Identidades de Marca em um futuro pós-pandêmico

Fábio Henrique
Design em Tempos de Pandemia
8 min readAug 30, 2020

Momentos históricos sempre foram muito decisivos dentro do desenvolvimento e criação em design e comunicação humana. A invenção da prensa gráfica de Gutemberg — equivalente a descoberta do fogo para a profissão, o avanço dos processos de impressão, a revolução tecno-digital e tantos outros foram marcos gigantescos e que revolucionaram a profissão e sua execução. Então, através desta ótica de transformação, a questão que fica é:

Como será o futuro dos designers e ilustradores especializados em marcas e identidades visuais perante a pandemia de Coronavírus?

Imagem por United Nations COVID-19 Response

Como um designer semi-iniciante e em processo de entendimento sobre o meu local no mercado, trago uma conclusão rápida: Não tenho esta resposta. Mas, justamente por não saber o que acontecerá a nós como criadores que imagino alguns cenários que já nos mostram indícios do nosso futuro profissional.

Mas, antes de abordar estes cenários, acho necessário trazer algumas recapitulações sobre o processo de entendimento de marcas e identidades visuais na comunicação visual humana.

A necessidade de representação de idéias através da criação de símbolos é algo presente na humanidade desde o momento de entendimento da existência do homem como ser pensante, das cavernas de nossos ancestrais a marcação de gado no limiar da transformação da humanidade em seres sedentários. Mas, a marca como processo de identificação de produtos, empresas e diferenciação em um mercado competitivo se torna algo perene ao processo de compra e consumo pós revolução industrial, quando a necessidade de identificar os produtos num mundo de globalização e industrialização embrionária é algo de extrema relevância. A partir daí, diversos momentos históricos moldaram a forma como nos relacionamos e como desenvolvemos marcas e identidades visuais.

Por mais importantes que estas discussões e momentos sejam à história do design, sua localização longínqua demais na linha do tempo puxam meu pensamento para uma realidade mais próxima e que pode ter maior influência na atualidade: Os “designs fragmentados e cheios de camadas complexas possibilitados pelo computador” que são frutos da inserção do digital na profissão e das novas direções que o processo de criação o design vieram a ter, como dito por Rick Poynor em seu livro Abaixo as Regras: Design Gráfico e Pós Modernismo.

O consumo da criação e do design pós moderno, nesse meio digital novo e experimental, traz a tona a personalidade criativa e humana do designer para além do modernismo e se inicia o processo de individualização da criação humano-máquina, que tem respingos no que vemos até hoje nas visualidades contemporâneas.

E então, após todos essas experimentações e bagunças visuais, damos um salto temporal e chegamos na contemporaneidade, onde as tecnologias já não nos são algo novo e que, com um piscar de olhos, precisamos ressignificar nossas formas de existência e produção dentro deste mundo hiper-tecnológico e, mais contemporaneamente ainda, mergulhado numa pandemia sem prazos certos de finalização.

Debbie Millman, eu uma palestra do TedTalk chamada “Como símbolos e marcas moldam nossa humanidade” nos apresenta um entendimento bacana sobre o processo em que as marcas passaram até hoje e, em sua palestra em dezembro de 2019, nos mostrou que voltamos à nossa ancestralidade no consumo de marcas.

Em inicial, a construção de símbolos, feitos de pessoas para pessoas, uniam indivíduos e grupos que compartilhavam de entendimento consensual sobre significados. Aspecto que se altera na globalização. Símbolos e marcas começam a ser criados, executados, controlados e divulgados por corporações para pessoas, fugindo da lógica de construção compartilhada de significados e se deslocando para a construção de lucro. Mais pra frente em sua palestra, Debbie ainda nos elucida a retomada dos símbolos criados de pessoas para pessoas, citando o caso de diferentes movimentos sociais que fazem uso de simbologias compartilhadas como forma de iconizar o ativismo.

Sua palestra é bem esclarecedora para pensarmos o processo de transição que a criação de marcas e símbolos e seu consumo passaram em tempos recentes.

Concomitante a isso, trago outra citação de Rick Poynor em que, ao discutir a relação entre design e autoria, diz que:

“Se as velhas regras do ofício disciplinar já não se aplicam, isso significa que o campo da autoria gráfica está teoricamente aberto para qualquer um que seja capaz de criar um “trabalho” integrando as dimensões verbais e visual”.

A discussão aqui apresentada não se enquadra no campo do design de autor e da criação autoral, mas é importante ter a noção dessa abertura e liberdade que o trabalho ganhou e que ganha cada vez mais voz na criação atual de marcas e identidades visuais por qualquer um com acesso a ferramentas online de criação e com um Instagram na palma da mão.

Opções num futuro não tão distante

Neste momento, trago 3 tópicos que acredito moldarão a atualidade e o futuro dentro do mundo da Identidade Visual e das marcas e que ouso dizer, vão se fortalecer e se tornar marcos dentro desta produção num mundo pós-pandêmico. Cada um desses pontos faz referência a alguma das características citadas acima: Avanço Tecnológico, Humanização ou Criação desatrelada ao campo do design.

Crédito: Art. Lebedev Studio

Avanço Tecnológico:

O design em si não trabalha com criações novas.

