Do início, ao meio, ao fim: tudo é serviço, sim!

Luis Alt
Livework São Paulo
7 min readJul 7, 2016

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— por Maurício Manhães e Luis Alt

Independentemente do setor que a sua empresa atue, o que ela vende é um serviço. Não importa se ela produz parafusos, shampoos, cadeiras ou automóveis, em todos estes casos, o seu produto é um serviço.

Esta constatação é apontada pela Lógica Serviço-Dominante (Service-Dominant Logic), proposta em 2004 pelos professores de Marketing Steven Vargo e Robert Lusch, das universidades do Hawai’i e Arizona, respectivamente. Mais do que uma fotografia do contexto atual do mundo, o estudo apresenta uma interessante revisão da história econômica humana, comprovando de forma bastante clara que os “serviços são o início, o meio e o fim” de toda atividade econômica, como afirmou o economista francês Claude Frédéric Bastiat em 1848. A SDL, como é comumente chamada, propõe 11 Premissas Fundacionais, as quais foram agrupadas em 5 Axiomas, que fornecem um quadro geral de entendimento lógico a respeito dos serviços.

É possível que você nunca tenha ouvido falar sobre esse conceito. Mas saiba que, atualmente, o texto no qual a lógica foi apresentada é o artigo acadêmico de marketing mais citado da história. Ou seja, do ponto de vista técnico é praticamente uma unanimidade.

Neste texto, vamos nos concentrar apenas em abordar os 5 axiomas, que são:

#1 O serviço é a base fundamental da troca.

#2 O valor é cocriado por múltiplos atores, incluindo sempre o beneficiário.

#3 Todos os atores sociais e econômicos são integradores de recurso.

#4 O valor é sempre único e fenomenologicamente determinado pelo beneficiário.

#5 A cocriação de valor é coordenada por meio de instituições e arranjos institucionais gerados por atores.

Não se preocupe se você não entendeu os pontos acima, pois vamos passar por todos eles. Antes disso, definamos serviço como um artefato que magnifica o potencial de agir de alguém que se percebe como um beneficiário. O serviço, então, não “cria” um novo potencial de atuação, apenas o aumenta. Em outras palavras, o artefato (ou serviço) em si pode ser novo mas o potencial de atuar, não. Complicou um pouco, não é?

Para facilitar, vamos analisar um dos vários possíveis serviços que podem ser prestados por um automóvel: o de transporte pessoal. Se você sabe e pode dirigir um carro, você pode utilizá-lo como transporte pessoal. Para tanto, você pode pegar emprestado, comprar ou alugar um carro. Um serviço (“artefato”) criado com o objetivo de emprestar um automóvel será diferente do criado para alugar o mesmo, o qual, por sua vez, será diferente do designado para comprar. São atuações diferentes a partir do mesmo potencial: saber e poder dirigir um automóvel para transporte pessoal.

Usemos um outro exemplo, o Airbnb. Se você tem um quarto vago na sua casa, você possui o potencial de cocriar valor com este espaço. O Airbnb não criou o espaço ou o potencial. A empresa americana, de forma inteligente, magnificou o potencial de uma entidade (você) agir a partir desse espaço, que já estava disponível para criar benefícios às várias partes envolvidas que são você, o locatário, o próprio Airbnb, a empresa de cartões de crédito, a empresa de viagens, as linhas aéreas e assim por diante. Lembra do Axioma #2? O valor é cocriado por múltiplos atores, incluindo sempre o beneficiário.

Vamos tentar olhar para os Axiomas voltando para o produto automóvel que, como comentamos, é um serviço. Digamos que você vá até a sede de uma montadora e compre um automóvel novo e “zero quilometro” pelo equivalente a 40 mil reais. Vamos supor, para efeitos instrutivos, que você tenha tido a brilhante ideia de preservá-lo intacto para as futuras gerações. Ainda na sede da montadora, você o embala, tomando todas as precauções técnicas para a conservação indefinida desse objeto. O embarca em um caminhão de transporte e, finalmente, o leva até o local que escolheu para mantê-lo em perfeito estado de conservação.

Após 8 anos, você cansa de seu projeto de longo prazo e decide vender o carro “zero quilometro” que, apesar de ter 8 anos de idade, encontra-se perfeitamente novo, já que todas as precauções e atividades foram realizadas para mantê-lo “zero-bala.” Você decide então colocá-lo a venda pelos mesmos R$ 40 mil corrigidos pela inflação do período, claro! Resultado: é muito provável que você não receba oferta alguma (a esse preço) por um objeto que guardou com tanto cuidado por anos a fio. Como explicar isso?

Como é possível que o valor de um carro “zero quilometro” não corresponda ao valor de um carro “zero-bala”?

Para responder a essas perguntas, primeiro precisamos responder à seguinte: para o que serve um automóvel? Um automóvel é apenas um objeto que serve para locomover às pessoas? O sistema de transporte público e o automóvel particular prestam o mesmo serviço? E os famosos automóveis antigos que valem milhões de dólares? Normalmente, eles ficam expostos em museus ou, quem os tem, não deixa que ninguém chegue perto.

//Esse último ponto nos remete, inclusive, ao Axioma #4, que diz que o valor é sempre único e fenomenologicamente determinado pelo beneficiário.

Mas voltando ao texto. E aí? Nos casos questionados acima, os objetos continuam sendo “automóveis” ou não? A resposta certa para todas essas perguntas é: depende. Depende do potencial de atuação considerado.

