A urgência da Acessibilidade Digital no contexto de pandemia: como tornar seus projetos de design mais acessíveis

Ana Julia de Oliveira
Design em Tempos de Pandemia
7 min readSep 7, 2020

Com a pandemia de Covid-19 e o isolamento social, nossas rotinas foram muito afetadas e, mesmo para as pessoas que não eram habituadas, a web se tornou a maior aliada no enfrentamento dessa fase e é através dela que realizamos a maioria de nossas atividades nesse momento. Entretanto, muitas pessoas ainda são excluídas da participação nos ambientes digitais. Em 2015, segundo o censo realizado pelo IBGE, cerca de 24% da população brasileira declarou ter algum tipo de deficiência. Porém, menos de 1% dos domínios ativos no Brasil são considerados acessíveis, segundo levantamento realizado em abril de 2020 pela BigData Corp e o Movimento Web Para Todos. Este artigo pretende adentrar aos conceitos de Acessibilidade Digital e Design Inclusivo, e mostrar como os designers podem contribuir para o processo de inclusão de forma a auxiliar o processo de isolamento social durante a pandemia.

Gráfico da porcentagem da população, por tipo e grau de dificuldade e deficiência.
A deficiência visual estava presente em 3,4% da população brasileira; a deficiência motora em 2,3%; deficiência auditiva em 1,1%; e a deficiência mental/intelectual em 1,4%. Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010

O que é Acessibilidade Digital?

Acessibilidade, usabilidade… Não é tudo a mesma coisa? Na verdade, não. É comum pensar que se seu projeto passar por testes de usabilidade ele estará livre de qualquer problema, mas não é bem assim, isso não significa que ele é acessível. Segundo Torres e Mazzoni:

A usabilidade de um produto pode ser mensurada, formalmente, e compreendida, intuitivamente, como sendo o grau de facilidade de uso desse produto para um usuário que ainda não esteja familiarizado com o mesmo […] a acessibilidade de um produto consiste em considerar a diversidade de seus possíveis usuários e as peculiaridades da interação dessas pessoas com o produto. (TORRES; MAZZONI, 2004, p.152)

Demonstrando para quem projetamos, uma pessoa específica, e quem é excluído: diversas pessoas com habilidades diferentes.
Fonte: adaptado de Microsoft Inclusive Design

Projetamos produtos para pessoas de um determinado sexo, idade, grau de alfabetismo, habilidade física… Nesse processo as interações projetadas a partir da tecnologia restringem-se e são muito dependentes do que podemos ver, ouvir, dizer e tocar. Assumir que todos esses sentidos e habilidades estão em plena função o tempo inteiro gera um grande potencial de ignorar a diversidade e diminuir o alcance ao público.

Segundo a página do Governo Brasileiro “Acessibilidade Digital é a eliminação de barreiras na Web. O conceito pressupõe que os sites e portais sejam projetados de modo que todas as pessoas possam perceber, entender, navegar e interagir de maneira efetiva com as páginas.”. É necessário frisar que desde 2015 temos a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que no artigo 63 estabelece que todos os sites brasileiros devem ser acessíveis, garantindo acesso à informação.

Você já imaginou como é a experiência de uso, para quase um quarto da população brasileira, de sites e aplicativos sem acessibilidade? Como está se dando o uso agora, em tempos de pandemia, em que muitas atividades essenciais precisam ser realizadas por meio destes? A Acessibilidade Digital é uma necessidade que com a pandemia se tornou ainda mais urgente visto que, durante esse período, a melhor alternativa é utilizar os meios digitais para manter o isolamento social.

Design Inclusivo, por onde começar?

O design inclusivo coloca as pessoas no centro do processo. Para entender um pouco mais sobre os princípios do Design Inclusivo, recomendo este projeto desenvolvido por Marcelo Sales. Estes princípios lhe darão uma ampla visão para começar a projetar pensando em acessibilidade. Outra recomendações importantes para criação de produtos digitais inclusivos e acessíveis você encontra na WCAG (Web Content Accessibility Guidelines), um conjunto de Diretrizes de Acessibilidade para o Conteúdo da Web, que pode ser consultado em português neste guia de consulta rápida também desenvolvido por Marcelo Sales. O Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco em parceria com o SIDI (Samsung Instituto de Desenvolvimento para a Informática) também possui um Guia para o Desenvolvimento de Aplicações Móveis Acessíveis, voltado especificamente para o desenvolvimento de aplicativos. Todos esses conteúdos citados enriqueceram muito meu repertório e a partir disto irei abordar, de modo geral, alguns tópicos que considero de simples implementação mas que podem fazer uma grande diferença quando se fala em acessibilidade:

