Advogado como designer social

Eric Hadmann Jasper
Design+Sociedade
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5 min readOct 1, 2019

Imagine a seguinte cena: o designer é desafiado a melhorar a maca hospitalar. Sua estratégia é entrar no hospital que o contratou e, em sigilo, passar pela experiência de ser internado. Ele aguarda por um longo período sem qualquer informação sobre quando será efetivamente atendido. Preenche e assina pilhas de documentos que não entende. Quando finalmente é transportado com a maca, percebe as limitações do produto mas também os corredores frios e a iluminação que agride seus olhos. Na sala de cirurgia não há calor (humano ou de qualquer outra natureza), apenas o som do monitor cardíaco e o medo de colocar sua vida nas mãos do médico.

O que o designer descrito por Tim Brown no livro “Change by design” percebe é que toda a experiência hospitalar tinha sido desenhada exclusivamente sob a perspectiva dos profissionais que atuam diariamente para salvar vidas humanas. É óbvio que um hospital deve permitir a máxima eficiência de médicos e enfermeiros, mas isso não exclui outras necessidades do paciente. Faltou, portanto, uma habilidade essencial do bom designer: a empatia (i.e., a capacidade de se colocar no lugar do usuário). Faltou observar a técnica descrita pelo Victor Guerra no último texto chamada PDM (Persona, Dores e Momento).

Por isso, quando o Victor pergunta no último texto a razão de os serviços públicos (neles incluídos decisões judiciais e leis) serem mal desenhados, a resposta é simples: o advogado e o servidor público não se enxergam como designers sociais e isso resulta em um sistema jurídico que não é visto como um serviço ao cidadão.

Se você questionar um advogado sobre sua função, ele certamente citará o artigo 133 da Constituição Federal (“o advogado é indispensável à administração da justiça”). Quem não faria o mesmo? Quantas profissões podem dizer que tem um artigo exclusivo na Constituição?

Ocorre que isso não responde a pergunta. De acordo com o professor da Universidade de Columbia, Ronald Gilson, a função do advogado é ser um engenheiro de custos de transação. Para Gilson, o trabalho do advogado deve ser avaliado por uma simples equação: a transação vale mais, descontado o valor dos honorários, como resultado da participação do advogado? Ou seja, o advogado foi capaz de reduzir os custos de transação de tal forma que os ganhos do cliente substancialmente superam os custos de honorários?

Apesar da utilidade da teoria de Gilson, gostaria de propor uma visão complementar. Da mesma forma que a engenharia e a arquitetura são complementares na construção de uma casa, engenheiros de custos de transação (públicos ou privados) e arquitetos sociais (designers sociais) são complementares na construção de serviços públicos.

Vejamos um exemplo. A Lei n. 12.414/2012 criou o chamado “cadastro positivo” que reúne informações sobre bons pagadores e, em teoria, resultaria em redução de custos financeiros para pessoas com boa nota de crédito. Na sua primeira encarnação (2012), a lei continha a seguinte previsão: “[a] abertura de cadastro requer autorização prévia do potencial cadastrado […]” (g.n.) (art. 4). Não é preciso buscar dados estatísticos para prever que poucas pessoas se cadastraram voluntariamente. Por esta razão, em 2019, o Congresso Nacional modificou o artigo 4 para prever que “[o] gestor está autorizado […] a: I. abrir cadastro em banco de dados com informações de adimplemento de pessoas naturais e jurídicas”.

Se observarem, a única diferença é de design social. O legislador percebeu que o ser humano tem um viés de status quo, ou seja, diante de um custo de transação (i.e., entrar no site de um bureau de crédito, preencher um formulário e autorizar sua inclusão no cadastro positivo), o cidadão preferirá se manter no estado atual de coisas, mesmo que uma alteração seja benéfica. Sabendo da existência desse viés e entendendo que a mudança é necessária e benéfica ao cidadão, o legislador alterou o design normativo para prever que todos nós estamos automaticamente cadastrados (opt-in) e aqueles que discordam ainda podem pedir sua exclusão (opt-out).

Para o servidor público, o cenário não é muito diferente. A falta de recursos financeiros, a burocracia (que não afeta negativamente apenas o cidadão, mas também o próprio servidor que quer inovar) e o alto custo de errar (consequências pessoais, políticas e sociais, pois qualquer erro afetará um grande número de pessoas) são limitadores reais. Contudo, há espaço real para a utilização de ferramentas jurídicas e de design para obter resultados mais eficientes e humanos para a sociedade.

Outro exemplo. Em decorrência da crise econômica de 2008, a cidade de Detroit tinha aproximadamente 40.000 casas abandonadas que geravam problemas de segurança pública e saúde. Em 2014, a prefeitura iniciou um projeto de demolição dessas casas, mas as famílias vizinhas não conseguiam informação sobre o calendário de demolição ou se teriam preferência na compra do lote. Resultado: um programa correto que gerava um volume gigante de reclamações da população.

A solução encontrada pela prefeitura foi buscar estudos sobre o “design da experiência de esperar”. Estudos que avaliaram computadores da década de 1980 que eram os mais rápidos da sua geração, mas que não eram percebidos como rápidos pelos consumidores. Para solucionar a “impressão” que o consumidor tinha desses computadores, designers criaram a hoje famosa barra de atualização (vide abaixo). Por opção de design, as barras de atualização (i) mostram a evolução do trabalho que ocorre “nos bastidores” e (ii) demoram um pouco mais no início que no final (gerenciamento de expectativa). Resultado: consumidores com a impressão que seus computadores se tornaram mais velozes.

Diante dos referidos estudos, a cidade de Detroit criou o “Neighborhood Improvement Tracker” que apresentava ao cidadão um mapa (vide abaixo) com o calendário de demolição e diversas outras informações. O resultado foi um aumento considerável no nível de satisfação da população com o programa governamental.

Toda essa discussão nos aponta para uma conclusão: a sociedade precisa de engenheiros sociais (advogados e servidores públicos) dedicados a buscarem a solução mais eficiente (e.g., avaliem e determinem a demolição de casas abandonadas ou a existência de cadastros positivos) e designers sociais (e.g., avaliem e desenhem a experiência do usuário do serviço de demolição ou proponham a melhor forma de implementar um cadastro positivo).

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Eric Hadmann Jasper
Design+Sociedade

Advogado. Professor de direito econômico e empresarial. Autointitulado especialista em histórias de terror e pretenso boxeador amador