Renovação comunicacional em pandemia

O Design ambiental como ferramenta para lutar contra a COVID-19

Lucas Ferreira dos Santos
Design em Tempos de Pandemia
9 min readDec 11, 2020

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Via www.suzano.sp.gov.br/

Introdução

Uma atitude comum de se tomar quando nos encontramos em algum espaço que desconhecemos é a de recorrer aos suportes de informações disponíveis para nos direcionar e instruir. Esse instinto que temos hoje vem do desenvolvimento e da aplicação do design ambiental, que visa reconhecer as demandas comunicacionais de um espaço e mediar a relação do ser humano com o ambiente a partir de sinalização e ambientação.

Desde que começou a ser possível a obtenção de informações a partir de registros e não apenas pelo conhecimento empírico, a utilização da comunicação visual como ferramenta de instrução vem se aprimorando com o objetivo de facilitar o uso de tecnologias já existentes e de situação para os receptores.

O design ambiental como forma de aprimorar a experiência do usuário já é estudado e discutido há muitos anos e novos pontos sempre são trazidos para discussão, como por exemplo a acessibilidade, que discute a integração de diferentes sistemas de informação que funcionem bem juntos e consigam comunicar a mesma mensagem através das barreiras físicas, socioculturais e de informação. O papel do designer aqui é de mediador e facilitador.

Em 2020 fomos apresentados a um novo desafio que tem atingido, de alguma forma, todas as áreas, demandando a reestruturação de diversos serviços. A COVID-19 é uma doença respiratória grave infecciosa que é transmitida por contato e, portanto, exige algumas medidas preventivas rigorosas como o distanciamento social, uso de máscaras e higienização constante das mãos.

Como todas as áreas, o design ambiental encontrou novos desafios devido a essa configuração. Surgiu a necessidade da comunicação com um público que ainda não tinha em seu vocabulário grande parte dos termos que passaram a ser essenciais para a comunicação em detrimento da pandemia e a necessidade de organizar espaços físicos e orientar usuários sobre o seu uso de forma a cumprir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O uso de máscara por exemplo, apesar de já existir, não era uma prática comum no dia a dia e, como consequência, quando se fala sobre o uso de máscara com alguns usuários, algum ruído na comunicação pode surgir, interferindo na sua tomada de decisão.

Neste ensaio vamos abordar no primeiro momento as dificuldades encontradas pelo design ambiental e como a falta de adaptação do mesmo pode interferir no controle da pandemia, em seguida falaremos sobre algumas soluções já exploradas pelo design em busca de auxiliar os usuários no contexto da pandemia e sobre algumas possibilidades para o futuro.

O Design ambiental e a pandemia

Wayfinding e señalética são os dois principais termos quando se discute o design ambiental. O primeiro, proposto por Lynch em 1960 e expandido por Passini e Arthur em 1987, é um conceito da arquitetura e do design que discute os estímulos sensoriais do ambiente físico que influenciam o indivíduo na tomada de decisões de orientação e deslocamento.

A señaletica (COSTA, 1989) é um estilo comunicacional focado na funcionalidade. Através da sua forma sintética, ela tem o objetivo de melhorar a experiência do usuário e facilitar a fluidez entre espaços. A partir desses conceitos tecemos análises sobre as aplicações do design ambiental.

A concepção de um espaço deve levar em conta as necessidades dos usuários de forma a facilitar o processo de wayfinding (MARTINS E ALMEIDA, 2014), mas além das necessidades dos usuários como indivíduo, existem também as demandas do usuário como sociedade, como é o caso de algumas exigências ocasionadas pela pandemia da COVID-19.

O distanciamento social, medida preventiva recomendada pela OMS, por exemplo, demanda um controle de fluxo de usuários muito mais rigoroso do que temos hoje em dia. As possíveis aglomerações advindas de um sistema de sinalização ineficiente são focos de transmissão em potencial, o que torna o desempenho das atividades presenciais inviáveis pela perspectiva da saúde.