  • Lembre-se que você deve começar a trabalhar a acessibilidade desde o início do projeto e, para isso, vai precisar de perspectivas diversas. Considere incluir pessoas com deficiência, cuidadores e outros profissionais durante algumas etapas do processo.
  • Os usuários irão interagir de diferentes maneiras com a interface, um exemplo disso são usuários que navegam somente pelo teclado ou que utilizam leitor de tela. É importante que o usuário consiga identificar de forma clara qual item está sendo selecionado na tela.
  • A hierarquização da informação é fundamental para que o usuário perceba qual a ordem de importância dos elementos e conteúdos que lhe são apresentados. Essa ordem deve fazer sentido tanto visualmente quanto para a audição, no caso da utilização de um leitor de tela.
  • Sempre utilize ícones, cores e texto de forma associada, gerando mais de um tipo de feedback para o usuário, como pode ser visualizado no exemplo abaixo.
Demonstração da forma correta e incorreta de como comunicar erros aos usuários, através de cores, ícones e texto.
Fonte: UX Collective BR
  • Botões e áreas de controle devem possuir área sensível de tamanho adequado, permitindo acionamento de maneira mais fácil para pessoas com dificuldades motoras.
  • Preocupe-se com o contraste, uma boa escolha das cores será efetiva para todos os usuários, transmitindo as informações necessárias. O tamanho das fontes utilizadas em textos também deve ser considerado para facilitar a leitura, existem calculadoras de contraste disponíveis online baseadas na WCAG que podem ser utilizadas, como a calculadora da Deque University.
  • Evite fontes serifadas, alinhamento centralizado em blocos de texto e não utilize textos justificados.
  • Busque manter o espaçamento entre os elementos consistente para que não hajam dúvidas entre a relação do conteúdo.
  • Exerça empatia e coloque-se no lugar do outro. Sempre que possível, teste as soluções com os recursos utilizados pelas pessoas com deficiência, como por exemplo o leitor de tela. Mas lembre-se que é importante ouvir os reais usuários, entender suas demandas, escutar suas ideias, necessidades e compreender como se dá o uso da tecnologia no seu dia a dia.
  • Evite o excesso de informação e priorize o conteúdo. Deficientes visuais utilizam muito a memória para a localização dos itens. Se for disposta muita informação na mesma tela, torna-se difícil e cansativa a memorização e a interação para esses usuários, o que pode deixá-los perdidos ou confusos.

Há ainda algumas ferramentas que podem te auxiliar a saber se está indo pelo caminho certo, como o Siteimprove Accessibility Checker, extensão do Chrome para avaliar páginas da web, e o Scanner de acessibilidade, para aplicativos para Android.

A acessibilidade beneficia à todos

Ao projetar para acessibilidade você atinge uma ampla gama de pessoas, sejam elas pessoas com deficiência ou com alguma limitação temporária ou situacional. Imagine que você poderia estar com uma criança de colo, ou com uma caixa de compras nos braços, ou ainda que precisou por algum motivo enfaixar o braço, e precisa realizar alguma tarefa no seu celular. A acessibilidade exerce sua função em todos os casos.

Limitação permanente (homem sem um braço), temporária (homem com braço engessado), e situacional (mulher com bebê no colo)
Fonte: Adaptado de Microsoft Inclusive Design

Projetar para a inclusão não apenas abre nossos produtos e experiências para mais pessoas com uma gama mais ampla de habilidades. Também reflete como as pessoas realmente são. Todos os humanos estão crescendo, mudando e se adaptando ao mundo ao seu redor todos os dias. Queremos que nossos designs reflitam essa diversidade. (Microsoft Inclusive Design-tradução da autora)

É necessário revisar nossas práticas como designers, para que possamos construir experiências que sejam acessíveis ao maior público possível. É preciso buscar aproximação aos usuários, trabalhando para reduzir as barreiras impostas à eles, e quebrar alguns mitos relacionados à acessibilidade e ao uso da tecnologia por pessoas com deficiência, mostrando que esses usuários utilizam e necessitam da tecnologia, principalmente neste período de isolamento social, e que a acessibilidade não é uma limitação ao design. Um bom design pode ser belo e acessível, as interações podem ser pensadas através de diferentes meios e projetar com acessibilidade não irá tornar seu projeto mais caro ou demorado, se a inclusão for pensada desde o princípio. Vale ressaltar que o trabalho em conjunto com outros profissionais, como por exemplo das áreas de programação e terapia ocupacional, enriquece o processo de compreensão da acessibilidade e o resultado final do projeto.

Referencias:

BIGDATA CORP. Estudo: acessibilidade na web brasileira. Acesso em 02 set. 2020. Disponível em: https://bigdatacorp.com.br/estudo-acessibilidade-na-web-brasileira/

GOV.BR. Acessibilidade Digital. Acesso em 30 ago. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/governodigital/pt-br/acessibilidade-digital

IBGE. Pessoas com deficiência. Acesso em 30 ago. 2020. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/20551-pessoas-com-deficiencia.html

MICROSOFT. Inclusive Design. Acesso em 30 ago. 2020. Disponível em: https://www.microsoft.com/design/inclusive/

TORRES, E.F.; MAZZONI, A.A. Conteúdos digitais multimídia: o foco na usabilidade e acessibilidade. Ciência da Informação, Brasília, v.33, n.2, p.152–160, maio/ago 2004.

WCAG. WCAG de forma simples. Guia de consulta rápida. Acesso em 28 ago. 2020. Disponível em: https://guia-wcag.com/

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