Questões sobre Saneamento Básico no Brasil

Objetivo: O objetivo desse texto é levantar questões sobre saneamento básico no Brasil que poderão ser utilizadas para futuros trabalhos na área. As fontes utilizadas foram os livros “Saneamento: Promoção da Saúde, Qualidade de Vida e Sustentabilidade Ambiental — Editora Fiocruz” e “Gestão do saneamento básico: abastecimento de água e esgotamento sanitário”, julgados do STF e portal da Câmara dos Deputados e Senado Federal.

Novo marco legal do saneamento básico aprovado na Câmara dos Deputados

1- Texto aprovado pode ser encontrado em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2213200(Câmara dos Deputados) ou https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/140534 (Senado Federal).

2- Com o agravamento da crise provocada pela pandemia de Covid-19, a matéria foi listada pela equipe econômica do governo entre as que devem ter a tramitação acelerada no Congresso Nacional. Fonte: Agência Senado

3- O maior impasse em torno do projeto é sobre o modelo proposto, que permite abrir mais caminho para o envolvimento de empresas privadas no setor. Parlamentares da oposição alegam que a exigência de licitações e as metas de desempenho para contratos tenderão a prejudicar e alienar as empresas públicas. Além disso, o texto estabelece prioridade no recebimento de auxílio federal para os municípios que efetuarem concessão ou privatização dos seus serviços. Fonte: Agência Senado

4- Os objetivos do PL 4.162/2019 são centralizar a regulação dos serviços de saneamento na esfera federal, instituir a obrigatoriedade de licitações e regionalizar a prestação a partir da montagem de blocos de municípios. Fonte: Agência Senado

5- A principal novidade é o fim dos contratos de programa, instrumentos pelos quais os municípios transferem a execução dos seus serviços de saneamento para empresas públicas dos governos estaduais. Os contratos contêm regras de prestação e tarifação, mas permitem que as estatais assumam os serviços sem concorrência. Em lugar deles, entrarão as licitações, envolvendo empresas públicas e privadas. Fonte: Agência Senado

6- Para viabilizar economicamente a prestação para cidades menores, mais isoladas ou mais pobres, o texto determina que os estados componham grupos de municípios, ou blocos, que contratarão os serviços de forma coletiva. Municípios de um mesmo bloco não precisam ser vizinhos. A adesão é voluntária — uma cidade pode optar por não ingressar no bloco estabelecido para ela e licitar sozinha. Fonte: Agência Senado

7- Pela proposta, a regulação do saneamento básico do Brasil ficará a cargo da Agência Nacional de Águas (ANA), uma agência federal. O projeto exige dos municípios e dos blocos de municípios que implementem planos de saneamento básico, e poderá oferecer apoio técnico e ajuda financeira para essa tarefa. Fonte: Agência Senado

8- O projeto também estende os prazos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305, de 2010) para que as cidades encerrem os lixões a céu aberto. Os novos prazos vão de 2021 (para capitais e regiões metropolitanas) até 2024 (para municípios com até 50 mil habitantes). Fonte: Agência Senado

Trechos do livro “Saneamento: Promoção da Saúde, Qualidade de Vida e Sustentabilidade Ambiental — Editora Fiocruz”

9- “Foi só em 2010 que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu sem sua resolução n. 64/24, que “”o acesso à água limpa e segura e ao esgotamento sanitário adequado é um direito humano essencial para o pleno gozo da vida e de outros direitos””.

10- “A LEI 11.346/2006, que institui o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), reconhece que “a alimentação adequada, incluindo-se a água, é um direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal””.

11- “O saneamento passa a ser entendido não mais como um barreira entre os humanos e o ambiente, mas como parte da mediação entre ambos, com a finalidade de propiciar: segurança alimentar e nutricional; melhores condições de saúde (por meio da prevenção, proteção e promoção da saúde); qualidade de vida, conforto e bem-estar; e recuperação e proteção ambiental.”

12- “A total articulação do tema do saneamento com a agenda ambiental é explicitada na Agenda 21.”

