Precisamos falar sobre educação midiática

Gabriela Saraiva
Design em Tempos de Pandemia
5 min readSep 7, 2020

Até onde vão os limites da liberdade de expressão? Onde eles atingem a fake news?

@gabispirees on Instagram

“É como se a era da razão, a era dos argumentos evidenciados, esteja acabando. E agora, o conhecimento está cada vez mais deslegitimado e o consenso científico pode ser descartado. Democracia, que depende do compartilhamento da verdade, está em retirada. Autocracia, que depende do compartilhamento de mentiras, está em ascensão.”

“It’s as if the age of reason, the era of evidential argument is ending. And now knowledge is increasingly delegitimized and scientific consensus is dismissed. Democracy, which depends on shared truths is in retreat autocracy, which depends on shared lies, is on the march.”

Sacha Baron Colen

O fenômeno das notícias falsas acompanha a história da mídia há muitos anos, mas é a partir da popularização dos sites de redes sociais que essa discussão se amplifica e toma formas inacreditáveis. As notícias norteiam o pensamento e opinião das pessoas e quando elas não são verídicas, abrem possibilidade para que algum ponto se favoreça, mesmo que em essência, ponto e receptor da mensagem sejam incompatíveis.

Mentiras se espalham mais rápido que verdades

“Aqueles que podem fazer você acreditar em absurdos podem fazer você cometer atrocidades.”

“Ceux qui peuvent vous faire croire en des absurdités pourront vous faire commettre des atrocités.”

Voltaire

Em 2018, Soroush Vosoughi, Deb Roy e Sinan Aral lideraram um estudo sobre a difusão das notícias falsas em relação às verdadeiras, dentro dos sites de redes sociais, especificamente no Twitter. O estudo analisou um cenário onde 126.000 tweets foram compartilhados por 3 milhões de pessoas mais de 4.5 milhões de vezes. Como resultado, descobriram que notícias falsas apresentam 70% mais chance de serem retweetadas, em comparação às verdadeiras. Sendo difundidas, em sua imensa maioria, por usuários comuns e não por bots automatizados, como algumas pessoas imaginavam, apesar de indicarem uma estimativa de 48 milhões de bots disparando conteúdo falso dentro da plataforma. Além disso, é importante ressaltar que muitas vezes o compartilhamento das notícias mesmo dentro de um cenário de correção de inverdades, aumenta a probabilidade de que alguém entre em contato com a notícia e adote-a como verdade. Adotemos, então um lema muito difundido dentre os usuários do Twitter:

@leobergamini on Twitter

Liberdade de Expressão

Art. 5º. IV — é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; […] V — é livre a expressão da atividade intelectual, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Constituição Federal Brasileira

Sacha Baron Colen, convidado para palestrar no Prêmio Internacional de Liderança da Anti-Defamation League, reflete sobre a falta de ação dos responsáveis pelas grandes plataformas online de difusão de conteúdo como Twitter, YouTube, Google e Facebook, frente ao compartilhamento de notícias falsas.

Não é sobre limitar a liberdade de expressão de ninguém, é sobre dar para as pessoas, inclusive algumas das mais repreensíveis pessoas na terra, a maior plataforma da história para alcançar um terço do planeta. Liberdade de expressão não é liberdade de alcance!

It’s not about limiting anyone’s free speech, this is about giving people, including some of the most reprehensible people on earth, the biggest platform in history to reach a third of the planet. Freedom of speech is not freedom of reach!

Sacha Baron Colen

Mesmo levando em consideração o direito à livre manifestação de pensamento, assegurado pela constituição federal, Sacha fala sobre a diferença de liberdade de expressão vs liberdade de alcance, e como essas plataformas amplificam e distribuem esse tipo de conteúdo pois gera maior engajamento, mantendo o usuário dentro da plataforma por mais tempo.

