O Fator Diversidade e sua Relevância em Times Ágeis

Muito se tem abordado e discutido sobre diversidade. Mas que diversidade é essa? E por que esse tema tem se tornado cada vez mais relevante nas mídias tradicionais nos dias de hoje? E mais: por que essa discussão se torna indispensável em contextos guiados por metodologias ágeis?

Para responder a essas e outras perguntas, vamos trazer algumas pesquisas acadêmicas, ilustrações práticas do dia a dia comum, convergindo logo em seguida para a rotina de um time de desenvolvimento ágil.

O que é Diversidade?

Primeiro, precisamos alinhar conceitualmente o que queremos dizer com diversidade.

"A diversidade (do termo latino diversitate) está ligada aos conceitos de diferença, oposição, pluralidade, multiplicidade, diferentes ângulos de visão ou de abordagem, heterogeneidade, comunhão de contrários, intersecção de diferenças ou tolerância mútua." (Fonte: Wikipedia)

Fazendo um paralelo, eu adicionaria que a diversidade é maior quanto mais diferentes forem as experiências e padrões de vida das pessoas que compõe um determinado grupo. E essas diferenças moram em diversos aspectos como os lugares que vivemos e nascemos, as pessoas que nos relacionamos, a forma como nos relacionamos, no que acreditamos e no que deixamos de acreditar, etc. Tudo isso afeta nossas experiências e atitudes que, consequentemente, nos leva a ser quem somos hoje.

Dito isso, torna-se impossível, quando falamos dessa diversidade, não pensarmos em raça, gênero, condição econômica e social, orientação sexual, identidade de gênero, religião ou pessoas com deficiência. Fazer parte de um grupo oprimido e minimizado influencia drasticamente seu comportamento e suas experiências na sociedade. Por conta do que suas identidades significam e significaram para a nossa sociedade, uma mulher negra e lésbica, por exemplo, seguramente passa por situações diárias de preconceito que um homem branco heterossexual sequer entenderia: isso faz ambos terem padrões sociais e experiências de vida quase que diametralmente opostos.

Fatos e Estudos sobre a Diversidade

Dando continuidade, queria compartilhar com vocês alguns estudos sobre a diversidade baseados em pesquisas e artigos de instituições renomadas. Eles vão nos ajudar a criar uma linha sólida de raciocínio e deixar nossas conclusões futuras menos abstratas.

Fato #1: Ambientes multiculturais estimulam a criatividade por serem mais propícios a considerar e combinar diferentes perspectivas e pontos de vista. (Why Diverse Teams are More Creative, Forbes)

É natural concordar que uma pessoa com uma maior bagagem multicultural como a vivência em algum outro país tenha sua criatividade ligeiramente ampliada em relação às demais. O artigo consegue comprovar isso dando diversos exemplos como o fato de as obras mais bem avaliadas de pintores como Michelangelo terem sido criadas enquanto eles viviam fora.

Uma outra pesquisa também citada nesse artigo estabelece uma forte ligação entre a multiculturalidade e a capacidade de encontrar conexões implícitas entre ideias expostas por outras pessoas. O contato com a diversidade cultiva, dessa forma, a habilidade de perceber como e porquê ideias e pontos de vista aparecem em discussões, possibilitando seu entendimento menos superficial e facilitando sua colaboração na construção e melhoria dessas ideias.

Fato #2: A simples interação entre indivíduos diferentes força o grupo a se preparar melhor, antecipar pontos de vista alternativos e entender que chegar a um consenso demanda esforço. (How Diversity Makes Us Smarter, Scientific American)

A autora deste artigo afirma que o mundo está cada vez mais diverso e, por isso, é natural que se demore a chegar a um consenso para qualquer que seja o contexto: uma eleição presidencial, um novo produto, uma solução para algum problema, a balada do sábado a noite, etc.

A convivência com a diversidade deve ser muito mais que uma opção: deve ser intencional. Como um exercício físico, ela nos prepara para o novo mundo cultivando nossa habilidade de considerar, cada vez mais, as vontades e pontos de vistas de todas as pessoas envolvidas antes de se chegar a um veredito que, por consequência, vai ser um pouco mais demorado que em grupos homogêneo.