13- “Na década de 1950, a gestão da maioria dos serviços era municipal e os recursos para investimentos provinham dos próprios municípios. Mas, na maioria das capitais e cidades de porte médio, a atribuição era estadual, na forma de departamentos.”

14- “O Planasa teve como principal estratégia articular a centralização da gestão de serviços públicos de água e esgotos nos governos estaduais, opção decorrente do controle político, pelo governo federal, de todos os governadores e prefeitos de capitais biônicos e da exclusividade do financiamento do FGTS para as companhias estaduais de água e esgoto (CEAE).”

15- “Esse modelo mostrou-se, até o presente momento, inadequado à realidade brasileira, pois quase nenhuma das CEAE é autossustentável via tarifas.”

16- “As principais peças que compõem o marco legal nacional nas áreas de saneamento, ambiente e saúde são: a lei n. 11.445/2007 (LNSB), que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico; o decreto n. 7.217/2010, que regulamenta a LNSB; a lei n. 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; o decreto n. 7.404/2010, que regulamenta a lei n. 12.305/2010; a lei 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes; a portaria n. 687/2006, que institui a Política Nacional de Promoção da Saúde, substituída pela portaria n. 2.446/2014; a lei 6.938/1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente; e a lei 9.433/1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos.”

17- “O enfrentamento da complexidade, o desafio da intersetorialidade e o imperativo do controle social (não somente legal, mas sobretudo como condição essencial para a apropriação das intervenções em saneamento no dia a dia das comunidades) são questões emergentes e urgentes, das quais os diversos atores sociais que atuam na área de saneamento básico não poderão deixar de tomar conhecimento caso queiram agir com eficiência, eficácia e efetividade.”

18- “A situação de saúde reflete as condições de vida e bem-estar, de modo que é o resultado de um processo dinâmico e multidimensional, não podendo se limitar à ausência de doenças. Como fatores sociais e ambientais que afetam a saúde, além do saneamento, podem-se citar o emprego e a distribuição de renda, as condições de vida e trabalho, a qualidade e a sustentabilidade do ambiente, as redes sociais e de suporte social, a participação e o empoderamento, entre outros que afetam a qualidade de vida e bem-estar coletivo e individual.”

19- “Participação é, portanto, um processo social que envolve diferentes grupos e atores sociais, os quais identificam suas necessidades e problemas e atuam conjuntamente desde o planejamento até a execução das ações para solucioná-los. Trata-se de estimular e fortalecer o protagonismo dos cidadãos na formulação, implementação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas.”

20- “Assim, o empoderamento não consiste apenas — embora isto seja necessário — na sensação psicológica do poder e da autoconfiança, que pode ser — e muitas vezes de fato o é- fomentada como mecanismo de controle e manipulação social por parte de grupos interessados em criar estratégias para manutenção do status quo. Mais do que isso, trata-se de algo que incide sobre.a distribuição do poder na sociedade, a partir do qual há o compartilhamento desse poder entre professor e alunos e entre profissional de saúde e usuários dos serviços, por exemplo.”

21- “Particularmente em relação às comunidades, sua participação, para que seja ampla e efetiva, no sentido do empoderamento e fortalecimento da cidadania, deve se dar em todos os momentos e instâncias, desde os processos decisórios do planejamento até a conclusão da ação, obra ou implantação do serviço. Trata-se de uma participação amplamente intersetorial e substantiva.”

22- “Mesmo reconhecendo a importância do saber técnico-científico, a participação efetiva da comunidade deve ser assegurada como consequência de todo um processo de empoderamento individual e coletivo. Com ela, indivíduos e comunidade alcançam um nível de consciência que lhes permite compreender mecanismos e processos, opinar, contribuir, concordar e discordar com base em sua experiência cotidiana e nas informações que lhe chegam ao conhecimento em processos educativos formais e informais. (Ver decreto n. 7.217/2010 e n 8.211/2014)”

23- “O volume de recursos financeiros necessários para investimento é vultoso. Para tanto, consideramos que esses recursos precisam ser aplicados com qualificação do gasto público na promoção da saúde e não apenas na prevenção de doenças, muito menos para enriquecer bancos, empreiteiras, políticos e outros agentes por meio dos dutos da vergonhosa e insidiosa corrupção, que temos que combater permanentemente.”

