O design imita a vida: por que muitas vezes queremos reinventar a roda?

Jaqueline Stierle
Conta Azul Design
Published in
5 min readDec 22, 2022

Originalidade ao invés de usabilidade. Se o melhor design é aquele que reflete os símbolos do mundo, por que ainda vemos interfaces fugindo dos padrões? Neste artigo, eu conto como a comunicação não verbal é importante para as experiências dentro e fora das telas.

5 países, 5 idiomas diferentes. Essa foi minha rotina durante 50 dias na Europa. Minha primeira experiência fora do Brasil foi semelhante à de algumas pessoas, viajei com pouca fluência em inglês pensando que esse seria meu maior desafio.

Durante a viagem, lembro de dar “Oi” para as aeromoças em 3 idiomas diferentes: “Ciao”, “Hola”, “Bonjour”. Palavras que aprendi ouvindo outras pessoas falando durante a viagem. Esse virou meu dicionário básico entre as trocas de voo.

Após 10 dias, aprendi a me comunicar melhor. Percebi que, quando não sabia falar aquela palavra em francês, era só apontar no cardápio e soltar um “I want this, please”. Não posso dizer que os moradores locais ficavam felizes em me ouvir falar outro idioma, mas posso confirmar que conseguia o que queria naquele momento.

Foi nessas pequenas comunicações que percebi: mesmo sem eu falar o idioma do país, as pessoas conseguiam entender a partir da comunicação dos meus gestos.

Como isso se aplica ao design?

O entendimento da comunicação não verbal parece acontecer intuitivamente. Conseguimos reagir a essas comunicações, sem precisar parar para pensar e responder.

Isso me lembrou o livro “Não me faça pensar”, de Steve Krug. O autor comenta que criar um produto digital intuitivo, autoexplicativo, sem que as pessoas tenham que adivinhar, é uma das prioridades para uma boa experiência.

Tendo em mente a comunicação intuitiva, podemos seguir em uma linha de pensamento sobre como criar um produto autoexplicativo, assim como entendemos quando uma pessoa acena para dizer “Olá”.

Nielsen também enfatiza esta ideia na heurística de “Correspondência entre o sistema e o mundo real”. Esta heurística destaca a interface intuitiva para o entendimento do usuário, usando palavras e símbolos compreensíveis.

Deixe-me explicar…

Assim como em nossa comunicação do dia a dia, há uma importância em manter o padrão de uma plataforma. Ainda assim, conseguimos encontrar algumas experiências que pretendem ser inovadoras, refazendo interações já conhecidas pelos usuários.

Para exemplificar, editei a dashboard abaixo. Ela apresenta a situação de “reinventar a roda”, no sentido de mudar uma boa prática do design.

Olhando rapidamente, podemos não encontrar um problema de uso. Vamos experimentar uma ação: se você precisasse encontrar a home (página inicial) desta plataforma, onde você clicaria?

Template utilizado: Dashboard UI Practice (Community), Figma. #ParaTodosVerem: na imagem, há um modelo de plataforma digital. No canto superior esquerdo, sobre um fundo branco, está o logotipo “Austrace”. Logo abaixo, em azul claro, está um menu lateral, com as opções listadas na vertical: “Inbox”, “Events”, “Venues”, “Reports”, “Support” e “Settings”. Está selecionada a opção “Venues”. Na tela ao lado, em fundo branco, estão distribuídas algumas informações fictícias em forma de fichas, relatórios e listagem.

Normalmente o primeiro local que procuramos por essa ação é no menu da plataforma.

Nós, designers, entendemos que os menus possuem fluxos de navegação dos usuários nas plataformas e é por meio deles que conseguimos navegar. Os usuários, depois de alguns usos, entenderam que é neste local que encontram as opções para realizar diferentes tarefas ou voltar às opções quando necessário.

O menu lateral desta plataforma possui várias opções sinalizadas com ícones. Dentre essas opções, não vemos um ícone de “casa” ou algo semelhante a ele. Não encontrando essa opção do jeito “intuitivo” ou do jeito “que se costuma encontrar”, o usuário certamente terá que pensar em outras possibilidades para realizar esta tarefa.

Está intuitivo? Certamente não. Quem está acostumado com um ícone de casa, ficou alguns minutos buscando e tentando encontrar esta opção.

No caso deste exemplo, o botão que direciona à home é o logo da “Austrace”. Esta ação é encontrada no header desta plataforma, não no menu, como também encontramos em outros produtos digitais.

Por outro lado, se o botão para a home fosse somente o ícone no menu, alguns usuários também poderiam procurá-lo clicando no logo, pois esse pode ser outro padrão cognitivo.

Resolvemos facilmente essas duas situações adicionando redirecionamento para a home nos dois lugares: no menu com um ícone de casa e no logotipo.

Por que tentamos reinventar a roda?

Esta “reinvenção de roda” muitas vezes ocorre pela necessidade de destaque entre as plataformas digitais ou inovação pelo time de design. Esquecemos que, além da nossa criatividade, temos clientes que utilizam nosso sistema para realizar tarefas importantes do trabalho ou pessoais.

Na utilização de produtos digitais, o usuário será guiado pelo o que já conhece e terá os mesmos comportamentos utilizando diferentes produtos.

Esse comportamento remete a um dos princípios de design da Conta Azul, o princípio de “Simplicidade”. Buscamos trabalhar com uma linguagem clara e comum ao usuário, sem que ele tenha que gerar esforço cognitivo para realizar seu trabalho.

Se formos pensar na viagem de 50 dias pela Europa, pensaríamos em questões como roteiros, pontos turísticos e não poderíamos esquecer do idioma.

Era importante saber falar o idioma? Claro, mas não foi o inglês fluente que me tirou de situações de aperto durante a viagem. Nessas horas, você acaba agindo por intuição, utilizando a primeira coisa que vem na sua cabeça, da qual normalmente já é algo que você tem conhecimento.

Isso acontece com nossos usuários. Eles não querem reaprender a usar uma opção de “home” durante o trabalho. Eles estão focados em finalizar a tarefa.

Essa questão não exclui totalmente nossa capacidade de criar novas interações. O foco precisa ser para qual usuário estamos criando essa experiência. É para um usuário que irá utilizar o produto com tempo para experimentar e falhar, ou para um profissional que precisa entregar 10 relatórios por dia?

Ter essa noção é o primeiro passo para criarmos experiências intuitivas e interfaces marcantes. Como diria Norman, em Design emocional (p. 98):

“Levante o botão do controle do assento e este se eleva. Empurre para frente o controle vertical e o encosto do assento inclina para a frente. Esse é um bom design conceitual.”

E você, como trabalha a comunicação nas suas interfaces?

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Jaqueline Stierle
Conta Azul Design

Product designer at Conta Azul | Editor of UX Collective