As fake news enquanto movimento social durante a pandemia de Covid-19
Introdução
Os movimentos sociais são objeto de estudo desde os primórdios da filosofia, pois o comportamento humano, enquanto grupo, toma caminhos muitas vezes inesperados e contraditórios. Este fato pode levar a uma necessidade de ser estudado com lente de aumento, o que ocorre em diversas áreas, como: sociologia, antropologia, psicologia e filosofia (ADORNO e SILVEIRA, 2017).
Com a democratização da internet e a maior facilidade de acesso à informações e ao compartilhamento delas, se tornou cada vez mais comum a busca do ser humano por novas notícias. O superestímulo que temos, principalmente nas redes sociais, nos faz ter uma necessidade cada vez maior de estar por dentro dos acontecimentos e emitir nossa opinião a respeito deles (SOUZA, 2020).
Com tudo isso, um (nem tão) novo movimento social ganha força e deixa rastros por onde passa: as fake news. Propagadas principalmente pelas redes sociais. As fake news têm causado um estrago e levado desinformação numa velocidade absurda. Na pandemia de Covid-19 não foi diferente (CANTUÁRIO, 2020).
Ainda segundo o autor, o vírus mal tinha se espalhado pelo mundo e já haviam notícias notícias falsas sobre ele. Dentre elas a suspeita de ser algo fabricado pela China, ter vindo de uma suposta sopa de morcego e até mesmo receitas com chás milagrosos prometendo a cura. Isso se tratando de uma doença até então desconhecida e enigmática até mesmo para os especialistas.
Este ensaio tem como base pesquisas bibliográficas a respeito do assunto e analisar o discurso e os possíveis resultados da propagação de fake news no momento da pandemia de Covid-19. Além de trazer reflexões a respeito do compartilhamento dessas notícias e as possibilidades de frear a disseminação de informações falsas e conscientizar a população.
Começo e desenvolvimento do problema em questão:
Desde as eleições presidenciais norte-americanas de 2016, tem se falado cada vez mais a respeito das fake news (notícias falsas) e do uso delas como instrumento de manipulação da opinião popular. Juntamente com este conceito, temos também a ideia de “pós-verdade”, que é muito semelhante ao conceito de fake news, mas está muito mais ligado à subjetividade e o emocional de quem compartilha. Esse tipo de notícia é construída para se ligar com as crenças e opiniões pessoais do receptor, que se sente tentado a compartilhar sem nem mesmo fazer uma checagem prévia da veracidade dos fatos e fontes (SOUZA, 2020).
O entendimento da propagação das fake news como movimento social vem do termo “movimentos sociais em rede”, como ressalta Souza (2020 apud CASTELL 2017). E está muito ligado com o desejo de pertencimento do receptor da mensagem em relação aos acontecimentos e sua participação no compartilhamento do fato (ADORNO e SILVEIRA, 2017).
A descredibilização dos meios midiáticos tradicionais tem tudo a ver com esse tipo de sentimento subjetivo inerente ao indivíduo que propaga fake news. Há uma luta acirrada entre os canais de mídia tradicional, conhecidos por serem fontes confiáveis, e os novos meios de criação de informação, advindo das redes sociais e da mídia digital. Assim que o indivíduo perde a confiança naquilo que sempre se mostrou confiável e passa a acreditar em teorias conspiracionistas, está sujeito a acreditar em qualquer informação que chega em suas mãos (SOUSA JÚNIOR, RAASH, SOARES, RIBEIRO, 2020).
O conspiracionismo é um grande aliado da manipulação popular por meio da linguagem, pois elimina a credibilidade da checagem de fatos por especialistas, já que eles passam a ser vistos como inimigos e mentirosos, por “impedir que a população saiba da verdade”. Essa construção de discurso é responsável por alimentar o ego do propagador de desinformação, pois esse tem o sentimento de exclusividade sobre os fatos e acredita ser intelectualmente superior do que aqueles que acreditam na “grande mídia”, gerando assim, um ciclo vicioso fomentado pelo ego (SOUZA JÚNIOR et. al., 2020).
O indivíduo que compartilha as notícias que acredita pode até não ter maldade e ser levado pelo sentimentalismo momentâneo, mas aquele que produz o discurso o faz em busca de manipular o receptor e constrói o discurso de maneira calculada para que atinja o maior número de pessoas possível. Isso se dá por motivações relacionadas a poder e dinheiro, já que a linguagem é um meio efetivo de manipulação de ações e pensamentos (CANTUÁRIO, 2020).
Por exemplo, se algum empresário tem interesse que seus funcionários não parem de trabalhar e gerar lucros durante uma possível quarentena, uma notícia que faz seus empregados não acreditarem na gravidade da pandemia de Covid-19 viria à calhar. Isso faria com que eles não lutassem pelo direito de ficar em casa, e seguir movimentando a economia, mesmo que isso trouxesse prejuízos às suas vidas, saúde e família (SOUZA, 2020).
Análise de discurso:
Os discursos criados para a propagação dessas informações são feitos de forma a reduzir a desconfiança do leitor ao máximo. Mesmo que notícias com erros de grafia e uso de gírias sejam propagadas, os autores se valem muitas vezes de designs arrojados, com uso de psicologia das cores para a criação de peças gráficas e citação de fontes imaginárias, às vezes contendo até falsos links para a checagem da informação. Assim, o receptor acredita estar recebendo uma informação de confiança e que não tem necessidade de checar a veracidade antes de compatilhá-la (SOUSA JÚNIOR et. al., 2020).
