Por que você não consegue ser empático…

Esley Henrique
Livework São Paulo
9 min readApr 17, 2017

Este é o segundo texto de uma série de três sobre empatia. Para ler o primeiro e entender como ela funciona, cliquei aqui.

Agora que você já compreende o que é a empatia, vou falar sobre algumas barreiras socioculturais que impedem que você se conecte empaticamente com outras pessoas.

As quatro primeiras barreiras, preconceito, negação, autoridade e distância, são defendidas pela maioria dos psicólogos. A quinta e última, o fanatismo, eu adicionei depois de fazer algumas pesquisas sobre esse tema e ver o quão prejudicial ele é para o exercício da empatia.

Preconceito: rotulando e excluindo a individualidade

Nós, seres humanos, temos uma facilidade imensa em em fazer suposições sobre outras pessoas. Isso acontece, principalmente e perigosamente, quando não temos muitas informações sobre elas.

Olhe para a imagem abaixo e responda às seguintes perguntas sobre os dois homens:

  1. Qual é o grau de escolaridade do homem da imagem 1? E do homem da imagem 2?
  2. Qual é a comida e bebida favorita do homem da imagem 2? E do homem da imagem 1?

Enquanto pensava nas respostas para cada um dos homens, você reagia, inconscientemente, a vários elementos das imagens, como a cor dos olhos, da pele, o ambiente em que eles estão, suas roupas, pose, objetos, iluminação, etc. Para responder às perguntas, seu cérebro estava cruzando os elementos das imagens com o que é mais comum no mundo real, estava supondo. É uma conta muito simples na verdade. Normalmente, quem tem um histórico de estudo maior no Brasil, brancos ou negros? Olhando para a roupa e para o ambiente em que eles estão, qual dos dois tem mais chances de estar em um bom restaurante provando pratos exóticos e bebidas caras?

Você não conhece nenhum dos dois, não sabe qual a história deles ou mesmo a história das fotos, mas consegue responder a estas perguntas com certa facilidade e tem grandes chances de estar certo.

O psicólogo Paul Bloom tem uma palestra incrível no evento TED intitulada ‘Pode o preconceito ser algum dia uma coisa boa?’. Em sua palestra ele defende que, sem o preconceito, as pessoas não conseguiriam fazer nada. Nós dependemos desse julgamento prévio para conseguir viver com os objetos e as pessoas que nos cercam. É muito importante que, mesmo sem nunca ter visto uma cadeira, eu consiga assumir algumas coisas sobre ela, como as possibilidades de uso, por exemplo.

O grande problema do preconceito é quando ele é usado para discriminar e vender ideias, na maioria das vezes falsas, sobre as pessoas. Isso sempre aconteceu e continua acontecendo. O maior exemplo disso foi a criação e a poderosa divulgação do termo “untermenschen” (sub-humano) pelos nazistas, que incluíam nessa categoria judeus, ciganos e negros.

Não há nada pior do que um governo chamando muçulmanos de terroristas, imigrantes de ilegais, ciganos de trapaceiros ou negros de bandidos. Isso passa uma mensagem muito forte para a população que, por medo ou preguiça, acaba nunca conhecendo essas pessoas de verdade, sempre reagindo a elas impulsionadas por estes rótulos.

É impossível que exista empatia com muçulmanos se tudo o que eu sei sobre eles é que são terroristas…

Negação: fechando-se no próprio mundo

“Pessoas, organizações, governos ou sociedades inteiras são expostos à informação que é perturbadora, ameaçadora ou anômala demais para ser absorvida ou abertamente reconhecida.” — Cohen (2011)

Estamos sofrendo de uma fadiga emocional atualmente: vídeos, imagens e frases de pessoas carentes e necessitadas estão perdendo seu poder de reação, e isso está acontecendo por um motivo simples: ver crianças morrendo de fome, asfixiadas com gás químico em zonas de conflito, ou afogadas por tentar fugir da guerra, está se tornando comum demais. Estamos sofrendo daquilo que foi expressado uma vez como “fadiga da compaixão”, a famosa “falta de fé na humanidade”. Estamos cansados de tanta desgraça, e alguns de nós estão tão abalados a ponto de criar barreiras contra as “desgraças” que acontecem no mundo.

