Reflexões sobre como designers-ilustradores usam da emoção para o processo criativo

O que está acontecendo nessa pandemia?

Raphael Gonçalves
Design em Tempos de Pandemia
8 min readSep 1, 2020

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Com o surgimento de uma pandemia, onde não se tem uma previsão exata de quanto tempo irá durar, qualquer plano, projeto ou até mesmo sonho se torna incerto. Pouco mais de 5 meses é o tempo no qual nos encontramos neste limbo e, mesmo assim, não podemos afirmar quanto mais tempo ficaremos nesta situação. Com isso, surgiu uma dúvida voltada à concretização do estudo e da criatividade: mesmo estando em um período de privações, de mortes, de explosão de sentimentos, como os ilustradores estão canalizando esses sentidos e aplicando em suas obras? Este texto busca reconhecer situações nos quais ilustradores se encontram, além de traçar estratégias, para podermos quebrar o bloqueio criativo.

Imagem 1: Autor desconhecido

A justificativa pelo interesse nesta área se dá, uma vez que o autor que lhes escreve, não é o melhor ilustrador do mundo — apesar do grande esforço para tal tarefa! E com as aulas em formato remoto, percebeu que algumas das tarefas careciam de grafismos, para assim completar um raciocínio ou opinião. E voilà (“aí está, em francês”), bateu o bloqueio criativo! Não sabia muitas vezes combinar o que a cabeça pensava, junto à uma ideia gráfica e assim executá-la. O número de mortes no mundo externo e a necessidade de higienizar os alimentos antes de consumi-los era (e de certa forma, ainda é) algo que consome muito o raciocínio deste futuro designer e que, em muitos momentos, tem dificuldades de se “desligar” dessas preocupações. Então, esse era o momento no qual a visita à cozinha se fez necessária, a fim de procurar algo para comer, e posteriormente, assistir algo sobre processos criativos na Netflix e então voltar a criar estratégias e esboços. Nisso, muitas vezes surgia o sentimento de insegurança com os resultados e a incerteza de suas potencialidades. E essa incerteza só se esvaiu (quando aconteceu) com feedbacks espontâneos, no qual não esperava observações pontuais sobre o que foi realizado.

Criança negra apontando para a apresentadora , Maju Coutinho, na televisão, com mesma pose, roupa e penteado de cabelo.
Imagem 2: Ilustração desenvolvida por Raphael Rosário, para a disciplina de Tópicos em Design II — 2020/1

Com isso, é perceptível que o autor teve dificuldade no processo, tanto na projeção quanto à segurança no resultado final. Mas será que todo designer passa por mesmo? É o que saberemos o seguir!

Refletindo o significado da palavra emoção

De acordo com o site Dicio — Dicionário Online de Português (2019), a definição da palavra emoção se dá por:

Reação moral, psíquica ou física, geralmente causada por uma confusão de sentimentos que, diante de algum fato, situação, notícia etc., faz com que o corpo se comporte ter em conta essa reação, expressando alterações respiratórias, circulatórias; comoção.

De acordo com estudos de Christov (2012), a palavra emoção já se encontrou documentada no século XVI, e então foi designada como "agitação popular, desordem"; já no século XVIII, foi usada como "agitação da mente ou do espírito". Nisso, a aplicação da palavra sofre uma mudança de contextualização, saído do social e partindo para o pessoal.

Christov (2012, p. 35) ainda diz que "[...] Aristóteles (384 a.C — 322 a.C.) admite o que ele chama de afecção da alma acompanhada pelo prazer ou pela dor. São associados a valores que cada afeição tem para a vida de cada um [...]" ; e quando se refere à afecção, pode-se ler emoções!

Imagem 3: Cena do filme “Divertida Mente (2015)” —Pixar Animation Studios

Aristóteles ainda diz que o emocional está ligado ao cognitivo (CHRISTOV, 2012); a relação direta do corpo com os sentimentos se dá, uma vez que, a pessoa em questão precisa sentir o efeito dos sentimentos.