E eu não poderia concordar mais com tudo isso: conviver com a diversidade me fez, gradualmente, mudar meu comportamento para muito melhor. E sim, demanda um esforço grande, mas mínimo se comparado aos meus privilégios. Alguns exemplos: pequenas alterações no vocabulário como, por exemplo, erradicação de termos racistas e machistas; não consentir com o preconceito velado em forma de piada em almoços com cliente ou grupos de mensagem virtuais; perceber e conseguir (ou tentar) advogar de forma didática em situações de opressão "inconscientes", etc.

O Fator Diversidade no nosso Dia a Dia: Processos Criativos e de Decisão

Convergindo para algo mais prático e concreto, vamos pensar agora nos momentos que nos reunimos com outras pessoas para tomar alguma decisão, seja ela qual for. Vou ilustrar, baseado em experiências, alguns cenários genéricos considerando o fator diversidade no seu resultado final. Fique à vontade para interpretar este cenário como quiser: uma reunião do seu trabalho para definir a prioridade das tarefas da sua equipe ou como executá-las, um grupo de mensagens virtual para decidir onde vocês vão passar seu carnaval ou um encontro do seu time de trabalho para definir a solução de algum problema complexo.

Tenha em mente que não estou necessariamente falando (ainda) de equipes de desenvolvimento ou que utilizam metodologias ágeis. Estou me referindo, por enquanto, a qualquer discussão criativa ou processo de decisão com mais de uma pessoa envolvida.

Cenário 1: Grupos Homogêneos

É fácil observar a homogeneidade do grupo acima pelo gênero e raça dos indivíduos, mas não gostaria de parar por aí: pense também que não existem diferenças na orientação sexual, identidade de gênero, condição social, situação econômica, amparo familiar, idade ou religião. É o grupo mais homogêneo possível, literalmente. É natural que, como já vimos anteriormente, pessoas diferentes tenham experiências e padrões de vida totalmente distintos, ainda mais se levados em conta o contexto cultural de onde vivem. De forma análoga, é também natural acreditar que grupos homogêneos como esse tenham crenças e opiniões semelhantes.

Dito isso, pense em como esse grupo homogêneo chegaria em um acordo para a solução de algum problema. Vamos tentar ler o pensamento de cada um?

Pensamentos de cada um sobre o problema: grande semelhança entre pontos de vista.

Pense nas formas geométricas como ideias e pontos de vista. Pelo que já foi apresentado, é intuitivo perceber que esse grupo possua ideias bastante semelhantes principalmente pela forma como o nosso cérebro trabalha: em uma velocidade imensurável, ele procura em todas as nossas memórias por semelhanças com o problema em questão e traz ao nosso consciente alguma ideia ou fusão de ideias que possam funcionar.

É por isso que as mesmas formas geométricas aparecem diversas vezes e pouquíssimas aparecerem apenas uma vez. Essa discussão, provavelmente, terminará rápido como ilustramos a seguir o momento que cada indivíduo expões o que parece ser sua melhor ideia para aquele problema:

Exposição dos pensamentos de cada um: é fácil chegar a um consenso.

Ao expor seus pontos de vista, não existem grandes diferenças. Apenas duas ideias são verdadeiramente diferentes e, pela sua quantidade, fica fácil chegar a uma solução final:

Consenso/solução construída pelo grupo homogêneo

Pela solução ter sido alcançada em conjunto e contemplar a todos os integrantes do grupo, ela parece perfeita. Mas perfeita pra quem? Será que ela atenderia mais pessoas caso fosse extendida para mais grupos? Provavelmente não. Abaixo, tentamos medir e ilustrar mais ou menos a quem esta decisão atenderia caso fosse extendida para outras pessoas.

Pessoas atendidas caso a solução do grupo homogêneo fosse extendida para fora do grupo

Dificilmente ela alcançaria grupos de pessoas que passaram por outras experiências ou que possuem padrões de comportamento muito diferentes dos que contribuíram para a construção daquela solução.

Reflita se esse tipo de reunião já aconteceu no seu trabalho ou nos seus círculos sociais. Você já teve que decidir um horário de chegada no serviço para sua equipe e esqueceu de considerar que algumas pessoas podem morar na periferia? Ou já teve que decidir onde seria a festa de final de ano da sua empresa mas esqueceu de considerar se o local era apropriado para pessoas com deficiência? É mais ou menos isso que quero mostrar: o contato com a diversidade ou a representatividade desses grupos nesses cenários colabora para uma decisão que não só agrada, mas inclui todo mundo: vai desde pequenas escolhas do dia a dia a grandes soluções tecnológicas de produtos ou aplicações.

