O que a bateria me ensinou sobre ser líder?

Juliana Galati
Design RD
Published in
6 min readNov 17, 2022

Quando eu estava fazendo a transição de carreira, de especialista em design de produto para coordenação de design, eu estava aprendendo a tocar bateria. Ali eu não sabia, mas muitas dificuldades que passaria no começo dessa nova carreira seriam semelhantes a aprender a tocar um instrumento.

Ao aprender um instrumento, o cérebro tenta falar pro corpo fazer coisas que nunca fez. Por exemplo, você está acostumado a andar, correr, levantar os braços, mexer os dedos, mas agora precisa ter coordenação, mecânicas e movimentos novos, que levam tempo para serem desenvolvidos.

Na nossa carreira, quando chegamos no nível sênior, de especialista em design, geralmente estamos em uma zona de conforto. Já dominamos tecnicamente a área, temos um grande leque de habilidades para usar a cada novo projeto, temos desenvoltura para mudar de contexto e modelos de negócio, lidamos bem com produto, engenharia e outras áreas.

Na hora de mudar de carreira, boa parte dessas habilidades não vão servir mais: você vai lidar com situações de gestão de pessoas que nunca passou antes — e que nem toda teoria do mundo vai te preparar!

Neste artigo vou compartilhar alguns pontos que correlacionam a transição de carreira com aprender a tocar um novo instrumento.

Mulher branca de cabelos cacheados e camiseta preta tocando bateria
Eu toda focadinha (e nervosinha) em uma apresentação da escola de bateria.

Autoconhecimento

Autoconhecimento é a chave para conseguir determinar o que você gosta e o que não gosta, o que te faz feliz e o que não te faz feliz.

Por que você quer ser líder?
Por que você quer tocar um instrumento?

Saber as motivações ajudam a entender onde é necessário melhorar e o que falta para chegar no seu objetivo.

Na bateria eu sei qual é meu objetivo: quero tocar junto com a música que estou escutando, sem pretensões de formar uma banda ou compor. Isso me ajuda a ver isso como lazer, a ter paciência na velocidade que eu evoluo e a me cobrar de forma apropriada.

Na liderança de design funciona da mesma maneira. É necessário perceber o que te faz feliz no dia a dia como designer. É apresentar um projeto? É colocar a mão na massa? É ensinar as pessoas? É coordenar algo maior?

Aqui na RD Station temos duas ferramentas que contribuem muito para fazer uma imersão de autoconhecimento e que me ajudaram a entender qual caminho eu gostaria de trilhar e qual estilo de liderança me deixaria realizada: o Emerging Leaders e o Tour of Duty (futuramente escrevo um texto explicando melhor cada uma delas).

Foi com essas ferramentas que entendi quais são meus valores e o que é importante pra mim. Passei a pensar nos objetivos do futuro e a procurar oportunidades que se alinhem com esses valores que me fazem feliz. Sempre vai existir coisas que não gostamos de fazer, mas elas ajudam a chegarmos em outro lugar.

Eu não gosto de tocar em público, é um gasto de energia muito grande pra mim, mas ensaiar com uma banda — e não só acompanhar uma música gravada — me ensina coisas que eu não aprenderia sozinha, como tempo, condução, atenção, etc.

Também vão existir tarefas burocráticas de liderança que você não vai gostar, mas elas têm algum motivo para estarem ali, seja para garantir informações ou para cumprir cerimônias.

Só passa por isso e vai! Se eu puder dar uma dica, tente encontrar maneiras de automatizar essas coisas que você não gosta, como ir anotando coisas diariamente para um futuro performance review, por exemplo.

Boa parte do dia a dia de um líder é ter conversas difíceis, seja com a sua liderança, sobre algum ponto que não está funcionando no seu time, ou para os seus pares, que lideram pessoas que interagem com seus liderados, e principalmente com as pessoas que você lidera: aí entra dar feedbacks, mudar a rota, apontar algum comportamento que precisa melhorar, etc.

Aprender a tocar um instrumento me colocou mais vulnerável do que eu imaginava. Você se expõe, erra e se frustra. Só melhorei quando parei de me cobrar tanto e entendi que a prática — além de perder o medo de errar — eram as chaves que me levariam a ter mais confiança.

Essa é a mesma prática necessária para ter conversas difíceis. Temos alguns frameworks bem legais que ajudam a nos prepararmos para um feedback, que ajudam a tirar julgamentos e suposições.

