Design ativista em tempos de pandemia: de que modo as redes sociais podem ser aliadas na luta?

Gaby Gallo
Design em Tempos de Pandemia
8 min readSep 7, 2020

“Uma epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo, desaba sobre a sociedade — a epidemia da superprodução. A sociedade vê-se subitamente reconduzida a um estado de barbárie momentânea; como se a fome ou uma guerra de extermínio houvessem lhe cortado todos os meios de subsistência; o comércio e a indústria parecem aniquilados.” (MARX e ENGELS, 1998, p. 45)

Dia de Luta da Classe Trabalhadora. Arte de @trunabonial, publicado pelo instagram do @designativista.

O mundo que recebeu as notícias sobre os primeiros casos do vírus (conhecido por diversos nomes, como Coronavírus, COVID-19, Sars-COV-2), no final do ano de 2019, não imaginaria a rapidez com que o vírus se alastraria pelo globo e tornaria-se uma pandemia que hoje, cerca de 7 meses após seu “início”, chega a quase 27 milhões de casos e 880 mil mortos registrados ao redor de todo o mundo. Na sociedade como um todo, a pandemia deixou seu rastro de destruição também em forma de recessão, desemprego e empobrecimento generalizado das camadas da base da sociedade.

Diante desse cenário, a sociedade em todos os seus âmbitos se viu obrigada a lidar com um novo modo de vida, baseado na necessidade do isolamento social para combater o vírus e “achatar a curva”. O regime de trabalho home-office e o ensino à distância foram amplamente adotados por aquelas áreas em que isso se fez possível, como as áreas da educação (universidades públicas e privadas tendo aderido ao ensino à distância), ramos como o da tecnologia e até mesmo algumas empresas do comércio. Com o modelo de home office e EAD, muitas das contas que antigamente eram de responsabilidade da empresa recaíram sobre os trabalhadores e trabalhadoras, tornando o custo de vida ainda mais caro em um momento que no Brasil já vinha sendo de crise e retrocesso há longos tempos, além é claro de questões como a tripla jornada de trabalho doméstico incidirem diretamente sobre as mulheres (nada que Silvia Federici, Simone de Beauvoir já não houvessem previsto em outros tempos).

As taxas de emprego informal aumentaram drasticamente, o que, traduzindo para o bom português, significa que a população precisou por si mesma arranjar maneiras informais e totalmente sem garantias de conseguir colocar comida na mesa. No Brasil, isto ocorreu enquanto uma árdua luta pelo auxílio emergencial de R$600 era travada no Congresso brasileiro, bem como pelo direito à quarentena que, uma vez não respeitada pelos empresários e pelo próprio governo brasileiro, incidiu diretamente no aumento do número de infecções e mortes de trabalhadores e trabalhadoras.

Enquanto isso, nas camadas mais altas da sociedade, vimos as fortunas dos milionários aumentarem drasticamente mesmo diante desse cenário avassalador. Segundo o relatório chamado de “Quem paga a conta?”, com dados coletados pela revista Forbes e divulgados pela Oxfam Internacional, lançado no mês de agosto, 42 bilionários brasileiros obtiveram um aumento em suas fortunas de R$34 milhões entre 18 de março e 12 de julho (período de isolamento social no Brasil). O relatório ainda afirma que, somente na América Latina, oito novos bilionários surgiram a cada duas semanas desde o início do isolamento.

Os vizinhos norte-americanos, não se encontram em situação tão diferente. Enquanto a população majoritária estadunidense lida com sua situação enquanto país com maior número de registros de casos diários de coronavírus e R$45 milhões de desempregados por COVID-19, maior taxa em 70 anos, a fortuna dos bilionários americanos cresceu R$700 bilhões somente durante a pandemia. Jeff Bezos, magnata da Amazon, viu sua fortuna aumentar em 58%. Mark Zuckerberg, fundador do Facebook e grande amigo de Trump, ficou 62% mais rico e Elon Musk quase triplicou seu patrimônio. Ainda segundo a ATF, o aumento da riqueza bilionária dos EUA durante a pandemia excede os déficits enfrentados pelos orçamentos públicos em quase 6 vezes, o que significa que o colapso do sistema de saúde de uma das consideradas maiores “democracias” do mundo poderia ter sido evitada, bem como em outros países.

A este ponto do texto, o leitor deste texto deve estar se perguntando? Mas o que isso tudo tem a ver com design? E a resposta é: tudo. O design, embora raramente observado deste ponto de vista, pode e deve levar em consideração o contexto ao seu redor para encontrar sua utilidade sem a necessidade de um cliente ou um mercado, colocando-se a serviço de uma idéia ao invés de uma marca, por exemplo. É é isso que o design ativista se propõe a ser, uma ferramenta facilitadora de grande ajuda na luta de classes. Um design a serviço dos interesses do povo.

Esse modelo de design, que coloca em pauta a política e a sociedade, é encontrado desde os primórdios do construtivismo russo e das vanguardas revolucionárias, passando pelo movimento punk e de contracultura e chegando aos dias de hoje em forma de ativismo nas redes sociais. Embora, idealmente, a organização política deva perpassar essa barreira e tomar as ruas, a internet pode muitas vezes facilitar a propagação de idéias e ser extremamente útil. Em situações como a do isolamento social em tempos de pandemia, em especial, as vezes a internet pode ser um veículo estratégico para que a disseminação de idéias não pare, e as pautas da população possam ser colocadas mesmo em situação de quarentena em que não se pode ir às ruas.

