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A sociedade é maior que o design

Victor Guerra
Design+Sociedade
Published in
5 min readSep 3, 2019

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Entrei no design em parte por descaso, em parte por visão. Na época do vestibular eu tinha poucas certezas: não faria os cursos que os adultos chatos tentavam me empurrar — por pura pirraça mesmo — e nem faria nada que não fosse criativo. Minha estratégia não era das mais inteligentes: fingir que o problema não existia e esperar por uma inspiração divina de última hora.

Meu amigo Fábio tinha um plano para mim. Ele me perguntou por que você não estuda design? Mas eu não entendia o que diabos era design. Segundo ele, designers eram profissionais que projetavam foguetes, carros e coisas maneiras. Bingo! Uma luz se acendeu na minha mente naquele momento, e o caminho ficou claro. Imaginar coisas fantásticas, desenhar muito, criar coisas épicas? Pareceu ótimo!

Depois de uma década insana, na qual compras de mercado na Casa da Banha mais pareciam uma gincana contra os reajustes frenéticos da inflação, o que poderia dar errado? Era uma época em que R$1,00 era suficiente para lanchar uma coxinha, um refri e ainda um sacão de balas. A sociedade estava em progresso. Eu faria o desenho do meu próprio foguete e voaria com o braço na janela ouvindo É o Tchan! antes do mundo saber quem era Elon Musk.

Entrei de cabeça no design, mas demorei bastante para entender o que ele realmente significava. Para mim, era sobre desenhar sonhos de consumo que pessoas ricas compravam enquanto as não tão ricas passavam vontade. Eu enxergava um quê de luxo no design. Eu estava errado. Não passei na prova de habilidade específica justamente por isso, apesar de ter feito bons desenhos.

Guardei meus desenhos de foguete e fui pesquisar o DNA do design. Estudei assuntos como história da arte e tecnologia, revolução industrial, ciência, tecnologia, urbanização, psicologia, globalização. Como deveríamos fabricar bens de consumo com qualidade, belos, desejáveis, viáveis economicamente, em grande quantidade usando máquinas e mão de obra sem habilidades artísticas? Esta foi a questão que originou o design enquanto disciplina criativa.

Arquitetos, artesãos, pensadores, engenheiros, inventores, cientistas inventaram o design. Criaram uma disciplina que atendesse às novas necessidades e possibilidades da sociedade. Um híbrido das artes e ofícios com ciência, economia, processos. Houve entusiasmo, mas também rejeição. Muitas possibilidades se abriam, mas muitas estruturas se desfaziam. Houve muito questionamento sobre responsabilidade social na época. A humanidade já fazia design há muito tempo. Não com este nome, não no mesmo contexto, não na mesma escala e tampouco com os mesmos métodos. Esse tal de design como o conhecemos é algo novo, resultado da modernidade.

Me ensinaram que design era mais que desenho. Design, de acordo com o designer industrial Victor Papanek, é o esforço consciente e intuitivo para impor ordem significativa. É desígnio, projeto. E também aprendi que design era sobre desenvolver novas soluções, relevantes para as pessoas e viáveis economicamente.

O grande designer italiano Bruno Munari mudou ainda mais a minha visão quando propôs que fazemos design até quando planejamos a agenda semanal. Definitivamente design não é só sobre os resultados, mas, principalmente, sobre mentalidade e processo criativo. Desde a sua origem, o design é sobre colocar o ser humano no centro, entendendo os desejos, necessidades, motivações e contextos das pessoas usando produtos. É também sobre entender de negócios, economia, tecnologia, requisitos e limitações e sobre usar o conhecimento como fundamento para criar soluções — produtos ou não — cuja forma, conteúdo e comportamento sejam úteis, usáveis, desejáveis e, ao mesmo tempo, viáveis economicamente e exequíveis técnicamente.

Li livros sobre criatividade e metodologia de projeto e Bruno Munari me ajudou de novo quando mostrou que todo design nasce de uma necessidade e que é preciso definir e detalhar o problema antes de desenhar uma solução.

Mais recentemente, Tim Brown e seus colegas propuseram que o design — enquanto modelo de pensamento e método — é grande demais para ficar restrito aos designers. Estes são poucos e muito ocupados em atuar em suas áreas de especialidade. Surgiu o design thinking, uma proposta para que qualquer pessoa aplique o design para solucionar necessidades de qualquer natureza. Não sabemos qual o seu futuro, mas é possível dizer que isso abriu novas portas no imaginário e tem influenciado fortemente a maneira como produtos e serviços estão sendo desenvolvidos no mundo inteiro.

Em vez de uma busca estética, o design se tornou uma ferramenta estratégica de negócios para criar, adicionar e comunicar valor.

Eric Hadmann Jasper disse no seu último artigo do Design+Sociedade que todo mundo pode ser designer social. Vibrei com essa parte. Para mim, todo mundo é criativo e pode potencializar sua criatividade com o design. E quando tivermos milhões de designers atuando em seus contextos sócio-econômicos, resolvendo problemas e desenvolvendo soluções de sua comunidade, aí sim, poderemos falar de inovação e progresso.

O design thinker é generalista, é uma pessoa que sabe guiar pessoas na construção de pontes entre necessidades e soluções. É possível o método de design em qualquer contexto, desde que haja um esforço para entender qual é o contexto, quem são as pessoas envolvidas, quais necessidades têm estas pessoas, para envolvê-las no desenvolvimento de soluções que façam sentido para elas, haja testes, aprimoramento e compartilhamento de conhecimento e tecnologia. O design surgiu como um híbrido e continua fiel à sua versatilidade, integrando ferramentas de pesquisa e desenvolvimento de diversas áreas do conhecimento.

Depois de tudo isso, dá para pensar que somente designers profissionais podem fazer design? Cada um dos 7 bilhões de humanos cria soluções para seus problemas todos os dias, desde o dia em qua nasceram! Todos somos, em algum grau, designers. Design é uma habilidade, não uma profissão. Vivemos em um momento em que é possível e necessário que mais pessoas se comprometam a criar soluções para os desafios humanos, econômicos, políticos e ambientais. Quanto mais designers, melhor.

E o que é esse tal de designer social? É quando um cidadão percebe os problemas da sociedade, decide fazer algo para mudar a própria realidade, se dispõe a pesquisar e a desenvolver caminhos efetivos de mudança social.

Será que isso se faz sozinho? Certamente é uma decisão individual, íntima. Porém é um trabalho coletivo. E será que basta saber design para inovar a sociedade? Acredito que é preciso entender também de política, engenharia social, psicologia, economia, sociologia e outras disciplinas que ainda identificaremos ao longo do projeto D+S, que nasceu com o intuito de investigar o que é necessário sabermos e fazermos para criarmos modelos melhores para a vida em sociedade.

Será, Eric Hadmann Jasper, que não deveríamos todos nós, humanos, como seres sociais, entender um pouco de ciência política para nos tornarmos verdadeiramente cidadãos em uma democracia, desenvolvermos uma nova forma de olhar a sociedade e criarmos nossos próprios "Palácios do Povo"?

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Victor Guerra
Design+Sociedade

Sou um designer com fome de mundo e navego em diferentes universos para criar caminhos para deixar a vida melhor e mais bela.