Só a prática e a confiança vão trazer tranquilidade. É necessário aceitar que é impossível prever o que pode acontecer e que nem sempre a mensagem vai ficar clara na primeira tentativa.

Primeiros passos

Um momento importante na minha transição para liderança foi começar a liderar projetos. Foi aí que entendi uma série de habilidades que teria que enfrentar como líder. Principalmente se for um projeto que envolve outras equipes e áreas, que ajudam com habilidades de engajamento, delegação de tarefas, cobrança e comunicação.

Pode ser um projeto que ninguém está dando muita atenção na empresa, ou algo só para descobrir uma nova necessidade de um cliente, uma possibilidade de inovação. Talvez esse projeto nem vá para frente, mas o que conta é o que você vai aprender durante o processo!

Esse caminho me fez pensar nos momentos em que fui escolher uma música para aprender a tocar. As primeiras músicas, principalmente, não eram aquelas que eu sonhava tocar. Eram músicas simples, que me ajudavam a entender a dinâmica, a divisão de compassos, mudanças de ritmo, solo, etc.

Com a prática eu fui desenvolvendo habilidades para tocar o que eu realmente tinha vontade! E o que dizer do processo? Que o caminho inicial, com as músicas mais simples, foram importantes para o aprendizado, me trouxeram até aqui.

Descubra seu estilo

Falar de estilo de música é fácil. São tantas opções que às vezes é difícil escolher. No começo eu acabei escolhendo as músicas mais lentas e simples para tocar. No fundo não era o que eu queria, mas era o que eu conseguia para sair do lugar. Eu queria mesmo era tocar metal pauleira do demônio! 🤘🏽

Estilo de liderança também não vem de primeira. No começo talvez tentamos ser igual ao nosso líder ou pessoas que admiramos, mas aos poucos descobrimos que queremos mesmo é tentar fazer diferente, mudar algumas coisas aqui e ali…

Vamos percebendo o que dá certo ou errado e assim ganhamos confiança. Percebemos que esse estilo vem de quem somos, só você pode ser líder daquele jeito e é importante valorizar isso.

Confiança, não tem segredo: é prática!

Eu toco bateria praticamente todo dia. Poucas vezes eu falho. No começo não era assim: eu chegava na aula sem fazer nada e não entendia porque não estava evoluindo. Até que percebi que precisava de uma rotina, além de me dedicar muito para sair do lugar.

No começo da liderança a gente quer sair pegando um monte de tarefa que aparece pela frente, fazer tudo que é possível, mas aos poucos aprendemos que é preciso um pouco de paciência, deixar as coisas acontecerem.

Você será mais importante em momentos que não foram planejados, como no surgimento de novos problemas, na hora de ajudar alguém, de tomar uma decisão, aconselhar, mudar uma decisão, dar um feedback difícil…

A confiança para fazer tudo isso vem na prática, vem de simplesmente fazer da melhor forma que acha, pedir ajudar para outros líderes, para seu chefe e ir. Em pouco tempo, o que era difícil de fazer passa a ser rotina — e você nem lembra porque era tão difícil.

A confiança nunca fica 100%. Quando você está ficando mestre em alguma situação ou processo, surge algo novo, que você nunca passou. Pronto, aí parece que você está começando tudo de novo.

Na bateria é assim: você consegue tirar um pedaço de música que estava bem difícil, teve que repetir várias vezes até sair, aí vai para outro pedaço, que tem uma nova dificuldade, e a confiança vai lá embaixo de novo… parece que nunca vai sair!

No final é sobre prática, dedicação, consistência e construção de repertório. Ficar uma semana sem praticar bateria me faz ter que relembrar algumas coisas quando volto, demora mais para evoluir e a construção fica mais difícil.

Todos esses pontos se conectam com o dia a dia que você vai passar a ter como liderança: quanto mais você faz, mais fica natural, mais você aprende com seus erros e vai tentando de outras formas.

Algumas rotinas vão ficando mais confortáveis, as iniciativas de feedbacks e conversas difíceis vão sendo mais frequentes, a mente vai aprendendo a perceber e antecipar situações que, até então, você não estava acostumado.

Esta tem sido a minha experiência nessa jornada desafiadora e prazerosa da liderança e música.

E você? Teve outras experiências que te fizeram aprender mais sobre liderança? Conta aqui nos comentários!

Obrigada Mariana Ghorayeb, Anny Martins e Mayara Silva por colaborarem e me incentivarem a publicar esse texto!

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