A problematização começa, quando os propagadores de mensagens falsas e os responsáveis pelos sites de redes sociais utilizam a carta da liberdade de expressão como justificativa de criação e propagação de notícias falsas, e no outro lado da tela, sem nenhuma filtragem desses conteúdos, o receptor vê dificuldade em distinguir as duas coisas. Para solucionar esse problema, precisamos falar sobre educação midiática.

Educação Midiática

“Eu apenas não consigo aceitar que, em toda história, existem dois lados igualmente lógicos para cada argumento.”

“I simply cannot accept that there are, on every story, two equal and logical sides to an argument.”

Edward R. Murrow

A educação midiática abrange um grupo de capacidades que um indivíduo deve possuir para que, ao adentrar um ambiente informacional, tenha capacitação para agir, absorver e produzir conteúdos de forma crítica, buscando sempre fontes confiáveis para afirmar os conteúdos com os quais tem contato e insere em suas plataformas.

“Consideramos essencial a promoção da educação midiática e informacional diante da desinformação que vemos no ambiente da web. A informação real e de qualidade é um direito dos cidadãos e um pressuposto para uma sociedade democrática”.

Marlova Noleto, Diretora e Representante da UNESCO no Brasil.

Em uma era onde os acontecimentos mais importantes da humanidade são decididos com base em informações propagadas em plataformas digitais, é urgente a inserção de pautas como a educação midiática no currículo do ensino básico. Se não conseguimos apoio das grandes corporações que dominam o espaço digital, precisamos, ao menos, atender os usuários com informação suficiente para que cada tenha capacidade para distinguir uma notícia verídica de um boato mal intencionado.

Por fim, convido o leitor que me acompanhou até aqui a imaginar um futuro, onde as próximas gerações tiveram contato com a alfabetização midiática e, novamente a vida humana é ameaçada por uma pandemia viral. Se cada indivíduo possuir a capacidade de distinguir os boatos conspiracionais, da verdade cientificamente embasada, 26.961.795 casos seria um número a se repetir? Ou será que milhões de pessoas poderiam ser poupadas do contato com a doença apenas por terem adquirido a capacidade de filtragem e seleção de informação? Ou ainda, representantes nacionais que difundem notícias falsas e instigam a sociedade a adotar práticas insalubres em meio a um cenário de crise, estariam em frente a essas nações?

Precisamos falar sobre educação midiática!

Referências:

https://www.youtube.com/watch?v=ymaWq5yZIYM&ab_channel=Anti-DefamationLeague

https://www.nbcnews.com/health/health-news/fake-news-lies-spread-faster-social-media-truth-does-n854896

https://science.sciencemag.org/content/359/6380/1146/tab-pdf

https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8017/A-abordagem-constitucional-da-liberdade-de-expressao

https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_15.12.2016/art_5_.asp

http://ufrr.br/direito/index.php?option=com_phocadownload&view=category&download=447:a-tenue-fronteira-entre-a-tipificacao-das-fake-news-e-o-cerceamento-a-liberdade-de-expressao-boa-autor-lincoln-dias-veras-lima-orientador-prof-dr-isaias-montanari-junior&id=88:2018-2&Itemid=314

https://nuso.org/articulo/fake-news-uma-oportunidade-para-alfabetizacao-midiatica/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Educa%C3%A7%C3%A3o_midi%C3%A1tica#:~:text=Educa%C3%A7%C3%A3o%20Midi%C3%A1tica%20%C3%A9%20o%20conjunto,um%20desafio%20ao%20senso%20cr%C3%ADtico.

http://www.unesco.org/new/pt/rio-20/single-view/news/palavra_aberta_and_unesco_in_brasil_announce_partnership_for/

https://www.google.com/search?q=mortos+covid+mundo&oq=mortos+&aqs=chrome.3.69i57j0l7.4908j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8

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Gabriela Saraiva
Design em Tempos de Pandemia

Comunicadora Visual (com um pézinho em redação) | Estudante de Design Gráfico na UFPel