Nos sabotamos para não aceitar os problemas dizendo frases como: “eu não vou doar nada, esse dinheiro pode ser desviado, utilizado para outra coisa”, “mas eu só posso contribuir com tão pouco que nem ajudaria àquelas pessoas…”, “e se as roupas que eu doei forem roubadas no meio do caminho?” Essas frases tem se tornado cada vez mais comuns.

Também estamos utilizando a negação, inconscientemente, para não aceitar que muitas vezes influenciamos e mantemos muitos dos problemas socioeconômicos do mundo. Utilizamos diversas marcas mesmo sabendo que elas fazem uso de trabalho escravo, que desmatam florestas, e/ou que poluem os rios.

Estamos nos blindando com desculpas para não encarar o que está acontecendo.

As pessoas realmente empáticas reconhecem que o “e se”, a dúvida, não fará a menor diferença na situação das pessoas. Sabem que isso é um bloqueio e que precisam agir para causar a mudança que elas esperam ver no mundo.

Como o próprio nome já diz, a negação por si só impõe uma barreira psicológica e comportamental ao pensamento empático. Se me nego a pensar em alguém, me recusando a olhar para a sua situação, então, obviamente eu não conseguirei me conectar emocionalmente a esta pessoa, e assim, é impossível que eu a compreenda e que haja empatia entre nós dois.

Autoridade: obediência que convém

Existe uma cena no começo do filme ‘O Último Samurai’, onde o coronel Benjamin Bagley diz ao capitão Nathan Algren, personagem interpretado por Tom Cruise: “Eu fiz o que mandaram eu fazer lá. E não sinto remorso”. Ele estava falando sobre a época em que comandou o exército americano em um massacre contra uma tribo indígena indefesa, composta em sua maioria por mulheres e crianças.

Anos depois da segunda guerra mundial a teórica política Hannah Arendt escreveu o livro ‘Eichmann em Jerusalém’ a partir de pesquisas sobre um dos maiores arquitetos do holocausto, o alemão Adolf Eichmann. No livro ela afirma que ele não era nenhum psicopata, mas apenas um indivíduo normal que cumpria as suas ordens, obedecendo à hierarquia e às leis da época. Ela escreveu isso pois, em seu julgamento, no ano de 1961, confrontado sobre as atrocidades do nazismo, Eichmann afirmou “eu estava apenas cumprindo ordens, fazendo o meu serviço”.

As duas histórias acima falam de um conceito muito antigo e uma das piores barreiras contra a empatia, a autoridade.

“Eu tenho uma função, se eu sair dela para ajudar alguém, serei visto como certo ou errado? Não estaria mais cumprindo o meu trabalho e poderia ser penalizado por isso.”

Existe um estudo curioso do psicólogo Stanley Milgram que é tido como o mais radical da psicologia moderna e, certamente, não poderia ser realizado nos dias de hoje. Ele chamou alguns voluntários, uns para fazer papel de alunos e outros de professores. Os voluntários ficaram em salas separadas e não podiam se ver, apenas se ouvir. Quando uma luz acendia, os alunos, que estavam sentados em uma cadeira elétrica, repetiam em voz alta frases escritas em papéis, e os professores confirmavam se a frase fora repetida corretamente.

Os professores tinham a sua frente uma máquina de choque e, a cada erro dos alunos, deveriam aplicar uma punição: aumentar a voltagem da máquina.

O truque do estudo era que todos os voluntários alunos eram atores que erravam as frases de propósito e fingiam gritar e agonizar de dor. A cada choque aplicado eles gritavam e agonizavam mais ainda. Alguns diziam que tinham filhos pequenos, que queriam ir pra casa, ou que tinham problema no coração. Porém, toda vez que os professores ficavam com dó e ameaçavam parar de punir os alunos, o professor Milgram dizia “esse é o seu trabalho”, “você está cumprindo o seu dever”.

Para a surpresa de Milgram, 65% dos voluntários-professores chegaram a aplicar o último choque, descrito na máquina como “fatal”.

