A empatia está sucateada

Esley Henrique
Livework São Paulo
8 min readMar 6, 2017

Dois fatos me motivaram a escrever esse texto, o primeiro foi ler o livro ‘Inteligência Emocional’ do psicólogo Daniel Goleman. Nesse livro, ele conta histórias de pessoas que foram tomadas pelas suas emoções e agiram sem pensar, fazendo coisas das quais se arrependem profundamente. A leitura desse livro fez com que eu percebesse como os seres humanos são frágeis emocionalmente, isso acontece por muitas razões, sendo a maior delas a sociocultural, que vai desde os testes de QI, que medem o que os psicólogos chamam de inteligência cognitiva, o pensamento racional, até frases como “homem não chora”, “depressão é coisa de vagabundo” etc. Em resumo, com o passar do tempo nós esquecemos nosso lado emocional e começamos a valorizar, cada vez mais, o lado racional.

O segundo fato foi perceber como o discurso de empatia está sucateado. Empatia hoje é uma palavra que está sendo usada de qualquer jeito, com um discurso vazio de quem ouviu sua explicação uma vez e acredita estar fazendo o melhor para as pessoas, seja no meio social, com nossos parentes e amigos, ou no meio profissional, com os clientes dos nossos serviços.

Diante desses fatos, tenho dois objetivos com esse texto: 1. fazer com que a empatia seja realmente compreendida por quem lê; 2. fornecer informações para que você possa exercitá-la e aplicá-la ao seu dia a dia. O texto foi dividido em 3 partes:

  1. Compreendendo a empatia — Evoluir do conhecimento de uma palavra para a compreensão de algo que está intrinsecamente relacionado ao ser humano.
  2. As barreiras da empatia — Quais são as atitudes que nos afastam do comportamento empático e como podemos dominá-las. Já aviso que não existe bala de prata, apenas esforço e auto-policiamento.
  3. Mínima Empatia Viável — Conceito que surgiu de uma conversa com dois designers da Livework, Paola e Gustavo, cujo principal objetivo é, como utilizar a empatia da melhor maneira possível para conectar-se com as pessoas e aprender com elas sem esquecer dos objetivos de negócio. Essa parte é voltada à pesquisa de campo e design centrado no usuário e está relacionada ao nosso trabalho no dia a dia.

Parte 1: Compreendendo a empatia

A primeira vez que eu ouvi sobre empatia foi há 5 anos atrás, quando comecei a pesquisar sobre design centrado no usuário. Eu conheci essa palavra há 5 anos, mas só a compreendi há alguns meses.

De alguns anos pra cá, empatia tornou-se uma palavra amplamente utilizada fora do seu campo tradicional de estudo, saiu do meio acadêmico para o dia a dia. Hoje é muito fácil achar blogs na internet e grandes jornais como Folha de São Paulo e Estadão falando sobre esse assunto.

Conforme a palavra foi sendo conhecida e estudos sendo realizados, a definição do que é empatia sofreu alterações. Dentre as frases que buscam definir o que é empatia, me agrada muito a citação abaixo:

“Empatia é a arte de se colocar no lugar do outro por meio da imaginação, compreendendo seus sentimentos e perspectivas e usando essa compreensão para guiar as próprias ações.”

(GORDON, 2005, p. 30)

Em meio a tantas definições, acredito que essa é a que melhor representa o que empatia realmente significa. Existem duas palavras-chave na frase: sentimentos e perspectivas. Atualmente, há um consenso entre os psicólogos de que existem duas formas de empatia: afetiva e cognitiva.

Sentimentos: Empatia afetiva

Quando você fica aflito ao assistir a um personagem fugindo de um assassino no meio da floresta, é a empatia afetiva que faz com que você reaja emocionalmente ao que está vendo na tela. É o mesmo como quando vemos alguém batendo o dedo mindinho do pé na quina de um móvel e… “Argh! Isso doeu em mim!”. Segundo a neurociência, a área do seu cérebro que é ativada é a mesma do coitado (a) que bateu o dedo mindinho. Nesse pequeno ato doloroso, a pessoa que bateu o dedo e o espectador compartilham, por um curto período de tempo, as mesmas emoções.

Vale ressaltar que empatia é diferente de compaixão: se eu vejo alguém furioso com alguma injustiça e também fico furioso, há compartilhamento de emoção, logo estou reagindo empaticamente à fúria dele (a). Se eu tenho pena, “Coitado, isso pode fazer mal para a saúde”, estou tendo compaixão, não há emoções iguais sendo compartilhadas.

Empatia afetiva é sobre compartilhar emoções

O nível de conexão afetiva varia de pessoa para pessoa e algumas são, naturalmente, mais empáticas do que outras, entretanto, assim como um músculo, a empatia pode ser exercitada e desenvolvida pois é considerada uma habilidade socioemocional.

Uma rápida história sobre a descoberta dos neurônios-espelho

Fala-se muito sobre os neurônios-espelho e a empatia, isso deve-se muito ao modo como eles foram descobertos.

Em 1990, na Universidade de Parma, uma equipe de neurocientistas estava conduzindo estudos com macacos quando observaram que, quando algum macaco pegava um amendoim, uma área particular do seu córtex era ativada. Porém, por puro acaso, quando um dos cientistas pegou uma castanha a mesma área do cérebro do macaco registrou atividade. Os neurocientistas conduziram mais experimentos e ficaram chocados quando perceberam o que viria a ser nomeado como neurônios-espelho.