Segundo RABELLO (2014):

Um campo da ciência que depende da estrutura básica do processo cognitivo, e também é muito importante na Neurociência, é o estudo da linguagem. Se conceitos são a expressão da forma, essa expressão é feita com o uso da linguagem. Portanto, a natureza da linguagem, ou pelo menos de alguns tipos de linguagem (especificamente, mas não necessariamente apenas, a linguagem humana) deve estar intimamente relacionada com a capacidade de extrair a forma das coisas e gerar conceitos. (RABELLO, 2004, p. 38)

Isso tudo pra poder dizer que sim, ilustradores podem (reforçando, não é nenhuma regra) usar de suas emoções/sentimentos para projetar de alguma forma na concepção de seus trabalhos!

Entendendo os processos de ilustradores

Com o intuito de conhecer um pouco dos processos de ilustradores e enriquecer com emoções reais, foram realizadas duas entrevistas (online), com alunos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ambos do curso de Design Gráfico: Amanda Paccanaro (@amandapaccanaro) e Felipe Muller (@artfsmuller)!

- Como o isolamento social afetou a sua rotina de trabalho?

(Amanda) Com o isolamento, veio o home office, que flexibilizou bastante o horário de trabalho. Isso não foi algo bom, porque parece que eu só vivo pra trabalhar: acordo vou trabalhar, almoço e vou trabalhar, janto e vou trabalhar, até ir dormir e repetir o ciclo. Antes do isolamento, intercalava o trabalho com as aulas e a maioria do meu tempo de lazer era fora de casa, então tem sido difícil balancear um tempo de trabalho com o de lazer.

(Felipe) No meu caso prejudicou bastante, costumo a otimizar bem o meu tempo quando estou na minha rotina diária, sair de casa, assistir aula etc. Sem isso, comecei a ter muitos problemas pra me organizar, até fiz cronogramas, mas não consegui seguir os mesmos. Não consigo ter muitas motivações durante o isolamento social e acabo demorando muito mais para fazer coisas simples.

- O grafismo de seu trabalho sofreu modificações por causa do seu emocional? Se sim, é possível falar um pouco sobre?

(Amanda) Acho que sim, eu comecei a desenhar bem menos com os materiais “físicos”, (lápis papel e aquarela — técnica que eu mais dominava) e passar a utilizar mais os meios digitais. Além disso, sinto que transicionei de um estilo mais realistas para mais cartoon, é mais simples, mais rápido de se fazer e mais efêmero, talvez o ideal para esses tempos.

(Felipe) Nos primeiros meses quando nada estava decidido sobre as práticas EAD, eu aproveitei para estudar algumas técnicas de desenho e pintura, o que acredito que tenha alterado um pouco o meu trabalho, mas não sei se posso colocar a causa dessa mudança como emocional.

Imagem 4: “Who are you? (2020)”, autorretrato por Amanda Paccanaro (@amandapaccanaro)

- Como você tem aplicado os seus sentimentos, levando em consideração o cenário político, dentro de seus trabalhos?

(Amanda) Os focos das minhas ilustrações desde o ano passado são movimentos sociais e políticos. durante o isolamento não foi diferente, insisti mais ainda em estudar e aplicar a minha subjetividade do contexto social nas ilustrações. Os sentimentos que envolvem mais minha vida pessoal, tento passar através de auto retratos, durante o isolamento fiz uns 4 e cada um deles tem um estilo diferente!

(Felipe) Procuro sempre trabalhar com as coisas que eu gosto e que me representam, ajuda muito a aliviar a pressão. Cheguei a criar projetos pessoais que não abordavam diretamente as questões políticas atuais, mas em pequeno detalhes eu me expressava a cerca do que estava acontecendo. Todo processo é bem intuitivo, e às vezes carregam referências daquilo que estamos vivendo no momento também…

- Qual dica poderia dar para ajudar a quebrar o bloqueio criativo nesse período?

