As fake news enquanto movimento social durante a pandemia de Covid-19

Cássia Marigliano
Design em Tempos de Pandemia
7 min readSep 7, 2020

Introdução

Os movimentos sociais são objeto de estudo desde os primórdios da filosofia, pois o comportamento humano, enquanto grupo, toma caminhos muitas vezes inesperados e contraditórios. Este fato pode levar a uma necessidade de ser estudado com lente de aumento, o que ocorre em diversas áreas, como: sociologia, antropologia, psicologia e filosofia (ADORNO e SILVEIRA, 2017).

Com a democratização da internet e a maior facilidade de acesso à informações e ao compartilhamento delas, se tornou cada vez mais comum a busca do ser humano por novas notícias. O superestímulo que temos, principalmente nas redes sociais, nos faz ter uma necessidade cada vez maior de estar por dentro dos acontecimentos e emitir nossa opinião a respeito deles (SOUZA, 2020).

Figura 1 — Fonte: Cartum de João Montanaro para a Folha de São Paulo

Com tudo isso, um (nem tão) novo movimento social ganha força e deixa rastros por onde passa: as fake news. Propagadas principalmente pelas redes sociais. As fake news têm causado um estrago e levado desinformação numa velocidade absurda. Na pandemia de Covid-19 não foi diferente (CANTUÁRIO, 2020).

Ainda segundo o autor, o vírus mal tinha se espalhado pelo mundo e já haviam notícias notícias falsas sobre ele. Dentre elas a suspeita de ser algo fabricado pela China, ter vindo de uma suposta sopa de morcego e até mesmo receitas com chás milagrosos prometendo a cura. Isso se tratando de uma doença até então desconhecida e enigmática até mesmo para os especialistas.

Este ensaio tem como base pesquisas bibliográficas a respeito do assunto e analisar o discurso e os possíveis resultados da propagação de fake news no momento da pandemia de Covid-19. Além de trazer reflexões a respeito do compartilhamento dessas notícias e as possibilidades de frear a disseminação de informações falsas e conscientizar a população.

Começo e desenvolvimento do problema em questão:

Desde as eleições presidenciais norte-americanas de 2016, tem se falado cada vez mais a respeito das fake news (notícias falsas) e do uso delas como instrumento de manipulação da opinião popular. Juntamente com este conceito, temos também a ideia de “pós-verdade”, que é muito semelhante ao conceito de fake news, mas está muito mais ligado à subjetividade e o emocional de quem compartilha. Esse tipo de notícia é construída para se ligar com as crenças e opiniões pessoais do receptor, que se sente tentado a compartilhar sem nem mesmo fazer uma checagem prévia da veracidade dos fatos e fontes (SOUZA, 2020).

O entendimento da propagação das fake news como movimento social vem do termo “movimentos sociais em rede”, como ressalta Souza (2020 apud CASTELL 2017). E está muito ligado com o desejo de pertencimento do receptor da mensagem em relação aos acontecimentos e sua participação no compartilhamento do fato (ADORNO e SILVEIRA, 2017).

A descredibilização dos meios midiáticos tradicionais tem tudo a ver com esse tipo de sentimento subjetivo inerente ao indivíduo que propaga fake news. Há uma luta acirrada entre os canais de mídia tradicional, conhecidos por serem fontes confiáveis, e os novos meios de criação de informação, advindo das redes sociais e da mídia digital. Assim que o indivíduo perde a confiança naquilo que sempre se mostrou confiável e passa a acreditar em teorias conspiracionistas, está sujeito a acreditar em qualquer informação que chega em suas mãos (SOUSA JÚNIOR, RAASH, SOARES, RIBEIRO, 2020).

O conspiracionismo é um grande aliado da manipulação popular por meio da linguagem, pois elimina a credibilidade da checagem de fatos por especialistas, já que eles passam a ser vistos como inimigos e mentirosos, por “impedir que a população saiba da verdade”. Essa construção de discurso é responsável por alimentar o ego do propagador de desinformação, pois esse tem o sentimento de exclusividade sobre os fatos e acredita ser intelectualmente superior do que aqueles que acreditam na “grande mídia”, gerando assim, um ciclo vicioso fomentado pelo ego (SOUZA JÚNIOR et. al., 2020).

O indivíduo que compartilha as notícias que acredita pode até não ter maldade e ser levado pelo sentimentalismo momentâneo, mas aquele que produz o discurso o faz em busca de manipular o receptor e constrói o discurso de maneira calculada para que atinja o maior número de pessoas possível. Isso se dá por motivações relacionadas a poder e dinheiro, já que a linguagem é um meio efetivo de manipulação de ações e pensamentos (CANTUÁRIO, 2020).

Por exemplo, se algum empresário tem interesse que seus funcionários não parem de trabalhar e gerar lucros durante uma possível quarentena, uma notícia que faz seus empregados não acreditarem na gravidade da pandemia de Covid-19 viria à calhar. Isso faria com que eles não lutassem pelo direito de ficar em casa, e seguir movimentando a economia, mesmo que isso trouxesse prejuízos às suas vidas, saúde e família (SOUZA, 2020).

Análise de discurso:

Os discursos criados para a propagação dessas informações são feitos de forma a reduzir a desconfiança do leitor ao máximo. Mesmo que notícias com erros de grafia e uso de gírias sejam propagadas, os autores se valem muitas vezes de designs arrojados, com uso de psicologia das cores para a criação de peças gráficas e citação de fontes imaginárias, às vezes contendo até falsos links para a checagem da informação. Assim, o receptor acredita estar recebendo uma informação de confiança e que não tem necessidade de checar a veracidade antes de compatilhá-la (SOUSA JÚNIOR et. al., 2020).