Neurônios-espelho são ativados quando experimentamos algo, como dor ou medo, ou quando vemos alguém passando por uma experiência que desperte esses sentimentos, assim como um espelho reflete a sua imagem, esses neurônios refletem a emoção.

No exemplo dado mais acima, sobre a aflição ao ver um personagem de um filme fugindo de um assassino, são os neurônios-espelho em ação, fazendo com que você espelhe a aflição do ator.

Vale ressaltar que a empatia não se resume aos neurônios-espelhos e que esses são apenas uma engrenagem em um sistema muito maior. Segundo Steven Pinker, um psicólogo de Harvard, a descoberta dos neurônios-espelho criou uma “extraordinária bolha de sensacionalismo”, pois tudo relacionado à empatia era explicado por meio desses neurônios, mas, como você verá ao final desse texto, eles estão muito ligados à parte afetiva da empatia, e não à cognitiva, que lida com adoção de perspectiva.

Perspectiva: Empatia cognitiva

Fora sentir o que o outro sente, empatia também é sobre compreender a perspectiva do outro. Enquanto a parte afetiva é sobre neurônios-espelho, sentimentos compartilhados e emoção, a parte cognitiva é sobre entender a cultura, o ambiente, e o dia a dia. Aqui entra aquela famosa definição sobre “calçar o sapato”, só não te disseram que isso não pode ser só uma frase, precisa ser uma atitude.

Existem vários bons exemplos para explicar a empatia cognitiva, mas vamos começar com a história de Patricia Moore. Em 1979, Moore trabalhava como designer de produto na mais importante empresa de Nova York à época, a Raymond Loewy, cujos trabalhos incluem a icônica garrafa de vidro da Coca-Cola e o logo da Shell. Diz a história que, durante uma reunião sobre o projeto de uma geladeira, ela sugeriu construir a maçaneta da porta de modo que pessoas com artrite pudessem abri-la com facilidade, ao passo que um colega respondeu: “Não projetamos para essas pessoas.”

Ela ficou tão nervosa com a resposta que resolveu conduzir um experimento radical: transformar-se em uma mulher de 85 anos.

“Eu não queria ser apenas uma atriz fingindo ser uma pessoa idosa. Queria uma verdadeira imersão da personagem, uma personagem empática, através da qual eu pudesse realmente me pôr na pele de outra pessoa.”

(Moore em entrevista concedida a Roman Krznaric)

Para ser uma mulher de 85 anos, Patricia Moore aplicou uma camada de látex ao rosto para parecer velha e enrugada, usou óculos para embaçar a sua visão, utilizou talas para dificultar a dobra das articulações, obstruiu os ouvidos para não ouvir bem e utilizou sapatos desiguais que a obrigaram a utilizar bengala.

Patricia Moore aos 26 anos, como uma mulher de 85.

Entre 1979 e 1982 ela visitou inúmeras cidades e utilizou serviços, produtos e espaços públicos como uma idosa. Andou de metrô, abriu portas pesadas, subiu e desceu escadas íngremes, utilizou facas, garfos, abridores de lata etc. Também abriu muitas coisas: latas de refrigerante, portas de carro, de geladeiras e de armários. Com essa imersão Patricia Moore levou o design de produto para outra direção e projetou muitos produtos inovadores voltados para pacientes idosos e que, por este motivo, podem ser muito bem utilizados por qualquer pessoa saudável.

Outro exemplo de como a empatia cognitiva pode nos fazer compreender as pessoas é o programa Undercover Boss, da CBS. O objetivo desse programa é fazer com que os donos, CEO’s e outros profissionais do “alto escalão” passem um tempo na pele dos colaboradores da linha de frente, os operadores de máquinas, auxiliares de limpeza, atendentes de call center etc. O programa foi criado pelo produtor de televisão Stephen Lambert com objetivo de fazer com que os chefes identifiquem os problemas que acontecem em suas companhias no dia a dia, ao realizar, eles mesmos, as principais tarefas da empresa, como por exemplo carregar um caminhão inteiro com madeiras em apenas 3 horas, e perceber que, ao forçar esse prazo, a companhia coloca em risco a vida de seus colaboradores e de outras pessoas, já que é impossível que a carga fique presa de forma correta ao caminhão.

Essas percepções acerca do próprio negócio sempre acontecem em Undercover Boss, e sem dúvida nenhuma é um grande aprendizado para os “comandantes”, porém durante essa imersão algo ainda mais incrível acontece, o funcionário que antes eram visto como um número — temos 200 caminhoneiros — começa a ser visto como pessoa, deixa de ser estatística para ser o Julio de 30 anos, que é casado e tem 2 filhas, mas que não as vê há meses. O CEO começa a perceber que o Júlio gosta dos mesmos filmes que ele, do mesmo tipo de música e que ambos odeiam algum tipo de comida em especial. É uma experiência tanto de empatia afetiva como cognitiva, pois permite que você sinta a indignação que os funcionários sentem ao cumprir processos que nãos os ajuda, sinta a emoção e o temor de dirigir um caminhão madrugada adentro, assim como a dor nas mãos e nas costas no dia seguinte, permite que você sinta a felicidade em saber que a sua próxima rota passa perto de casa e que você poderá ver sua família etc.

Depois dessa experiência o chefe/CEO possui insumos suficientes para, por meio da imaginação, compreender os sentimentos e as perspectivas dos funcionários e usar isso para guiar suas próprias ações.

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Esley Henrique
Livework São Paulo

Gosto de cães, comida bem temperada e futebol bem jogado.