O conceito de autoridade foi e é importante para a convivência e o crescimento da humanidade, porém não podemos ser submetidos à ele de forma cega e sem questionamentos, pois, com o tempo, a autoridade vira uma muleta para não ajudar as pessoas ou pior, fazer mal a elas.

Distância: diminuindo o senso de comunidade

Apesar de vivermos em um mundo globalizado, onde as relações estão mais próximas do que nunca, ainda temos muita dificuldade em nos conectar com pessoas que estão longe de nós. Quando não conhecemos as pessoas e as suas vidas são distantes e diferentes das nossas, é muito difícil que haja o interesse em conhecê-las. Além dessa distância espacial, existem outras duas distâncias que servem de barreira para a empatia: a social e a temporal. A distância social diz respeito às pessoas que estão socialmente distantes, como é o caso das classes sociais (A, B, C…) ou grupos que, mesmo tendo as mesmas condições financeiras, vivem em comunidades e ainda preservam muito da cultura do país de origem dos seus ascendentes. Em São Paulo temos alguns desses exemplos como as comunidades judaicas no Bom Retiro e Higienópolis, os japoneses do bairro da Liberdade e os italianos da Mooca.

Essa distância também pode existir entre tribos como as de punks, rockeiros e forrozeiros… O fato é que é muito mais fácil se conectar emocionalmente com alguém que goste das mesmas coisas que nós, e o exercício torna-se muito mais difícil no caso de pessoas que gostam de ou fazem algo que nunca ouvimos falar ou que tenhamos algum preconceito.

A outra distância é temporal. Por mais que eu possa tentar fazer algumas previsões é muito difícil que eu consiga imaginar quais serão as dificuldades que um jovem enfrentará com a poluição do ar em São Paulo no ano de 2100. Nessa questão os psicólogos se dividem: uma parte acredita que temos que fazer esse exercício e nos conectar com essas pessoas (que ainda nem existem). A outra parte acredita que isso é impossível. Sigo a ideia do segundo grupo, mas isso não quer dizer que eu tenha que fazer as coisas sem pensar no amanhã. O melhor que podemos fazer pelas gerações futuras é demonstrar respeito e podemos fazer isso pensando nas ações do presente que podem impactar o futuro.

Fanatismo: eu, ou nós, versus eles

Fanatismo vem de fanático, descrito nos dicionários como alguém que tem zelo excessivo, que é muito entusiasta e que tem uma devoção quase sempre cega por determinado tema.

O problema do fanático é que ele está tão apaixonado por alguma coisa ou alguém, que ele a defende com unhas e dentes, repelindo tudo que que vá contra ou ameace a sua paixão.

Esse tipo de atitude é perigosíssima para o exercício da empatia. Como eu vou aceitar o novo, o diferente, se eu não permito que algo entre na minha vida pelo risco que existe de que isso transforme as coisas que eu gosto?

Na psicologia, os fanáticos são descritos como pessoas que tem como características a agressividade excessiva, preconceitos variados, estreiteza mental, extrema credulidade quanto a um “sistema”, intenso individualismo e um sistema subjetivo de valores. Em suma, um completo coquetel anti-empatia. Como disse o filósofo francês Denis Diderot: “Do fanatismo à barbárie não há mais do que um passo”.

Agora que você já conhece as barreiras e como elas o impedem de ser mais empático, duas boas notícia: você não nasceu assim e, sim, é possível lutar contra essas barreiras. Segundo o filósofo croata Roman Krznaric que recentemente publicou um livro sobre Empatia, “é essencial reconhecer que as barreiras são antes de tudo invenções da cultura, da sociedade e da política e não traços profundamente engastados na natureza humana. Isso significa que podemos, como indivíduos e sociedade, encontrar maneiras de desafiá-las.”

No próximo texto vou falar sobre o conceito de Mínima Empatia Viável: como utilizar a empatia da melhor maneira possível para se conectar com as pessoas e aprender com elas sem esquecer dos objetivos de negócio.

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Esley Henrique
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Gosto de cães, comida bem temperada e futebol bem jogado.