As informações trazem fontes falsas e vagas para validar o texto que está ali escrito, com o uso de figuras de autoridades como origem de determinadas falas. Por exemplo: “uma médica do Hospital Sírio Libanês disse”, “uma universidade inglesa escreveu em estudo”, “uma amiga me contou que”, etc. Pois o usuário de redes sociais geralmente acredita que a confiabilidade da informação está diretamente ligada à confiança que ele tem com aquele que o enviou a mensagem, e não com a mensagem em si (SOUZA, 2020).

Os autores dessas notícias falsas se valem de todo tipo de criação midiática que pode gerar engajamento virtual. Até mesmo a revolta de outros usuários das redes a respeito de determinada postagem pode levar à maior visibilidade, o que influencia os números de visualizações e interações. O que leva o algoritmo daquela rede a entender que conteúdo em questão deve ser levado para mais usuários em seus feeds de notícias (ADORNO e SILVEIRA, 2017).

Em tempos de pandemia, esse tipo de desinformação pode trazer prejuízos graves, pois causa pânico e compromete a saúde da população, que perde a noção das medidas preventivas e acaba se expondo a riscos desnecessariamente. Além de que, pode muitas vezes levar ao consumo de medicações sem prescrição médica, causando potenciais efeitos colaterais.

Medidas preventivas e conscientização:

Observou-se que a melhor maneira de prevenir o compartilhamento dessas publicações é orientar os usuários de redes sociais. Campanhas que ensinam a fazer a checagem dos fatos e não repassar conteúdos suspeitos, se mostraram a melhor opção para frear esse movimento social que acontece em velocidade absurda. Assim, diminuindo a quantidade de pessoas que tem acesso a esse tipo de conteúdo e fazendo com que as autoridades responsáveis pela pesquisa ganhem tempo para desmentir as falsas notícias antes que se perca o controle (SOUSA JÚNIOR et. al., 2020)

Geralmente, notícias falsas costumam gerar mais engajamento e visualizações do que as reportagens que as desmentem ou que contém informações verdadeiras. Isso tem a ver, novamente, com a questão da confiabilidade aplicada apenas ao transmissor da informação e não à informação em si. Por isso a conscientização de modo racional é tão importante: pois destrincha e ensina os usuários a verem a situação de forma racional com menos subjetividade (SOUZA, 2020).

Aindanto isso, a mídia tradicional luta bravamente de diversas maneiras para recuperar sua credibilidade perante às massas e desmentir falsas informações. Além de fazer comerciais de conscientização e repetir as regras básicas do compartilhamento de publicações de forma segura (SOUZA, 2020).

Figura 2 — Fonte: Site do Ministério da Saúde sobre as fake news de Covid-19

Órgãos governamentais também estão em busca de frear esse compartilhamento de postagens de forma compulsória, disponibilizando sites que desmentem essas informações e espalhando links com fatos de origem segura, confiável e comprovada. Juntamente com isso, o senado aprovou o projeto de lei que criminaliza a criação, financiamento e, em alguns casos, até a propagação dessas desinformações, na tentativa de deixar o ambiente virtual mais seguro(SOUSA JÚNIOR et. al., 2020).

Considerações finais:

Podemos concluir, a partir desses estudos, que a infodemia (pandemia de desinformação) pode ser tão prejudicial e contagiosa quanto a transmissão de um vírus. O usuário deve sempre desconfiar da informação que chega até ele, e compreender que isso não significa falta de confiança no transmissor da mensagem, mas na mensagem em si. A conscientização e criação de leis que pune o criador do discurso das fake news são opções viáveis para frear esse comportamento.

O usuário deve compreender que tem responsabilidades no meio digital e ter seu senso crítico elevado, sendo capaz de analisar os discursos midiáticos e pesquisar fontes confiáveis de notícias. Assim, o indivíduo se torna capaz de formar suas próprias opiniões baseadas em verdades e se torna menos manipulável e influenciável pelo meio em que está inserido.

Referências:

ADORNO, G.; SILVEIRA, J. Pós-verdade e fake news: equívocos do político na materialidade digital. VIII SEAD. Recife, 2017.

CANTUÁRIO, V. A. P. “Isso é verdade?” — a “infodemia” da pandemia: considerações sobre a desinformação no combate à COVID-19. Investigação Filosófica Vol. 11, n. 2, p. 175–188. 2020. Disponívem em <https://periodicos.unifap.br/index.php/investigacaofilosofica>. Acesso em 26 ago. 2020.

SOUSA JÚNIOR, J. H.; Raash, M.; SOARES, J. C.; RIBEIRO, L. V. H. A. S. Da Desinformação ao Caos: uma análise das Fake News frente à pandemia do Coronavírus (COVID-19) no Brasil. Cadernos de Prospecção. Vol. 13, n. 2, Edição Especial, p. 331–346. Salvador, (abril 2020). DOI: http://dx.doi.org/10.9771/cp.v13i2.COVID-19.35978

SOUZA, N. I. S. A disseminação de fake news no caso do coronavírus (Covid-19): uma análise discursiva. Revista Memento. Vol. 11, n. 1. p. 1–20. (janeiro/junho 2020).

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