24- “O site Susana — www.susana.org -, uma comunidade global de saneamento em que se pode participar e contribuir com ideias, inclusive tornando-se membro ativo nos grupos de trabalho temáticos, tem uma biblioteca de acesso aberto contendo mais de 1.700 publicações sobre o tema saneamento sustentável.”

Trechos retirados do livro “Gestão do saneamento básico: abastecimento de água e esgotamento sanitário”

25- “Trata‐se de construir um modelo de governança para o setor cujos fundamentos se apoiem nos seguintes princípios: flexibilidade institucional, permitindo variadas alternativas de associação entre capitais públicos e privados, bem como parcerias com o terceiro setor; cooperação intergovernamental e federativa; capacitação técnica; planejamento estratégico; regulação; articulação intersetorial; sustentabilidade e controle social. Eis a tese defendida aqui: a meta de universalização do acesso aos serviços de saneamento ambiental no Brasil só poderá ser alcançada dentro de vinte a trinta anos (na melhor das hipóteses), por meio de políticas e estratégias que articulem as dimensões socioeconômicas, territoriais e institucionais implicadas nesse desafio.” Marcelo Coutinho Vargas

26- “Portanto, de acordo com os índices do SNIS, enquanto o déficit nacional de cobertura no abastecimento de água potável não ultrapassa 7% da população urbana brasileira, mais da metade desta vive em residências desprovidas de conexão à rede coletora de esgotos. Portanto, se a universalização do abastecimento de água das cidades parece uma meta perfeitamente realizável até o final da próxima década, a despeito da precariedade dos serviços nas regiões menos desenvolvidas, a universalização do esgotamento sanitário no meio urbano por meio de tecnologia convencional (redes coletoras), incluindo o tratamento dos efluentes, dificilmente será atingida em prazo inferior a trinta anos.” Marcelo Coutinho Vargas

27- “Na questão do volume de investimentos, parece óbvio que, diante do enorme esforço financeiro requerido (bem acima da média histórica de investimentos no setor, que tem se mantido regularmente abaixo de 0,2% do PIB, desde a implantação do Real), será preciso mobilizar todas as fontes disponíveis, públicas e privadas, nacionais e internacionais, fundos de cooperação, empréstimos a juros reduzidos ou subsidiados, dotações orçamentárias dos estados, municípios e da União, todos esses recursos sendo lastreados por e somados à receita tarifária dos prestadores de serviços. Também deverão ser mobilizados recursos não financeiros, tais como capital humano, iniciativa política e cooperação social, incluindo mutirões que reduzam os custos de implantação das redes de água e esgotos em favelas e em outras ocupações irregulares de baixa renda.” Marcelo Coutinho Vargas

28- “Para tanto, é preciso não apenas planejar, monitorar e avaliar o investimento público da União (recursos orçamentários, FGTS, empréstimos do BNDES etc.), dos estados e municípios (arrecadação de taxas e tarifas, dotações orçamentárias e contrapartidas) de maneira coordenada, para evitar desvios e desperdícios, mas também buscar associá‐lo a investimentos do capital privado e do “terceiro setor” em projetos economicamente viáveis e socialmente eficazes. Ambas as condições, como se discute a seguir, dependem de diretrizes político‐institucionais estáveis, consolidadas em um marco regulatório apropriado que permita reduzir os riscos de investimento no setor e incentivar ganhos de eficiência por parte dos operadores em benefício dos serviços e dos usuários.” Marcelo Coutinho Vargas

