Qual a importância do Game Design para o bem-estar na Pandemia?

Com a chegada da Pandemia, exigiram-se medidas de controle, sobretudo o isolamento social, visando desacelerar a dispersão do novo coronavírus. Nesse cenário, a imposta quarentena intensificou o estresse, as inseguranças e a solidão.

Atingindo diretamente a noção de pertencimento dentro da sociedade, a ausência de suporte social e psicológico no atual contexto pode resultar em baixa autoestima e em consequências nocivas à saúde mental, como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e a ansiedade. (USHER, BHULLAR, JACKSON 2020).

Capa do jogo Celeste (2018)

Recentes estudos indicam que os jogos possam ser uma alternativa para a redução dos níveis de ansiedade e para o alívio de estresse quando proporcionam aos jogadores sentimentos de validação e boas relações com a comunidade . (PRZYBYLSKI, 2020)

Identifica-se, portanto, que os games possuem um papel importante na cooperação efetiva entre bem-estar e adaptação da nova rotina, fornecendo uma forma segura de reunião com a família e com amigos, conforme Mat Piscatella, diretor executivo de jogos do grupo NPD, afirmou. Os benefícios surgem a partir da boa utilização dos elementos visuais, que estabelece diálogo entre jogos e usuários, desenvolvendo interação.

Como nós, game designers, podemos utilizar nossas ferramentas e bagagem teórica para melhorar a qualidade da experiência e fornecer apoio em tempos de crise?

Influência sobre a saúde mental

A pandemia põe em risco o bem-estar psicológico das pessoas, expondo-as a situações que podem fragilizá-las, aumentando o riscos de transtornos psiquiátricos. Recluso em sua casa, o indivíduo, mesmo contribuindo com as medidas de proteção, se sente inativo e incapaz, pois, teve a sua autonomia limitada.

Além disso, o cidadão é prejudicado na esfera econômica: a fonte de renda de diversas famílias sofreu de instabilidades, podendo ter interrupções ou resultar no desemprego.

Também ameaçados, os momentos de interação social com amigos e com parentes — antes diários e prolongados — tornaram-se poucas oportunidades dentro do ambiente familiar e de trabalho, provocando insatisfação, desmotivação e tédio crescentes.

Dentro desse cenário, como os jogos auxiliam no bem-estar?

De acordo com um estudo analítico do grupo de pesquisas da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU), sobre o impacto dos jogos virtuais durante o desenvolvimento e amadurecimento emocional adolescente, revela que os indivíduos que jogam entre a faixa etária de 10 e 12 anos desenvolveram, em um intervalo de dois anos, menos sintomas de ansiedade e de depressão em comparação com os que não tiveram esse contato. Esta pesquisa cria relação entre o aspecto social dos jogos virtuais e seus possíveis benefícios na saúde.

Celeste (2018)

“Celeste”, do estúdio Matt Makes Games, é um grande exemplo de como os games evocam diferentes perspectivas e soluções frente a dificuldades. O jogo desenvolve uma metáfora entre a escalada de uma montanha e o confronto com ansiedade e medo. Dentro desse universo, jogador deve seguir em frente nas fases de plataforma , utilizando mecânicas simples, como saltos normais, saltos duplos e escalada.

A partir dessas ações em jogo, os desenvolvedores estabeleceram um ambiente de pressão, que cresce a cada etapa concluída, causando em quem está do outro lado da tela a sensação de ansiedade da qual a protagonista sofre, e, dessa forma, alinham-se os objetivos. O trajeto é árduo e repetitivo, pois dificilmente um obstáculo será ultrapassado na primeira tentativa. Acostumando-se com o tempo, o jogador aprende que, embora os desafios aparentem ser difíceis, precisa confiar na própria capacidade para alcançá-los.

“Você está fazendo um jogo sobre ansiedade e depressão, sentimos que precisávamos mostrar a mesma bondade com o jogador que queremos mostrar a nós mesmos.”

“you’re making a game about anxiety and depression, it felt like to us that we needed to show the same kindness to the player that we want to show ourselves.”

Maddy thorshon, diretor de “Celeste”.

Portanto, o jogo revela uma trama trabalhosa, ao mesmo tempo, gentil, provocando sentimentos negativos, como raiva, impaciência e frustração, contrabalançados com a sensação de recompensa, de capacidade e de realização, conforme segue o desenvolvimento da história e do domínio das mecânicas, aumentando a autoestima do jogador e contribuindo com novas perspectivas.

Mecânicas simples, quando bem alinhadas com a narrativa, são capazes de potencializar a emoção e a imersão do indivíduo, contribuindo para sua experiência, a partir da repetição.

Novas Conexões

Diferente das outras formas de entretenimento, como filmes e séries cujas histórias são induzidas ao espectador, os jogos dependem exclusivamente das ações do jogador em sua narrativa fazendo com que os resultados sejam um “leque” de possibilidades, dentre elas, estabelecer conexões.

Já existentes antes da Pandemia, os relacionamentos entre jogadores, diferentemente das relações físicas, não foram prejudicados, pois não necessitam de encontros presenciais, ganhando um maior destaque na vida social de quem usufrui dessa plataforma.

journey (2012)

Como um dos jogos que se pode observar o potencial desses relacionamentos “Journey”, da Thatgamecompany, possui como meta a criação de conexões genuinamente positivas entre as pessoas, sendo um dos diferenciais a comunicação puramente em canal não verbal, sem diálogos textuais.