Cenário 2: Grupos Majoritariamente Homogêneos

Este é um outro cenário também relativamente comum: sua grande maioria é composta por pessoas idênticas ao cenário anterior, tendo uma minoria fazendo parte de algum grupo socialmente minorizado como mulheres ou pessoas negras. Parece familiar?

Mas ele, sem os devidos cuidados e análises, apresentam outros grandes problemas e podem ter um resultado igual (ou pior) que o anterior.

Pensamentos individuais: a mulher do grupo pensa em outras alternativas não consideradas nos pensamentos do resto do grupo.

Pelas mesmas premissas, os pensamentos das pessoas com as mesmas experiências são bem parecidos. A única mulher do grupo, por ter tido outras vivências por suas diferenças sociais, tem opiniões e pensamentos alternativos e não considerados pelos outros integrantes. Ao expor essas ideias, é super natural acontecer a situação a seguir:

Ao expor suas ideias, a única mulher do grupo tende a não se sentir num ambiente seguro para apresentar alguma de suas alternativas: ela apenas concorda e replica alguma das outras ideias.

Quando estamos em um lugar que não tenta garantir um ambiente seguro para a diversidade, a pessoa "diferente" dificilmente vai se sentir à vontade de se expor. É quase como um forma inconsciente de auto-defesa: por toda a vida sua forma de agir e suas ideias foram reprimidas pela sociedade, porque isso seria diferente no ambiente corporativo?

Sem voz, é esperado que essa pessoa apenas concorde com o que está sendo dito pelos demais e ainda seja julgada por não ter "coragem" suficiente para expor suas ideias. Peço de novo para que você reflita. Essa situação já aconteceu com você? Já presenciou uma mulher em um grupo tentando falar e sendo interrompida? Ou tendo sua ideia totalmente ignorada por "não fazer sentido" para a maioria do grupo? É isso que estou tentando ilustrar com esse cenário que, infelizmente, é muito mais comum do que se imagina.

Observe. Converse com suas amigas ou com qualquer pessoa de algum grupo oprimido que faça parte do seu círculo social ou profissional. E, mais importante do que isso, policie seu comportamento: observe se você não dá mais atenção ao que os homens falam porque parte da premissa inconsciente de que eles são superiores. Ou se você continuamente não interrompe ou ignora mulheres em discussões. Depois de começarmos a prestar atenção, percebe-se que esse comportamento é tão recorrente que já se tornou até uma “luta perdida”, inclusive para as próprias pessoas que sofrem esse preconceito. Infelizmente.

Concluindo, chegamos novamente ao cenário anterior:

Grupo de pessoas contemplado pela solução alcançada no cenário 2

Cenário 3: Grupo Diverso

Cenário 3: O grupo verdadeiramente diverso

Vamos agora ao terceiro cenário. Grupos verdadeiramente diversos para se chegar a um consenso. Considere neste grupo toda a diversidade que já falamos incluindo aquelas que vão além do que os nossos olhos podem ver: identidade de gênero, orientação sexual, condição social, etc.

Primeiros pensamentos individuais do grupo: tão diversos quanto as diferenças de cada um.

Os pensamentos, pontos de vista e ideias são naturalmente distintos e muitas vezes opostos pelas diferentes experiências que essas pessoas tiveram. Como já dito anteriormente, o consenso torna-se mais difícil. Mas isso não é um problema.

É hora do grupo expor seus pontos de vista: muitas diferenças e pouquíssimas ideias em comum.

O exercício de se chegar a um consenso deve ser diário e é saudável para qualquer ser humano. Considerar outros pontos de vista, abrir-se a questionamentos e ter empatia pelos que estão a sua volta é algo socialmente bom e, infelizmente, em falta.

Com um pouco mais de demora, chega-se a uma solução e, caso ela fosse extendida para outras pessoas, provavelmente teríamos a seguinte realidade:

Mais pessoas e grupos são atendidas pela solução alcançada pelo grupo 3: o tempo para se chegar a um consenso valeu a pena.