As informações trazem fontes falsas e vagas para validar o texto que está ali escrito, com o uso de figuras de autoridades como origem de determinadas falas. Por exemplo: “uma médica do Hospital Sírio Libanês disse”, “uma universidade inglesa escreveu em estudo”, “uma amiga me contou que”, etc. Pois o usuário de redes sociais geralmente acredita que a confiabilidade da informação está diretamente ligada à confiança que ele tem com aquele que o enviou a mensagem, e não com a mensagem em si (SOUZA, 2020).
Os autores dessas notícias falsas se valem de todo tipo de criação midiática que pode gerar engajamento virtual. Até mesmo a revolta de outros usuários das redes a respeito de determinada postagem pode levar à maior visibilidade, o que influencia os números de visualizações e interações. O que leva o algoritmo daquela rede a entender que conteúdo em questão deve ser levado para mais usuários em seus feeds de notícias (ADORNO e SILVEIRA, 2017).
Em tempos de pandemia, esse tipo de desinformação pode trazer prejuízos graves, pois causa pânico e compromete a saúde da população, que perde a noção das medidas preventivas e acaba se expondo a riscos desnecessariamente. Além de que, pode muitas vezes levar ao consumo de medicações sem prescrição médica, causando potenciais efeitos colaterais.
Medidas preventivas e conscientização:
Observou-se que a melhor maneira de prevenir o compartilhamento dessas publicações é orientar os usuários de redes sociais. Campanhas que ensinam a fazer a checagem dos fatos e não repassar conteúdos suspeitos, se mostraram a melhor opção para frear esse movimento social que acontece em velocidade absurda. Assim, diminuindo a quantidade de pessoas que tem acesso a esse tipo de conteúdo e fazendo com que as autoridades responsáveis pela pesquisa ganhem tempo para desmentir as falsas notícias antes que se perca o controle (SOUSA JÚNIOR et. al., 2020)
Geralmente, notícias falsas costumam gerar mais engajamento e visualizações do que as reportagens que as desmentem ou que contém informações verdadeiras. Isso tem a ver, novamente, com a questão da confiabilidade aplicada apenas ao transmissor da informação e não à informação em si. Por isso a conscientização de modo racional é tão importante: pois destrincha e ensina os usuários a verem a situação de forma racional com menos subjetividade (SOUZA, 2020).
Aindanto isso, a mídia tradicional luta bravamente de diversas maneiras para recuperar sua credibilidade perante às massas e desmentir falsas informações. Além de fazer comerciais de conscientização e repetir as regras básicas do compartilhamento de publicações de forma segura (SOUZA, 2020).
Órgãos governamentais também estão em busca de frear esse compartilhamento de postagens de forma compulsória, disponibilizando sites que desmentem essas informações e espalhando links com fatos de origem segura, confiável e comprovada. Juntamente com isso, o senado aprovou o projeto de lei que criminaliza a criação, financiamento e, em alguns casos, até a propagação dessas desinformações, na tentativa de deixar o ambiente virtual mais seguro(SOUSA JÚNIOR et. al., 2020).
Considerações finais:
Podemos concluir, a partir desses estudos, que a infodemia (pandemia de desinformação) pode ser tão prejudicial e contagiosa quanto a transmissão de um vírus. O usuário deve sempre desconfiar da informação que chega até ele, e compreender que isso não significa falta de confiança no transmissor da mensagem, mas na mensagem em si. A conscientização e criação de leis que pune o criador do discurso das fake news são opções viáveis para frear esse comportamento.
O usuário deve compreender que tem responsabilidades no meio digital e ter seu senso crítico elevado, sendo capaz de analisar os discursos midiáticos e pesquisar fontes confiáveis de notícias. Assim, o indivíduo se torna capaz de formar suas próprias opiniões baseadas em verdades e se torna menos manipulável e influenciável pelo meio em que está inserido.
Referências:
ADORNO, G.; SILVEIRA, J. Pós-verdade e fake news: equívocos do político na materialidade digital. VIII SEAD. Recife, 2017.
CANTUÁRIO, V. A. P. “Isso é verdade?” — a “infodemia” da pandemia: considerações sobre a desinformação no combate à COVID-19. Investigação Filosófica Vol. 11, n. 2, p. 175–188. 2020. Disponívem em <https://periodicos.unifap.br/index.php/investigacaofilosofica>. Acesso em 26 ago. 2020.
SOUSA JÚNIOR, J. H.; Raash, M.; SOARES, J. C.; RIBEIRO, L. V. H. A. S. Da Desinformação ao Caos: uma análise das Fake News frente à pandemia do Coronavírus (COVID-19) no Brasil. Cadernos de Prospecção. Vol. 13, n. 2, Edição Especial, p. 331–346. Salvador, (abril 2020). DOI: http://dx.doi.org/10.9771/cp.v13i2.COVID-19.35978
SOUZA, N. I. S. A disseminação de fake news no caso do coronavírus (Covid-19): uma análise discursiva. Revista Memento. Vol. 11, n. 1. p. 1–20. (janeiro/junho 2020).