da Cultura, Santaella discorre sobre a preocupante obsessão da cultura contemporânea em relação a idolatria do Corpo, transformando-o de sistema em mercadoria. Num processo de desconstrução desse corpo, a autora reforça que “não existe sujeito ou subjetividade fora da história e da linguagem, fora da cultura e das relações de poder”. Portanto, seria inevitável entrar na questão dum corpo que se depara com o avanço da tecnologia. Essa tecnologia é instrumentalizada por nós como dilatadores de nossas potencialidades corpóreas e mentais.”

(GUIMARAES, 2014, p.21)

Servindo à interação entre o corpo e o ambiente, /desencanto se atualiza na mais latente mídia de nosso tempo: a imagem. Um fluxo de cores e padrões geométricos. A imagem no tempo registrada de forma permanentemente efêmera. No espaço-tempo, o movimentar dos corpos. O corpo é, afinal, movimento — órgaos, músculos, tecidos, células, átomos e mesmo a menor das partículas: sem movimento não há vida. Vida é vibração.
Para além disso: uma intervenção material que trouxesse conceitos, questionamentos e, por que não, emoções à tona — para, assim, poder imprimir uma mancha no plano do sensível,

afetar.

registros da primeira atualização de /desencanto — 16/08/2017, Unesp Bauru (Guilherme Colosio/Fernanda Luz)

esta é a última parte do relatório de /desencanto, instalações interativas — orientação: prof. dorival rossi

mais em: @o_desencanto

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