O jogo do gênero indie convida aqueles que desejam se encantar a realizar uma jornada até o topo do monte. Visando a construção de um ambiente de interação os desenvolvedores, utilizaram-se dos seguintes recursos de acordo com o sistema para oferecer experiências íntimas de conexão emocional:

  • Mecânica: Os meios utilizados para movimentação e comunicação são simples e resumidos a 6 teclas. Os players são sujeitos à um sistema de exploração com poucos quebra cabeças e para ajudar seu companheiro nos desafios deve comunicar-se através do canto do seu personagem.

O canto possui várias tonalidades dependendo do tempo pressionado na tecla e sua interpretação é subjetiva e simbólica. O objetivo é não permitir a quem esteja jogando investir suas frustrações em outras pessoas, através de xingamentos como o acontece em outros games. Simultaneamente conforta aqueles que não desejam utilizar de canais de voz ou chat. A comunicação não verbal torna acessível e desperta interesse, protegendo o indivíduo de experienciar memórias negativas.

  • Dinâmica: o jogo apresenta duas possibilidades de conclusão, sozinho ou com outros jogadores e foi feito para ser completo em ambas as opções. A apresentação de outros jogadores é sútil, sem a presença de apelidos e de qualquer informação a respeito, acontece espontaneamente e sem certeza ao longo do trajeto sendo possível nunca acontecer dependendo a sorte. A vontade humana de se ajudar surge mesmo com a ausência de nenhum conhecimento pois o trabalho em equipe facilita a realização de desafios.
  • Estética: A arte visual do jogo segue o estilo minimalista baseado em jardins de pedra japoneses. O encanto gerado pela beleza do cenário, engrandecimento da percepção do mundo virtual, amplificando o sentimento de solidão e insignificância da existência. A ausência de excesso de elementos facilita a procura e identificação de outro jogador na paisagem e os sentimentos evocados intensificam a sensação de felicidade no simples ato de encontrar outra pessoa em um deserto.

“ As pessoas podem se amar através dessa interface mediada. Elas conseguem se sentir conectadas. O mundo não precisa ser sobre morrer e matar. Vocês atualmente podem amar um ao outro.”

“People can love one another through this mediated interface. They can feel connected. The world doesn’t have to be about dying and killing. You can actually love one another.”

Robin Hunicke, Produtora do jogo Journeyalguém.

“Journey” usa elementos visuais e mecânicas comuns de todos os jogos para promover contribuir na premissa de interação e com sucesso promove experiências positivas e únicas a cada sessão. O seu objetivo é unicamente fornecer um meio de bem-estar e relaxamento onde que pessoas podem interagir sem preocupação usufruindo positivamente em cada momento do jogo.

Conclusão

Os jogos atualmente possuem formas de criarem ambientes totalmente voltados para experiências positivas e agradáveis sem apelar para padrões como constante ação, violência e altos graus de dificuldade. As possibilidades de criação, assim como ferramentas e recursos a serem utilizados são ilimitados.

O papel do game designer durante a quarentena é analisar e fornecer, ao público isolado, jogos memoráveis que contribuam para suas necessidades sociais e de entretenimento, que estimulem bons hábitos e forneçam novas perspectivas para o futuro e o presente.

O público se encontra em uma situação delicada de carência, de baixa-autoestima e de medo, os jogos necessariamente não devem buscar substituir a realidade mas sim favorecer novas possibilidades de conexão tão profundas quanto as anteriores e melhorarem assim o bem-estar e a saúde de seus jogadores.

Referências

USHER, Kim, BHULLAR, Navjot, JACKSON, Debra “Life in the pandemic: Social isolation and mental health” (abril de 2020). Disponível em: <Life in the pandemic: Social isolation and mental health — Usher — 2020 — Journal of Clinical Nursing — Wiley Online Library>

PRZYBYLSKI, Andy , “Video game play is positively correlated with well-being” (novembro 2020). Disponível em <Gaming may not be as bad as you think — Oxford research | University of Oxford>

TechExplore. “Video games breakout to record-setting levels as a perfect stay-at-home pastime amid coronavirus pandemic”. Disponível em: <Video games breakout to record-setting levels as a perfect stay-at-home pastime amid coronavirus pandemic >

Norwegian University of Science and Technology. “Internet gaming youth not more prone to psychiatric disorders- Some passionate gamers may even be less anxious than their non-gaming peers”(outrubro 2020). Disponível em: <Internet gaming youth not more prone to psychiatric disorders: Some passionate gamers may even be less anxious than their non-gaming peers — ScienceDaily>

HUNICKE, Robin , LEBLANC, Marc , ZUBEK, Robert , “MDA: A Formal Approach to Game Design and Game Research” (dezembro, 2003)

PRZYBYLSKI, Andrew K., RIGBY, C. Scott, RYAN, Richard M.,“A Motivational Model of Video Game Engagement”

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Ana Letícia Borscheid Kuga
Design em Tempos de Pandemia

Estudante de Design Gráfico na UFPEL e Marketing Digital na UNINTER