29- “Os argumentos citados revelam a necessidade de se elaborar um quadro jurídico‐institucional e um marco regulatório para o saneamento básico que harmonize os interesses dos diferentes atores envolvidos, visando garantir a viabilidade econômica, a eficiência operacional, a qualidade e a expansão dos serviços prestados por operadores públicos e privados, por meio de princípios e diretrizes de planejamento, regulação e controle social. Como se verá adiante, essa necessidade foi reconhecida pelos atores do setor, que pactuaram um novo modelo de política nacional de saneamento básico que caminha nessa direção. Uma análise mais acurada das características e perspectivas desse modelo requer, entretanto, um prévio exame dos conflitos de interesse que o formataram.” Marcelo Coutinho Vargas

30- “Vítima tanto de suas contradições internas, ligadas ao modelo centralizado de gestão, quanto da crise dos anos 1980, que levaram ao endividamento excessivo das companhias estaduais e à erosão do SFS, com o rápido aumento dos saques e a drástica redução na arrecadação do FGTS, o Planasa não sobreviveu à extinção do BNH em 1986. Entretanto, deixou sua marca na estrutura organizacional do setor, que permaneceu dependente de financiamento federal e dominado pelas companhias estaduais de saneamento. Ainda hoje, estas respondem por cerca de três quartos da população urbana atendida com o serviço de abastecimento de água em 70% dos municípios brasileiros e pouco mais da metade daquela servida por rede de esgotos (SNSA, 2003)” Marcelo Coutinho Vargas

31- “A redemocratização do país e a nova ordem constitucional criada com a promulgação da Constituição Federal de 1988 impuseram mudanças políticas e institucionais no setor. Os recursos federais destinados ao saneamento básico foram disponibilizados para os municípios que não delegaram a gestão dos serviços às companhias estaduais e abriu‐se a perspectiva de participação de prestadores de serviços privados nesse campo, posteriormente regulamentada pela Lei Federal de Concessões em 1995. No entanto, os diferentes atores envolvidos no setor (companhias estaduais, operadores municipais e empresas privadas, entidades de classe, associações técnico‐científicas, ONGs, movimentos sociais e lideranças políticas) não se entendiam em seu esforço comum para formular um novo modelo de política nacional de saneamento básico, com diretrizes apropriadas de planejamento, financiamento e regulação. Na falta desta, os investimentos no setor tornaram‐se instáveis e fortemente declinantes, passando de uma média de 0,34% do PIB, nos anos de 1970, para 0,28% nos anos de 1980, e apenas 0,13% nos anos de 1990.” Marcelo Coutinho Vargas

32- “A partir do governo do presidente Cardoso, que pretendia expandir a participação da iniciativa privada no saneamento, os conflitos de interesses e perspectivas entre os diferentes atores do setor se estruturaram em torno de dois eixos:

a. tensões entre municípios concedentes e companhias estaduais de saneamento em torno de investimentos, subsídios cruzados e titularidade dos serviços nas regiões metropolitanas.

b. polarização ideológica entre defensores e opositores da participação do setor privado na prestação dos serviços.” Marcelo Coutinho Vargas

33- “No governo Cardoso, que adotou políticas de desregulamentação da economia, desestatização e reforma do Estado, em sintonia com a hegemonia internacional das ideias neoliberais naquele período, a participação de operadores privados na prestação dos serviços de saneamento básico foi ativamente promovida, sobretudo no segundo mandato presidencial. Sua principal estratégia, que visava atrair investimentos das grandes companhias transnacionais para o setor, era condicionar a renegociação da dívida de alguns estados para com a União (Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia etc.) à privatização de suas concessionárias de saneamento, disponibilizando crédito e assistência técnica do BNDES para facilitar os negócios.” Marcelo Coutinho Vargas

34- “As companhias multinacionais, cuja presença ainda era restrita nesse setor, foram atraídas pela perspectiva de grandes contratos. Mas, em que pesem os contratos firmados em Manaus e Campo Grande em 2000, suas expectativas se viram logo frustradas, pois nenhuma concessionária estadual, com exceção da companhia do Tocantins, foi efetivamente privatizada naquele período.” Marcelo Coutinho Vargas

