A oportunidade da universalização do saneamento no Brasil

“O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos.” Amartya Sen

A universalização do saneamento no Brasil é uma excelente oportunidade para o desenvolvimento de um modelo de gestão pública transparente, participativo e com foco nas populações mais carentes.

Um dos primeiros esforços sistemáticos nesse sentido foi realizado ainda na década de 1960 por meio do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA). O plano teve como resultado a centralização dos serviços de água e esgoto nas Companhias Estaduais de Água e Esgoto (CEAE). O modelo era altamente dependente do financiamento público uma vez que, em geral, as CEAEs não eram sustentáveis via tarifa.

Após a crise dos anos 80, o governo se tornou incapaz de realizar um volume de investimentos que viabilizasse o acesso ao saneamento para todos os brasileiros. Desde então, existe um certo consenso de que isso só seria possível por meio da mobilização de todas as fontes disponíveis, públicas e privadas, nacionais e internacionais, somados às receitas tarifárias dos prestadores de serviço. Isso revela as complexidades do problema do saneamento no Brasil.

Em relação aos conflitos de interesses, Marcelo Coutinho Vargas nos ensina que eles se estruturam em torno das tensões entre municípios concedentes e CEAEs, e da polarização ideológica entre defensores e opositores da participação do setor privado na prestação dos serviços. Soma-se a isso as inter-relações do saneamento com as áreas de saúde, meio ambiente e recursos hídricos.

Esses problemas foram enfrentados pelo governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) por meio da promoção da participação do setor privado na prestação dos serviços, com crédito e assistência técnica do BNDES para facilitar os negócios. Em resumo, o governo enfrentou forte resistência de diversos setores e não conseguiu concluir o processo. Como resultado, a iniciativa privada acabou migrando para outros países.

O governo Lula também reconheceu a necessidade de recursos privados para financiar o saneamento, não incentivou as privatizações, mas manteve o programa de financiamento da Caixa Econômica Federal (CEF), com recursos do FGTS, e se empenhou na aprovação da Lei de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Além disso, aprovou o marco legal do saneamento, Lei nº 11.445/2007, considerado uma evolução na área, mas que na prática não conseguiu atrair investimentos da iniciativa privada.

Tudo isso fez com que o Brasil estagnasse na promoção do acesso ao saneamento para as populações mais pobres. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), atualmente 100 milhões de brasileiros não têm esgoto coletado e 34 milhões não possuem acesso à água tratada.

Para ressaltar a importância do tema, em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu o acesso à água limpa e segura e ao esgotamento sanitário adequado como um direito humano essencial para o pleno gozo da vida e de outros direitos.

Isso mostra que o Brasil precisa enfrentar e vencer esse desafio. Como nos ensina Marcelo Coutinho Vargas, precisamos construir um modelo de governança para o setor considerando os seguintes princípios: flexibilidade institucional, permitindo variadas alternativas de associação entre capitais públicos e privados; cooperação intergovernamental e federativa; capacitação técnica; articulação intersetorial; transparência, participação popular e integridade.

A aprovação do novo marco legal do saneamento pelo Congresso Nacional, PL 4.162/2019, incrementa a flexibilidade institucional ao tornar o setor mais atrativo para iniciativa privada. No entanto, cabe a estados e municípios implementar o modelo de governança mais adequado para a sua localidade.

O sucesso nesse processo colocará o Brasil em um ciclo virtuoso de formulação de políticas públicas com transparência, participação popular, integridade e foco nos mais pobres.

Além disso, também fortalecerá o espírito empreendedor do brasileiro, contribuindo para a geração de empregos e a diminuição das desigualdades sociais.

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Gustavo Warzocha Fernandes Cruvinel
Desenvolvimento Urbano

Cientista da computação, Especialista em Redes Sociais Digitais e Mestre em Ciência Política