Outros exemplos de medidas que exigem uma especialização do design ambiental são o uso obrigatório de máscara e a higienização das mãos, que são informações novas no vocabulário da população, mas que devem ser transmitidas de maneira clara e compreendidas pelo usuário independente das suas características socioculturais.

O estudo de caso “Estratégias para orientação espacial e wayfinding” realizado na UFSC pré pandemia, que teve como objetivo a análise das estratégias de orientação dos alunos dentro do campus, chega a resultados que mostram grandes falhas no sistema de sinalização e de ambientação do campus universitário.

“[…] ao se aproximar do ponto de chegada as placas direcionais geraram desorientação e a placa de identificação do prédio estava parcialmente encoberta. O participante relatou que sentiu dificuldades para encontrar o prédio mesmo estando muito próximo fisicamente do destino em função da sinalização externa confusa.”

As aulas nos câmpus das universidades públicas foram suspensas no início da pandemia por serem lugares de alta trânsito de pessoas e um possível foco de contaminação. A adequação da sinalização desse local, com a correção dos problemas relatados e aprimoramento do sistema pensando nas medidas de segurança que devem ser seguidas, é uma das alterações que deveriam ser essenciais para se iniciar a discussão de retomada de atividade no local.

A habilidade de se orientar dentro de um espaço deve ser extraído de informações disponibilizadas nesse ambiente através de recursos visuais que auxiliam na orientação e levam a tomada de decisão (PASSINI, 1984). Os suportes físicos que normalmente transmitem essas informações são placas, mapas, folders, dentre outros artefatos visuais que comunicam de diferentes formas o conhecimento necessário para a utilização daquele serviço (ELY, 2002).

O campus é um exemplo de local que normalmente se encontra em desconformidade com os principios do wayfinding e da señaletica, mas é uma realidade para diversos outros serviços como bancos, aeroportos, exposições, comércios e hospitais. A pandemia torna inaceitável esse tipo de carência em locais públicos com grande rotatividade.

O Designer como facilitador

Com a finalidade de cumprir com a sua função de facilitador, diversos designers vêm apresentando soluções para suprir essas novas demandas e possibilitar que experiências em locais físicos sejam possíveis de uma maneira mais segura.

A construção de pictogramas como representação dos atributos da doença (sintomas) e de comportamentos a serem adotados foram os primeiros passos dados para a introdução desse novo vocabulário no dia a dia dos usuários.

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A adoção de pictogramas como forma de sinalização se mostra muito eficaz em tempos usuais por tentar prover o máximo de informação com o mínimo de recursos visuais, seguindo os princípios da señalética (COSTA, 1989). Por se tratar de ações que a população não estava acostumada até então, o uso de pictogramas se mostra tão eficaz como sempre foi e ajuda na adaptação dos usuários a essas situações.

A obrigatoriedade do uso de máscaras, por exemplo, tem sido representada nas entradas dos estabelecimentos por pictogramas que sintetizam essa informação visualmente e evitam equívocos sobre o que a mensagem quer dizer. Transmitido o aviso normativo com clareza e rapidez, o usuário se adapta e contribui para o funcionamento do estabelecimento ao diminuir as chances de contágio.

Outra solução adotada por muitos estabelecimentos é o uso do totem com dispensador de álcool gel que atua tanto na ambientação quanto na sinalização. O produto em si já fornece indicações de um código de conduta naquele ambiente. A ambientação acontece por ser localizado nas entradas dos locais, o que indica a necessidade do uso antes de entrar e isso é complementado pela sinalização que normalmente acompanha. Além de instruir sobre as regras, esse tipo de produto ainda fornece ferramentas para o usuário, no caso o álcool gel, tentando contribuir para a contenção da doença.

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No âmbito do design wayfinder, talvez o que apresenta maior dificuldade na transmissão de informações, algumas opções estão sendo testadas e adotadas, mas ainda carecemos de uma solução mais específica para esse momento. Os pedestais separadores de fila que estão sendo usados para guiar o fluxo de pessoas e criar barreiras entre usuários são um exemplo de ambientação com a finalidade de guiar a tomada de decisões do usuário.