35- “A ofensiva do governo Cardoso em favor da participação de empresas privadas na prestação de serviços de saneamento básico suscitou forte resistência por parte de diversas entidades representativas do setor e outros segmentos da sociedade civil. A Associação Nacional dos Serviços Municipais de Água e Esgotos (Assemae) e a Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), cujos interesses seriam afetados pelas concessões ao capital privado, conseguiram mobilizar apoio político de alguns partidos de esquerda, sindicatos, movimentos sociais e entidades da sociedade civil organizada para resistir com sucesso a alguns processos de privatização posteriormente abortados, como descrito por Sanchez (2001) e Vargas (2002). Boa parte dessas entidades uniu‐se à Frente Nacional de Saneamento, criada em 1997, que tem se engajado em inúmeras campanhas junto à sociedade e ao parlamento em favor de uma política nacional para o setor baseada na gestão pública desta atividade.” Marcelo Coutinho Vargas

36- “As disputas entre estados e municípios em torno da titularidade dos serviços nas Regiões Metropolitanas, juntamente com a oposição articulada das entidades que congregam os trabalhadores e dirigentes das companhias estaduais e municipais ao crescimento da participação de prestadores de serviços privados neste setor, impediram a aprovação de uma nova Política Nacional de Saneamento em 2001/2002, consolidada no PL n. 4.147, paralisando os investimentos públicos e provocando a saída progressiva do capital estrangeiro do setor: a Suez (Ondeo) saiu de Limeira e Manaus; a Águas de Barcelona deixou Campo Grande; a Veolia vendeu sua participação na Sanepar, a Águas de Portugal saiu da Prolagos, entre outros exemplos.” Marcelo Coutinho Vargas

37- “Com a eleição do presidente Lula, o debate entrou numa nova fase. Por um lado, o movimento de resistência à “privatização” saiu fortalecido, com alguns de seus líderes passando a ocupar posições‐chave na Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, criada junto ao novo Ministério das Cidades. Com isso, as fortes restrições aos empréstimos federais para as companhias estaduais vigentes no governo anterior, visando forçar sua venda ao setor privado, foram afrouxadas. Por outro lado, se o apoio à privatização deixou de ser uma diretriz prioritária na agenda federal para esse setor, alguns segmentos do novo governo mostraram‐se nitidamente favoráveis ao aumento da participação da iniciativa privada no saneamento básico, como os ministros da área econômica e o próprio presidente Lula. Assim, o programa de financiamento às concessionárias privadas da Caixa Econômica Federal, com recursos do FGTS, criado no governo anterior, foi mantido e ligeiramente ampliado no governo Lula, que também se empenhou na aprovação da Lei de Parcerias Público‐Privadas (PPPs)” Marcelo Coutinho Vargas

38- “No que tange à dimensão territorial, a flexibilidade institucional implica a negociação de soluções pragmáticas para o saneamento de municípios cujos serviços apresentem algum tipo de interdependência técnica, real ou potencial, em termos de redução de custos e vantagens operacionais relevantes na implantação de sistemas integrados de produção de água e/ou tratamento de esgotos de escala regional. Baseada em cooperação interfederativa, essa possibilidade foi reforçada pela Lei de Consórcios Públicos que, juntamente com a Lei n. 11.445, favorece novas formas de articulação institucional dos municípios entre si, com o estado e a União nesse campo, através das noções legais de gestão associada e de prestação regionalizada de serviços públicos.” Marcelo Coutinho Vargas

39- “A primeira é definida como uma associação voluntária de entes federados, por meio de convênio de cooperação ou consórcio público disciplinado por lei específica, que permite a transferência total ou parcial de encargos, serviços, bens e pessoal entre os entes envolvidos, conforme disposto no art. 241 da Constituição Federal. Distinguindo‐se do convênio por ser dotado de personalidade jurídica própria (de direito público ou privado), o consórcio pode exercer um conjunto muito mais amplo de funções como, por exemplo, outorgar, regular e fiscalizar concessão, permissão ou autorização de obras e serviços públicos. Por outro lado, a Lei dos Consórcios Públicos exige que os entes federativos consorciados ou conveniados firmem um “contrato de programa” entre si sempre que estiver em jogo a prestação de serviços por órgão da administração direta ou indireta de um dos envolvidos. Nesse caso, o prestador de serviços poderá ser contratado sem licitação. Portanto, com a dispensa de licitação, o contrato de programa representa uma concessão às companhias estaduais de saneamento para evitar a concorrência das concessionárias privadas e refrear a sua privatização.” Marcelo Coutinho Vargas