As problemáticas citadas acima foram alguns dos motivos para que grupos organizados e movimentos políticos surgissem ou mesmo tomassem proporção especial nas redes sociais (ou mesmo nas ruas, nos casos mais urgentes) durante a pandemia. Ao longo deste texto, abordaremos alguns destes grupos e movimentos.

As problemáticas citadas acima foram alguns dos motivos para que grupos organizados e movimentos políticos surgissem ou mesmo tomassem proporção especial nas redes sociais (ou mesmo nas ruas, nos casos mais urgentes) durante a pandemia. Ao longo deste texto, abordaremos alguns destes grupos e movimentos.

O Design Ativista Para Quem Não Aguenta Mais (@designativista) foi uma iniciativa promovida numa parceria entre a casa IdeaFixa, a rede de coletivos com foco na cena cultural Fora do Eixo e o projeto Mídia Ninja em meados de 2018. Com seu perfil consolidado nas redes sociais, o maior encontrão anual de design ativista do mundo e diversos projetos de ativismo nas costas, o Design Ativista é uma rede de designers que, insatisfeitos com a realidade extremamente mercadológica da publicidade e do design, tem essa proposta de fazer um design socialmente engajado em prol da agitação e propaganda de pautas políticas, dando visibilidade à essas causas através das redes sociais e recebendo posts feitos por designers do Brasil todo.

Durante a pandemia, muito do seu conteúdo foi dedicado à criticar as decisões tomadas pelo governo brasileiro com relação à questão da pandemia e denunciar o genocídio indígena, bem como apoiar e endossar a greve dos aplicativos e o movimento Black Lives Matter.

A greve dos aplicativos e a aula de agito e propaganda nas redes sociais

No Brasil, tivemos o exemplo da greve dos aplicativos, popularmente conhecida como movimento divulgado através da hashtag #BrequedosAPPs. O serviço de entrega por aplicativo (feito por empresas como iFood, Uber Eats, Rappi, dentre outras), por si só, já vem sendo apontado como um dos setores mais precarizados da atualidade desde que surgiu e começou a se popularizar, devido à falta de legislação que preveja sua atuação e especialmente devido à falta de direitos trabalhistas de que dispõe esses trabalhadores. Dentre as suas pautas estão o aumento do valor da entregas por km, o aumento do valor mínimo por entrega, o fim dos bloqueios indevidos, o fim do sistema de pontuação e a distribuição de EPI.

A pandemia, no entanto, se tornou um agravante e o estopim do movimento, que começou a se espalhar pelas redes sociais e brilhantemente utilizou estes meios para colocar suas pautas e conseguir o apoio das pessoas nas redes sociais. Através da criação de um conteúdo direcionado, com uma identidade amarela e preto fazendo referência à fitas de interdição, vocabulário coloquial e muitas vezes cheio de gíreas, bem como vídeos de entrevistas com os entregadores ou mesmo adaptando letras de funks e raps para a temática da greve.

Conteúdo postado pelo instagram @tretanotrampo

Além do material produzido pelas próprias páginas dos grupos organizados (em especial o perfil @tretanotrampo e os @entregadoresantifascistas), diversos designers e apoiadores passaram a organicamente divulgar o movimento, criando posts de apoio para as redes sociais. Deste modo, o movimento passou a não só divulgar suas greves através das redes sociais como se organizar através delas.

Links para alguns dos vídeos produzidos pelo movimento Breque dos APPs:

Corona Capitalismo e o Muro da Vergonha da pandemia

Outra iniciativa que surgiu durante a pandemia e instantanemamente viralizou foi o instagram Corona Capitalismo (tendo atualmente mais de 56 mil seguidores), dedicado à denunciar que não estavam respeitando a quarentena, não liberando seus funcionários, não oferecendo EPIs ou mesmo causando demissões em massa. A seção de posts de denúncia das empresas recebeu o nome de Muro da Vergonha. Além disso, a iniciativa também produz conteúdo informativo a respeito de questões como o auxílio emergencial e análises conjunturais sobre a pandemia e questões de gênero, raça e classe.

As mídias sociais são uma realidade presente e cada vez mais abrangente em nossa sociedade. Embora esteja ainda longe de atingir a população como um todo, é sim um espaço a ser disputado que não deve ser ignorado. Tanto pode, quanto deve ser um local para onde se leve o debate político, a reflexão e que seja usado, cada vez mais, a nossa favor e com as ferramentas de que dispomos. Esse tipo de iniciativa abre uma luz para nos mostrar que é sim possível usar o design a favor dos interesses reais da sociedade.

Referências:

https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/07/18/fortuna-dos-bilionarios-cresce-us-700-bilhoes-na-pandemia.htm?cmpid=copiaecola

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/pedidos-de-seguro-desemprego-chegam-ao-recorde-de-328-mi-nos-eua.shtml

https://brasil.elpais.com/economia/2020-05-08/desemprego-nos-eua-chega-a-147-o-mais-alto-em-70-anos.html

https://www.brasildefato.com.br/2020/08/10/quem-sao-as-pessoas-que-nao-tem-acesso-a-internet-no-brasil

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Gaby Gallo
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Graduate Student at Design Digital, UFPEL | UI/UX Designer Jr at POSSIBLE Brasil