Biomimética, pulga d'água e o processo de inovação

Esley Henrique
Livework São Paulo
4 min readNov 28, 2017
Pulga D'Água (Dáfnia)

Anos atrás, lembro de ter ouvido alguns colegas falando sobre o logo das Olimpíadas do Rio de Janeiro, aquele que foi desenhado pela Tátil. A partir desse momento eu conheci o Fred Gelli e me deparei, pela primeira vez, com o conceito de biomimética.

A propósito, esse é o logo das Olimpíadas de 2016 realizada no Rio de Janeiro

Biomimética é sobre olhar para a natureza como uma mentora e não uma simples fonte de extração, e utilizar essa mentoria para melhorar nossa vida em sociedade.

Ao conhecer mais sobre os vários processos, produtos e serviços criados com base na observação da natureza, me lembrei de uma parte do livro "De onde vêm as boas ideias" do Steven Johnson, onde ele faz uma observação sobre a alternância entre os modos de reprodução e o processo de inovação.

No livro, ele comenta sobre a estratégia da pulga d'água (dáfnia) em utilizar a reprodução sexuada ou assexuada como estratégia de sobrevivência a fim de se adaptar às variações do ambiente.

Olhando de forma reducionista, essa capacidade de alternar as formas de reprodução pode parecer uma simples escolha, mas acontece que ela é muito mais importante – e inteligente – do que parece. A reprodução assexuada, apesar de mais simples e veloz (pois cada organismo pode gerar cópias de si mesmo sem precisar de um parceiro) faz com que toda a população compartilhe os mesmos genes. Isso quer dizer que, se uma bactéria ou fungo conseguir subjugar um único membro, ele pode extinguir a população inteira daquele local.

Para lidar com isso a pulga d’água utiliza o processo de alternância reprodutiva para se adaptar ao ambiente e sobreviver sempre que as circunstâncias não são favoráveis. Normalmente, as fêmeas se reproduzem de forma assexuada sempre que o ambiente está favorável. Nos verões mais quentes, esse tipo de estratégia corresponde ao grande sucesso desse crustáceo, que acaba sendo um dos organismos mais abundantes no ecossistema de lagoas e pântanos. Porém, quando há algum distúrbio nesse ecossistema que é prejudicial à espécie, como falta de alimento, aumento do nível de acidez da água, seca ou congelamento, as pulgas fêmeas começam a se reproduzir de forma sexuada com os machos da espécie, combinando genes e gerando ovos mais resistentes.

É verdade que a reprodução sexuada é mais lenta e arriscada porém, a natureza já aprendeu, por meio dos seus 4,5 bilhões de anos de iteração, que para se adaptar e sobreviver às mudanças é melhor colaborar e gerar novas alternativas do que se apegar às mesmas “táticas” de sempre.

“Nossos estudos iniciais revelaram que os genes da Daphnia evoluíram para se aperfeiçoar as mudanças do ambiente” — John Colbourne, revista Sciente

Como esse "biologês" todo se relaciona com inovação?

Basicamente, o que a pulga d'água está fazendo ao escolher se reproduzir sexuadamente é combinar genes para criar alternativas que podem ser mais resistentes. Que podem, ou seja, não é uma certeza.

O processo de inovação funciona desse modo e existe até um termo para explicar como ele ocorre: VaCa RoSa, um acrônimo para Variação Cega Retenção Seletiva. Esse termo foi criado pelo cientista social e pesquisador de processos criativos Donald T. Campbell para explicar o que acontece por trás das inovações, mas para entendê-lo eu preciso falar mais um pouquinho sobre biologia.

Como você acha que as girafas adquiriram pescoços longos? Segundo a teoria da evolução de Darwin, em algum momento do passado existiram diversas "girafas", umas com a cabeça grande, outras com a língua, umas com pernas curtas, outras longas etc. Em resumo, existia uma grande variação de biotipos do que hoje conhecemos como girafa, mas só as de pescoço grande conseguiram se adaptar ao ambiente em que viviam e passar seus genes para frente. Isso aconteceu por "n" motivos, um deles é o de que o alimento mais abundante naquele momento e o qual as girafas consumiam eram folhas que nasciam no topo de algumas árvores, portanto, inacessível para girafas que não conseguiam alcançá-las.

A variação de biotipos de girafas era cega e isso não quer dizer que uma era melhor do que a outra, porém a retenção foi seletiva, ou seja, dentre toda aquela variação, algumas "foram selecionadas" para aquele ambiente.

Esse é o mindset de investidores de capital de risco. Eles não colocam todo o dinheiro em uma única ideia, muito pelo contrário, colocam algum dinheiro em várias ideias e esperam que, as poucas ideias que vingarem, paguem por todo o investimento.

Inovando segundo essa lógica

O que a alternância entre modos de reprodução e a teoria da VaCa RoSa tem para nos dizer sobre inovação é que, para inovar, é preciso abrir mão da segurança. É necessário gerar um grande número de possíveis soluções e entender que, dentro dessas soluções, algumas irão se adaptar e outras ficarão pelo caminho.

Se as empresas não abraçarem esse conceito, a presença de um novo "micro organismo" (startup) em seu ecossistema pode representar um grande problema… ou quem sabe o seu fim.

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Esley Henrique
Livework São Paulo

Gosto de cães, comida bem temperada e futebol bem jogado.