40- “As observações anteriores permitem concluir que o novo marco regulatório do saneamento básico foi estabelecido como um compromisso entre os atores do setor, visando acomodar os diferentes interesses em conflito. Assim, as tensões entre governos estaduais e municipais em torno da titularidade dos serviços nas Regiões Metropolitanas foram amenizadas com a lei de consórcios públicos, que permitiu obter ganhos de escala na prestação regionalizada de serviços, sem comprometer a autonomia municipal. O problema da falta de transparência na contabilidade de custos e alocação de subsídios cruzados entre os municípios envolvidos na prestação regionalizada, por sua vez, foi equacionado nas exigências contábeis da Lei n. 11.445/2007, que se aplicam igualmente a prestadores de serviços públicos e privados. Por outro lado, a lei de consórcios reforçou a posição das companhias estaduais ante a ofensiva das companhias privadas nesse mercado, com a dispensa de licitação para contratos de programa, enquanto a resistência dos movimentos sociais à gestão privada foi abrandada pelos mecanismos de regulação e controle social contidos na Lei n. 11.445/2007. Enfim, a insegurança jurídica dos prestadores de serviços privados quanto aos riscos de desequilíbrio econômico‐financeiro dos contratos ante o oportunismo político dos governos foi aplacada pelas novas modalidades de concessão previstas na lei de PPPs.” Marcelo Coutinho Vargas

41- “Todavia, para concluir este tópico, pode‐se dizer que a acomodação de interesses observada no novo marco regulatório do saneamento básico, embora benéfica para redução de conflitos e fortalecimento da legitimidade da nova política nacional estabelecida para o setor, também pode entravar sua evolução por meio de soluções locais ou regionais mais ousadas e flexíveis, uma vez que a presença dominante das companhias estaduais fará com que os contratos de programa sejam regra e não a exceção, reduzindo as possibilidades de uma concorrência benéfica entre modelos alternativos de gestão.” Marcelo Coutinho Vargas

42- “Vale ressaltar que o aprimoramento da eficiência administrativa, operacional e comercial dos prestadores de serviços de saneamento, em benefício da saúde pública e da qualidade de vida da população, dependerá principalmente da formação dos quadros das agências reguladoras, com a criação de planos de carreira adequados e a capacitação dos respectivos técnicos e dirigentes nas diversas áreas envolvidas (economia, contabilidade, direito, políticas públicas, sistemas de informação etc.). Será preciso, além disso, investir no desenvolvimento e na difusão mais ampla de uma cultura regulatória que não se restrinja aos meios governamental e universitário, alcançando outros segmentos da sociedade, tais como parlamentares, mídia, ambientalistas e entidades de defesa do consumidor. Nesse sentido, cabe destacar o papel de liderança da Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar), fundada em 1999, cujos congressos e publicações têm contribuído significativamente para tais propósitos.” Marcelo Coutinho Vargas

43- “Assim, como argumenta Silva (1999), não se pode garantir o caráter socialmente essencial dos serviços de utilidade pública, inclusive o saneamento, sem criar instrumentos ou procedimentos cruzados que permitam articular a atuação reguladora das agências (especializadas ou multisserviços) aos sistemas suprassetoriais de defesa da concorrência e direito do consumidor, planejamento urbano e ordenamento territorial, recursos hídricos, meio ambiente e saúde.” Marcelo Coutinho Vargas

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Desenvolvimento Urbano
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Publicação de temas sobre desenvolvimento urbano

Gustavo Warzocha Fernandes Cruvinel
Gustavo Warzocha Fernandes Cruvinel

Written by Gustavo Warzocha Fernandes Cruvinel

Cientista da computação, Especialista em Redes Sociais Digitais e Mestre em Ciência Política