A companhia aérea azul adotou uma solução para a organização das filas de embarque que consistia na projeção dos números dos assentos no chão, com a distância recomendada entre cada um, os passageiros designados àquele número se posicionam no local indicado e à medida que a fila anda, novos números aparecem, mantendo uma constância no fluxo de passageiros de uma forma a garantir o distanciamento social.

Foto Divulgação Azul

Apesar de ser um design interativo que cumpre os passos do wayfinding que consiste na identificação do ponto de origem, o deslocamento guiado por estímulos sensoriais e a identificação do destino final (PASSINI, 1984), essa solução não fornece todas as informações da sua utilização no ambiente em que se encontra, como, de acordo com Passini, se deve dar a orientação. O usuário precisaria ter um conhecimento prévio do funcionamento do produto para conseguir usar. Mesmo que fosse criado alguma forma de sinalização com a finalidade de informar sobre o funcionamento, o usuário teria que compreender a mensagem rapidamente mesmo sem nunca ter tido contato com o produto, o que seria difícil para um produto que tem o funcionamento tão diferente do usual.

Outra tendência que já vinha se desenvolvendo há alguns anos, mas se traduz muito bem para esse momento de pandemia é a disponibilização do mapa internos dos locais através do seu site ou aplicativo, permitindo a navegação autônoma do usuário sem a necessidade de auxílio de alguma outra fonte. Apesar de ser uma solução viável que ajudaria na prevenção de possíveis aglomerações, ela serve apenas de complemento para um sistema maior, já que pode não atender todos os usuários, como por exemplo pessoas que não tem acesso a um dispositivo móvel.

Conclusão

A construção de espaços que atendam às necessidades de seus usuários é uma tarefa que nunca vai estar completa e atualizada porque estamos sempre presenciando a evolução de tecnologias que podem exigir algo para funcionar ou que possibilitam a execução de tarefas de formas diferentes.

A pandemia da COVID-19 foi uma situação adversa que exigiu o desenvolvimento e adoção de medidas emergenciais por colocar em risco nossa saúde imediata. Essa situação deixa muito em foco a responsabilidade social de cada um como profissional.

Apesar de o design ambiental não ser o fator determinante do nível de contaminação em um local físico, sua adoção a partir de um projeto de qualidade pode influenciar bastante na distribuição de pessoas em um local e permitir o controle do contato entre pessoas.

Novas tecnologias e ideias de como projetar a sinalização e a ambientação de um local podem não substituir os projetos mais clássicos, mas podem ser excelentes complementos em uma situação que pede uma grande reestruturação das dinâmicas dos ambientes físicos.

Referências

ARTHUR, A.; PASSINI, R. Wayfinding: People, Signs, and Architecture. McGraw-Hill, 1992.

Castro, I. S.; Gomides, A. G. A. S. Produção de Pictogramas para um Sistema Informacional de Ponto de Ônibus. Revista Brasileira de Design da Informação, São Paulo, v. 17 | n. 2 [2020], p. 73–95.

COSTA, J. Señalética. Barcelona: CEAC, 1989.

D'AGOSTINI, D. Design de Sinalização. São Paulo: Blutcher, 2016.

Dischinger, M.; Ely, V. H. M. B.; Mattos, M. L. Sistemas de Informação Ambiental: Elementos Indispensáveis para Acessibilidade e Orientabilidade. IN: CONGRESSO LATINO AMERICANO DE ERGONOMIA, 7., 2002, Recife. <disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/6663020/sistemas-de-informacao-ambiental-elementos-indispensaveis-para-acessibilidade-e->

Scherer, F. V. Design Gráfico Ambiental: Revisão e Definição de Conceitos. IN: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 11., 2014, Gramado. <disponível em: http://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/design-grfico-ambiental-reviso-e-definio-de-conceitos-11979>

Tissot, J. T.; Kerchner, I. G. S.; Casarin, V.; Santiago, A. G.; Vergara, L. G. L. Estratégias para orientação espacial e wayfinding: avaliações a partir de um estudo de caso no campus da UFSC em Florianópolis/SC. Revista Brasileira de Design da Informação, São Paulo, v. 17 | n. 2 [2020], p. 14–28.

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