É o potencial considerado (ou seja, o serviço prestado) que dita qual é o “objeto” que se está analisando.

“Esse carro é uma obra de arte!” pode ser dito sobre um automóvel clássico, que vale milhões de dólares e passa 99% do tempo estacionado na sua garagem e que, de fato, não é apenas um objeto para transporte pessoal. Assim como outros potenciais também podem ser considerados para o mesmo objeto automóvel, tais como: trabalho, como é o caso de um táxi; prazer, como é o caso de um carro para fazer trilhas; exclusividade, como em carros com estofados, luzes e sons altamente customizados, e assim por diante.

Como demonstrado pelos pesquisadores da Lógica Serviço-Dominante, essa conversa vai longe e é muito difícil definir de maneira precisa qualquer tipo de objeto ao qual se proponha analisar. Nós poderíamos seguir dando exemplos, mas sugerimos que você mesmo faça uma reflexão sobre os objetos que estão ao seu redor neste exato momento. O mais provável é que você, ao tentar descrever o objeto, chegue a alguns serviços. Com certeza, dificilmente conseguirá definir de maneira objetiva a um objeto a não ser que passe a tratar dos possíveis valores que as pessoas percebem a partir dele. Ou seja, sem entender o conjunto de possibilidades de serviços que podem compor determinado “objeto,” não é possível conhecer o mesmo.

Aliás, considere o seguinte: quando você entra em contato com algum objeto qualquer pela primeira vez, o que se pergunta? Não é “Para que serve isso?” Então, tudo é serviço.

Acredite, o exercício que acabamos de propor já foi tentado à exaustão com diversos tipos de objetos. A razão da dificuldade de definir esse objeto se deve ao fato de que só será possível descrever o mesmo ao entendê-lo, não como um conjunto de materiais físicos, mas, como uma integração de recursos. Esse ponto nos remete exatamente ao Axioma #3 que afirma que todos os atores sociais e econômicos são integradores de recurso, os quais podem incluir coisas como o design, a engenharia, a fabricação, a logística, o marketing, etc. Ou seja, tudo e todos em nossa sociedade estão, a todo tempo, prestando e recebendo serviços. Estranho, né? Se não entendeu, calma que explicaremos a seguir.

Ao fim e ao cabo, a única forma de descrever a um “automóvel” (ou qualquer outro objeto) é por meio, não do objeto em si, mas do conjunto de serviços que ele pode proporcionar e é por isso que o Axioma #1 explica que o serviço é a base fundamental da troca.

Segundo a SDL, mesmo quando dizemos que um automóvel é feito apenas de borracha, metal, vidro e plástico; enquanto um outro possui itens de madeira e couro, não estamos nos referindo ao objeto em si ou aos materiais que os compõem. Mas, sim, aos serviços que os compõem; aos valores que percebemos serem oferecidos por um ou outro modelo ou material. Mais ainda: o material plástico no seu interior oferece um conjunto de serviços diferente de um veículo que possua itens de madeira. Enquanto o plástico num carro permite a percepção de algo “padronizado,” a madeira oferece um serviço de “sofisticação,” por exemplo. E esses serviços percebidos não são objetivos. Eles foram criados e designados por atores, por meio de instituições e arranjos institucionais. O Axioma #5 propõe exatamente isso: a cocriação de valor é coordenada por meio de instituições e arranjos institucionais gerados por atores. Vale ressaltar que instituições não são o mesmo que organizações. Na verdade, nem toda instituição é uma organização, mas todas as organizações são instituições.

Ou seja, do ponto de vista da SDL, a única forma de entender , de fato , o que é um automóvel (ou qualquer outro objeto), é decompondo-o em 3 níveis. Como ilustrado na imagem a seguir, os níveis são:

(i) o do conjunto potencial de serviços que podem compor essa instituição “guarda-chuva” denominada automóvel;
(ii) o das sub instituições “componentes” como, por exemplo, as instituições de crédito, propriedade, exclusividade, potência, confiabilidade, transporte, etc. e, por fim,
(iii) o design do arranjo específico de instituições e serviços que poderiam compôr o produto final.

Na imagem é possível ver que a instituição Automóvel engloba uma séria enorme de serviços (i). Dependendo do design de serviço realizado, o produto final será percebido como o automóvel muito barato (ii) ou o carro elétrico muito sofisticado. E, acredite, essa percepção é construida por arranjos institucionais. Ou, de forma mais simples, por um design de serviço. Créditos da Imagem: Maurício Manhães

Ao se perceber o produto como uma orquestra de potenciais serviços que o compõem, fica mais claro e fácil designar arranjos inovadores para ele. E o melhor: é possível fazer isso a partir dos mesmos materiais físicos que o constituem. Essa perspectiva é, em si, uma das grandes revoluções propostas pela SDL.

Baseado na lógica proposta, é possível estabelecer o seguinte raciocínio lógico:

a) o serviço é o início, o meio e o fim do ciclo econômico;
b) o ciclo econômico é movido pela inovação;
c) o design é a melhor abordagem conhecida para gerar inovação.

Sendo assim, o Design de Serviço é uma prática que, de forma empática, colaborativa e experimentadora, é capaz de criar futuros interessantes e desejados por meio de serviços inovadores.

Quer entender mais sobre essa revolucionária teoria de serviço que muda a maneira como enxergamos o mundo? Venha falar conosco! ;)

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Luis Alt
Livework São Paulo

I observe (and write about) how people use services and how organizations provide them — Founder of Livework in Brazil.