Pelos mesmos motivos dos cenários anteriores, é muito provável que as escolhas desse grupo contemplem mais pessoas e atraiam mais usuários, tanto em quantidade total quanto em diversidade. Pense no quanto isso pode trazer de valor para o negócio que você gere ou para a equipe que você trabalha. No geral, estamos desenvolvendo ou trabalhando para prover serviços para todos, certo? Quanto mais pessoas atrairmos, não seria melhor? Isso sem contar com o fator social: não é estranho esse último cenário ser o mais incomum? No Brasil temos seguramente mais da metade da população negra e mais ou menos a metade de mulheres. É isso que você vê no seu dia a dia? Nos restaurantes que frequenta ou na equipe de desenvolvimento que você trabalha? Já se perguntou o porquê?

Mas essas respostas vão ficar para um próximo artigo. Vamos seguir convergindo e falar da relação de tudo isso com as metodologias e cerimônias ágeis!

A Agilidade e o Fator Diversidade

Para mim, ser ágil significa adaptar-se à realidade de todas as pessoas para assim viabilizar e facilitar a entrega de valor real, e não a que está na cabeça de seus criadores ou idealizadores.

Por isso, em projetos ágeis de software, as mudanças tanto nos processos da equipe quanto no escopo do produto são mais do que algo normal: são incentivadas e encorajadas a acontecerem.

Nos times ágeis que participo e participei, são recorrentes instâncias como retrospectivas para questionar a eficácia dos processos adotados, discussões para revisar ou como implementar histórias e seus critérios de aceitação, repriorização de tarefas e criação de novas baseadas em feedbacks dos usuários, entre várias outras. Essas instâncias, embora variem muito de time para time, tem um objetivo claro e comum: identificar as reais necessidades dos usuário e atuar para que todo o time e seus processos estejam alinhados para, o quanto antes, atendê-las.

Amparado também pelo foco em interações pessoais, autonomia e multidisciplinaridade descritas pela agilidade, é comum nessas instâncias a participação de grande parte ou de toda a equipe, sem distinção de papéis. Em um mundo ágil ideal onde a autonomia de cada integrante do time é assegurada pelo alinhamento claro dos objetivos do produto, é interessante que analistas, gerentes ou designers entendam e participem ativamente de discussões técnicas relacionadas, em teoria, a outros papéis como o de desenvolvimento, por exemplo. E vice-versa.

Dito isso, queria fazer uma analogia de tudo que foi dito até aqui com os cenários descritos e ilustrados anteriormente. Eles são incentivados a acontecerem a todo momento no contexto ágil. Seja em um pareamento, em uma retrospectiva ou em uma definição de negócio, o que está sendo decidido vai certamente impactar direta ou indiretamente usuários finais do seu produto. E, caso você queira atender a um número cada vez maior de pessoas, talvez já tenha passado da hora de considerar o fator diversidade em sua vida profissional.

Tenham em mente que, em muitas das vezes, vai muito além de você ter um usuário a mais ou a menos utilizando seu produto. Muitas vezes, é uma questão de respeito. Olha esse artigo sobre o aplicativo de fotos da Google reconhecer pessoas negras como (pasmem) gorilas ou esse outro aqui, também afetando pessoas negras, na época em que o Snapchat não as reconhecia em seus filtros de cachorrinho ou unicórnios vomitando arco-íris.

Esses são apenas dois exemplos de grandes empresas, mas isso acontece diariamente em escalas de quantidade menores no dia a dia desses grupos minorizados. E tudo isso pela falta de representatividade. Eu acredito, honestamente, que se houvesse pelo menos uma pessoa negra em todo o processo de desenvolvimento dessas funcionalidades, isso não teria acontecido. Isso teria sido levantado antes mesmo de começarem a escrever a primeira linha de código. E é justamente esse o objetivo de todo o raciocínio que tentei construir nesse artigo.

Se eu pudesse resumir, seria algo mais ou menos assim:

Conviver diariamente com a diversidade nos faz mais criativos e torna natural a consideração de outras realidades nas decisões as quais temos responsabilidade. Pelas lentes da agilidade, onde por natureza instâncias para se tomar decisões são recorrentes, tudo isso se potencializa e, infelizmente, ainda é muito subestimado. O fator diversidade é crucial não só por uma questão ética, mas também por uma questão de sobrevivência, até mesmo financeira, no mundo que estamos construindo.

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Luiz Felipe "LF" Dias
Desenvolvimento ágil | Thoughtworks

Um programador apaixonado por agilidade, pessoas e design de software. Não necessariamente nessa ordem. Atualmente atuando como engenheiro de software na SumUp.