Imagem do filme “Os Sete Samurais” do diretor japonês Akira Kurosawa

O ato de servir e a relação cultural de japoneses e brasileiros

Esley Henrique
Livework São Paulo
3 min readMay 15, 2017

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Alguns dias atrás estava almoçando com dois designers da Livework quando um deles comentou ter sido parado no metrô e questionado sobre a palavra “Servir” estampada em sua bolsa.

Bolsa (saco-tecido se você for muito puritano) da Livework ❤

As pessoas questionam o nome “Servir” pois o acham depreciativo, como algo que não devesse ser usado e mostrado com orgulho.

Quando ele me contou essa história eu lembrei de uma conversa que fiz com uma brasileira que foi trabalhar com Design de Serviço no Japão. Ela me contou que os serviços lá são impecáveis. Na hora eu pensei: mas é claro! A relação dos japoneses com o ato de servir é muito diferente do resto do mundo, e isso vem de muito tempo atrás e foi intensificado depois da 2ª Guerra Mundial.

Como alguém que gosta da cultura japonesa, conectei esses casos com a história dos samurais e seu código de conduta.

O nome “samurai” significa “aquele que serve”. Logo, sua maior função como guerreiro era servir aos chamados daimyos (senhores de terra) e ao imperador. Em troca recebiam terras e/ou pagamentos, que podia ser em dinheiro ou comida.

A lealdade dos samurais era tão grande pois eles praticavam e seguiam um código de conduta e estilo de vida chamado bushidô, literalmente “caminho do guerreiro”, cujos maiores princípios eram: servir com disciplina, buscar a perfeição a morrer com honra.

Ainda falando sobre esses guerreiros, quando um samurai não servia a ninguém, quando não possuía um mestre, ele era chamado de Ronin. Ronins eram vistos com extrema desonra pelas pessoas, principalmente pelos próprios samurais. Apesar de habilidosos, estavam condenados a viver uma vida desonrosa e a morrer sem que suas vidas tivessem valido a pena.

“Quem não Vive para Servir, não Serve Para Viver”
– Mahatma Gandhi

Diferente dos japoneses, a história do Brasil com o senso de servir é marcada por muito preconceito. Antes dos portugueses o que reinava entre a maioria das tribos indígenas era a função pela comunidade, onde cada índio desempenhava um papel importante. Os guerreiros protegiam a tribo e caçavam, o Pagé entedia de ervas, cura e espiritualidade e o cacique era o chefe da tribo, cuidava dos mantimentos, das punições e da ordem geral. As mulheres cozinhavam, construíam casas e vestimentas e cuidavam das crianças... Porém, com a descoberta do Brasil e a instalação da escravidão, “servir” tornou-se algo de pessoas inferiores.

A palavra “servo” (que vem do servir) carrega consigo algumas definições bem ruins: 1. aquele que não é livre, não tem direitos e bens; 2. criado, lacaio, serviçal; 3. sujeito a um poder ou a um senhor; escravo.

Nós ainda carregamos esse estigma, mesmo que de forma inconsciente. Ainda vemos o ato de servir como algo inferior, quando na verdade deveríamos ver como um privilégio, pois estamos fazendo duas coisas incríveis: sendo úteis e ajudando as pessoas. Me parece mais nobre do que vergonhoso.

Qualquer pessoa que vive em sociedade serve e é servida a todo momento. De manhã você está no Call Center, servindo alguém, ajudando. Mais tarde você vai ao dentista, é servido pelo motorista que o leva ao consultório, pelo atendente que confere seus dados e pelo próprio dentista.

Para que o Brasil evolua ainda mais como sociedade, precisamos entender que quando servimos bem alguém estamos fazendo algo muito importante por aquela pessoa. Do outro lado, quem está sendo servido precisa compreender a importância do que estão fazendo por ele. Quando todos entenderem isso, quem sabe, teremos serviços impecáveis também.

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Esley Henrique
Livework São Paulo

Gosto de cães, comida bem temperada e futebol bem jogado.