(Amanda) Acho que a saúde mental é o que mais interfere na criação, é bom manter ela bem. Então seguir alguns hábitos saudáveis como boa alimentação e tempo de descanso e lazer talvez ajude. é difícil criar quando estamos esgotados.

(Felipe) Buscar referências sempre ajuda bastante, horas no Pinterest, Behance, ArtStation etc. Caso seja um projeto pessoal sem tanta interferência de terceiros, é sempre bom tentar fazer aquilo que gostamos pois, é muito mais fácil ser criativo quando dominamos e temos afeição pelo assunto.

Ilustração contém personagem negro, cabelos verdes, ornamentos douras e olhos fechados
Imagem 5: “Huali, a Arma do Vidário (2020)”, ilustração digital por Felipe Muller (@artfsmuller)

- Aponte um de seus materiais que foi criado dentro do período da pandemia e o que ele difere dos outros.

(Amanda) Os autos retratos! Dois deles em que eu me dediquei mais, conseguem revelar bastante coisa de mim mesmo, coisa que não costumo fazer. inclusive, se comparados, dá para perceber mudanças que eu tive durante o isolamento, já que são feitos em datas diferentes.

(Felipe) Há cerca de um mês e meio comecei a produzir um grande projeto de Design de Personagens, acho que a única diferença dos outros trabalhos é que ele é um projeto bem grande. Devido a pandemia e ao bloqueio criativo, acabei me dando o “direito” de trabalhar em um projeto só meu, sem cobranças exteriores que acabou fluindo muito bem e todo dia eu produzia um pouco, também acho que isso chegou a me motivar a fazer outros trabalhos mais “importantes”, talvez por mostrar que consigo produzir durante o isolamento e me divertir com isso.

E como ficam os próximos capítulos?

É necessário reforçar que o estudo seria mais eficiente com amostra tanto qualitativa, quanto quantitativa, para assim se ter real noção da realidade da maioria dos designers ilustradores. O recorte para se escolher os ilustradores entrevistados, como estamos falando de emoções, sentimentos e afeto, foi dado por serem ambos designer-ilustradores-artistas-lindos e grandes amigo; deixo aqui o meu muito obrigado por aceitarem tal convite (em tempo de pandemia e fim de semestre!).

Contudo, precisamos nos entender antes de refletir sobre os processos aos quais podemos estar passando. É normal ter bloqueios, mudanças ou até mesmo o surgimento de uma nova estética. O importante é que o ilustrador esteja bem consigo mesmo e com as coisas ao seu redor (se no fim das contas não estiver, também está tudo bem!)! É uma matemática simples: ilustrador + sentimentos = obra de arte. E neste ponto, não devemos pensar em um senso estético especificamente, ou movimento artístico, ou traçado, para dizer se é bonito ou feio; vale se veio do coração (quase uma frase de efeito, de uma senhora de 75 anos). Quem sabe daqui a alguns anos, se estudarmos este período pelo qual estamos passando, podemos traçar evidências estéticas e o como o ato de ilustrar e suas significações se mudaram? :)

E fica como dever de casa: não seja tão duro consigo mesmo! Se descubra, se permita, experimente e as coisas fluirão naturalmente!

E de onde saiu o embasamento científico disso tudo?

CHRISTOV, Luiza Helena da Silva. Emoção, percepção e criatividade: a contribuição da psicologia para Artes e ensino de Artes — Unesp/Redefor — 2a Edição 2011/2012 — especialização em Artes

RABELLO, Guilherme Malzoni da Motta. Aristóteles para Neurociência: Proposta de um modelo conceitual para o estudo da cognição. 2014. 128 f. Tese (Doutorado em Ciências) — Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, 2014.

Dicio — Dicionário Online de Português <Disponível em: https://www.dicio.com.br/emocao/>. Acesso em 30/08/2020–01:30

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Raphael Gonçalves
Design em Tempos de Pandemia

futuro designer, bonito, porém cansado. Covid-19, eu te abomino!