Mario Alberto Magallanes Trejo para FreeImages.com

Reduzindo a desigualdade tecnológica intergeracional a partir da aplicação de adaptabilidade aos sistemas digitais interativos.

emvbase, Eric Viana
Design DNA
Published in
5 min readJan 25, 2016

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O avanço tecnológico que desenvolveu os dispositivos comunicacionais eletrônicos estabeleceu uma divisão entre os nativos digitais e os demais indivíduos que tentam circular por entre as diferentes telas e sistemas interativos.

É no desenvolvimento e firmação do conceito de cidade global que encontramos alguma explicação para tal separação. Segundo SASSEN (2005, p.37, tradução nossa),

…existe pouca dúvida de que a conexão dos circuitos globais foi trazida acompanhada de um significante nível de desenvolvimento e dinamismo econômico. Mas a questão da desigualdade não foi tocada…

Registra-se que muito além da questão da desigualdade econômica pode-se encarar a desigualdade tecnológica como característica inserida no processo de estabelecimento das redes/circuitos dessas cidades globais.

A cultura ocidental se organizou centrada na visão em um longo processo de desenvolvimento que levou à criação das tecnologias digitais contemporâneas. Tais tecnologias, aparentemente inovadoras, costuram uma série de elementos tecnológicos pré-concebidos, dando-lhes, a partir do uso em conjunto, novas finalidades. O que se pode notar é que essa mixagem tecnológica não foi adotada de forma nivelada em todas as faixas etárias independente do estrato social dos indivíduos.

As gerações mais recentes absorveram a tecnologia. Muito do que usam e acham “natural”, na verdade, são construções tecnológicas que ficaram “transparentes” dado seu nível de entrelaçamento com a vida urbana contemporânea. Tais tecnologias realizaram uma alteração na percepção do mundo e na velocidade em que as informações são recebidas e analisadas pelos indivíduos. Cada vez mais, as novas gerações, estão se habituando a utilizar a visualização intermediada pelos dispositivos digitais para se conectar ao mundo e a outros indivíduos em seu entorno.

É preciso reaprender a se relacionar, operar e interpretar essas relações intermediadas digitalmente, mas, para o público nominado como de “terceira idade”, a miríade de aparelhos e sistemas parece um intrincado problema que sempre exige grande esforço de aprendizado e acaba acompanhado por um aumento excessivo na carga cognitiva necessária para a utilização dos recursos em função do atrito/ruído causados pelo design gráfico aplicado ou pela experiência de usuário não focados/orientados às suas necessidades específicas.

FLUSSER define os aparelhos eletrônicos do mundo contemporâneo

…como imitações das mãos, como próteses que prolongam o alcance das mãos e em consequência ampliam as informações herdadas geneticamente graças às informações culturais adquiridas… (2010, p.36).

São as interfaces gráficas desses mesmos aparelhos eletrônicos que dão “pele” aos tecnicismos e linguagens computadorizadas que causam atritos e exigem grande esforço de compreensão em uma parcela cada vez maior da população. Segundo as Nações Unidas (2010, p.7), globalmente, o número de pessoas com 60 anos ou acima deverá dobrar até 2050 e mais do que triplicar até 2100. Faz-se importante entender que tais sistemas interativos digitais focam somente o atendimento às novas gerações e deixam de incluir em suas linhas de código reflexões sobre como podem otimizar o gasto energético no aprendizado/utilização pelas gerações anteriores aos nativos digitais. Falta aos sistemas atuais a sincronização do espaço/tempo comum das gerações. O separatismo tecnológico causado por interfaces problemáticas, funcionalidades sobrepostas, recursos ocultos, uso excessivo de elementos e animações gráficas não funcionais/objetivas, pouca ou nenhuma preocupação com as diretrizes de interação de cada sistema operacional ou o não atendimento a requisitos mínimos de eficiência plurigeracional parece aumentar a desigualdade e o isolamento dessa camada cada vez maior de “não iniciados” no uso dos recursos digitais.