A fonte de ouro em invenções vanguardistas do modernismo e de diversos movimentos artísticos desse período já não jorram mais com tanta facilidade na contemporaneidade o que, por bem ou por mal, faz com que as criações sejam sempre ressignificações e recriações dentro de idéias já existentes. Mas e se o fator humano da criação fosse excluído e às criações de marca fossem feitas de forma inovadora e sem referencial já existente? Essa é uma das propostas do estúdio russo Art. Lebedev que criou Nikolai Ironov, uma inteligência artificial capaz de criar projetos complexos de identidades de forma pioneira, sem referencial de experiências pré-existentes.

Crédito: Art. Lebedev Studio

Como dito pelo próprio estúdio:

“Este importante passo histórico é um reflexo da mudança em direção à automação comercial de processos criativos”.

O papel do designer de marca então, num futuro pós-pandêmico e hiper tecnológico, foge do processo criativo e de execução de marcas e identidades, para ser o projetista e criador dos sistemas de inteligência que executem então o papel como “mente” criativa. E a resposta de mercado em relação a este tipo de produção não foi um problema na criação e aplicação das marcas criadas por I.A. como mostrado pelos projetos de Nikolai, que tiveram ampla aceitação e absorção de mercado (mesmo que só tenha sido revelado a “mente” criativa dos projetos um ano após sua execução).

Capturas de tela numa rápida pesquisa pelo Instagram

Humanização:

Quando ingressamos dentro dos diversos livros e estudos sobre as identidades visuais e marcas de sucesso, nos deparamos com metodologias, práticas e processos que são complexos, extensos e de muitas miudezas e detalhes. Mas agora inseridos no contexto pandêmico, podemos ver uma nova formatação de identidades visuais que fogem dos regramentos que tínhamos dentro do que é dito um “projeto de sucesso”.

Marcas de lojas, pessoas, produtos e uma infinidade de outros temas começaram a ser produzidas por e para pessoas, retirando o papel como criador do designer, sendo ele substituído pela criação autoral de projetistas amadores, assim como projetos complexos da criação de sistemas de identidade são substituídos por marcas que funcionam em apenas algumas plataformas digitais — como o Instagram.

Numa rápida busca por “Covid” junto com “arte/design” é possível se deparar com rios de marcas criadas por e para este período e que não fazem uso das complexidades de um projeto em design. E é justamente essa fuga da execução milimetricamente planejada que dá respaldo à humanização de todas essas marcas.

Mesmo que esta criação autoral e amadora tenha a sustentabilidade de sua existência como um problema, como dito por Chermayeff & Geismar, “As marcas, por definição, devem durar muito além da moda do momento” elas podem nos mostrar um caminho futuro em relação aos suportes e processos dentro da criação.

Os diversos pontos de contato de um projeto e seus suportes, como os citados por Alina Wheeler em “Design de Identidade de Marca” podem ser resumidos há uma existência unicamente digital em um única rede social, em que suportes externos a essa realidade digital já não se mostram mais úteis como locais de existência de uma marca.

Crédito: Ben Kolde

Expansão do papel do designer:

Já este último ponto não é algo novo e nem inovador dentro do âmbito da criação em identidades visuais mas vale a pena ser citado como um ponto que se intensifica a cada projeto novo lançado ao mercado de consumo: A expansão do papel do design para além da criação visual.

Teóricos de branding já vem há tempos batendo nesta tecla e, com o avanço tecnológico e a humanização já citados, é um futuro bem claro ao design de identidades, que agora exigem uma especificação e individualização cada vez maiores, mesclando então a construção visual com a construção sonora, tátil, experiência de usuário, criação de sistemas e metodologias únicas junto da personalização da marca para além de si, que ofereça individualizações da forma como é percebida e consumida por seu público.

A criação e o papel do designer então se retém muito mais a forma que todos esses características vão vir a ser mescladas. Agora como pensador de processos e não projetista, afinal, num mundo onde qualquer momento sua existência pode ser sobreposta por a de um robô, a multidisciplinaridade se torna regra para diferenciação como humano.

Por fim, das revoluções industriais a inserção do mundo digital dentro do processo de criação, as identidades visuais e marcas foram agregando saberes de tantas outras áreas de conhecimento, que perpassam o marketing, psicologia, antropologia e tantos outros aprendizados que tornaram o processo de comunicação e uso destes símbolos algo para além do consumo. E as oportunidades de produção são múltiplas.

Mas há fatores que não podemos negar para este futuro imprevisível e hiper tecnológico: A forma e a construção visual já não são e, cada vez mais, vão perder seu papel como atividade do designer, sendo substituídos pela produção de sistemas mais complexos de marcas que consigam dar conta da crianção de experiências individualizadas e humanizadas em seu público com aparatos do design digital, das inteligências artificiais e da tecnologia.

Se você leu até aqui os pensamentos de um designer semi-iniciante muito obrigado. E listo à vocês alguns textos bacanas sobre este assunto, começando pelo livro Abaixo as Regras: Design Gráfico e Pós Modernismo de Rick Poynor, a já citada palestra de Debbie Millman no TedTalk e um pequeno texto de Fernando Fernandes sobre Design Multidisciplinar

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