O desenvolvimento dos equipamentos eletrônicos que intermediam as relações dos indivíduos com o ambiente digital,

…pressupõem que todos os homens devam ser competentes o suficiente para estruturar essa relação. Mas não se pode confiar nessa pressuposição…
(Flusser, 2010, p.42).

Isso é facilmente verificável como verdadeiro ao observar-se a dificuldade na integração entre pessoas na terceira idade e ambientes computacionais tão diversos como smartphones e computadores de mesa. Com a quase ubiquidade da Internet, esse público, parece se desinteressar e até mesmo prefere não utilizar os recursos atuais para a facilitação de seu acesso a informações, serviços e socialização.

O que para os nativos digitais são ações banais como a digitação de uma senha com quatro dígitos, a seleção de uma opção em um caixa eletrônico, a compreensão do fluxo para envio de um e-mail entre outras tantas opções/interfaces com as quais os indivíduos contemporâneos devem lidar diariamente, podem ser extremamente frustrantes e ineficientes quando realizadas por pessoas sem o instrumental cognitivo/simbólico apreendido e internalizado para lidar com tais interfaces digitais. Essa vivência contemporânea baseada nas mídias digitais carrega um paradigma:

… quanto mais complexas se tornam as ferramentas, mais abstratas são suas funções… (Flusser, 2010, p.41).

Essa mesma vivência contemporânea geradora da complexidade das ferramentas tecnológicas levou a criação de uma enorme quantidade de dispositivos interativos com funções semelhantes, mas com formatos, designs de interface e experiências de uso díspares o que dificulta o aprendizado e utilização. Tentando suprir essa falta de relacionamento/conexão visual entre as diferentes telas às quais o indivíduo contemporâneo tem acesso, e deve interagir com, é que surgiu a vertente do Design Responsivo que delimita guias, ações e técnicas capazes que manter o fluxo de uso de um aplicativo com certa compatibilidade, resumindo experiências e criando conectores visuais em formatos e telas diferentes sempre respeitando as capacidades do sistema interativo onde tais delimitações são aplicadas. Unindo o Design Responsivo a técnicas de criação orientadas ao usuário como o Design Thinking e o Design Atômico acredita-se poder chegar a um fator e conjuntos de funções comuns a todos os sistemas que podem ser interpretadas de forma a facilitar o acesso aos recursos dos sistemas interativos, reduzindo o quadro de desigualdade tecnológica.

É preciso que os sistemas/aplicativos permitam a eficiência em qualquer faixa etária, sendo adaptáveis às diferentes telas, usuários e realidades permitindo que seu conteúdo possa refletir essas mudanças nos comportamentos de uso e variem a partir dos contextos e equipamentos eletrônicos onde estão sendo utilizados, mas mantenham sua estruturação em torno do núcleo comum de funções independente da plataforma evitando assim o distanciamento motivado pelo “medo do desconhecido”.

Adaptação é a palavra chave que irá permitir a redução da desigualdade tecnológica intergeracional existente hoje na sociedade para que possamos atingir a real fixação da aldeia global(2) proposta por McLuhan.

[2] “[…o que se irá observar é que sob a ideia da aldeia global McLuhan estará indicando que um processo de trocas de informações cada vez mais rápido e intenso havia se iniciado e que levaria à perda ou, ao menos, a uma transformação profunda, das referências nas quais as culturas costumavam se orientar, envolvendo todos em torno de acontecimentos comuns, de forma única, tal como nas pequenas vilas, ou cidadezinhas, porém, com dimensões que abarcariam o mundo inteiro […]” (PEREIRA, 2011, p.152).

Referências

FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. 2. ed. São Paulo Cosac Naify, 2010. 224 p.

PEREIRA, Vinicius Andrade. Estendendo mcluhan: da aldeia à teia global — comunicação, memória e tecnologia. Porto Alegre: Sulina, 2011. 216 p. (Coleção Cibercultura).

SASSEN, S. As cidades na economia mundial. São Paulo, Studio Nobel, 1998.http://www.saskiasassen.com/pdfs/publications/the-global-city-brown.pdf

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emvbase, Eric Viana
Design DNA

Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (PUC-SP) atua como Pesquisador, Designer e Consultor em UX/AI.