O que é o Design+Sociedade?

Eric Hadmann Jasper
Design+Sociedade
Published in
4 min readJul 15, 2019

A ideia do projeto Design+Sociedade é realizar um diálogo público entre designers e os diversos tipos de engenheiros sociais brasileiros (advogados, gestores públicos, políticos e outros). A cada quinze dias publicaremos um novo texto e, nesse diálogo, esperamos que os designers possam observar e aprender sobre novas áreas que poderiam se beneficiar das ferramentas da sua profissão. Para os engenheiros sociais será uma oportunidade para entender melhor essas ferramentas e esses seres etéreos que são os designers. E calhou que a responsabilidade por dar o pontapé nessa conversa ficou com o elo mais tedioso dessa cadeia: um advogado. Mas não se desesperem, o próximo texto será do designer Victor Guerra.

Minha relação com o design começa quando ainda se chamava desenho industrial. Mas comecemos pela história contemporânea. Em meados de 2015 dei aulas de propriedade intelectual para turmas de design da Universidade de Brasília e sempre me recordo com alegria de uma aula em que eu tentava explicar a diferença entre direito autoral e propriedade industrial. Disse aos alunos que o direito considera que arte não tem função e deixei o circo pegar fogo. A ideia é, na verdade, de que o direito entende que obras de arte tem função estética e invenções tem aplicação industrial, mas é muito mais divertido espezinhar os alunos.

Para os alunos de direito, sempre fiz a conexão com o design ao descrever a história das poison pills do mundo societário e como o advogado deve usar a criatividade e estruturar soluções jurídicas com as necessidades e as limitações dos clientes em mente. As poison pills são cláusulas inseridas em estatutos sociais de empresas com ações negociadas em bolsa de valores que servem para tornar uma eventual aquisição hostil mais cara e, portanto, dar maior poder para a diretoria negociar valor para os acionistas. Foram criadas pelo advogado norte-americano Martin Lipton na década de 80 e tornaram seu escritório, antes uma pequena banca de Nova York, um dos escritórios mais famosos do mundo.

Tudo isso me leva ao livro Design do Dia-a-Dia de Donald Norman. Descobri o livro de Norman durante a leitura do hoje clássico Nudge do jurista Cass Sunstein e do Nobel de economia Richard Thaler. Ao utilizarem diversas reflexões e sugestões do livro do Norman, os autores abriram as portas para um novo mundo para mim.

O livro de Norman é um clássico do design ao ponto de portas com defeito de design serem chamadas de “portas de Norman”. Sabe quando você empurra uma porta para abri-la, mas a porta “era de puxar”, essa é uma “porta de Norman”. Como diz Norman, chapas de metal dizem ao ser humano “empurre”, maçanetas dizem “gire” e, adivinhem, puxadores indicam “puxe”. Design centrado no usuário sempre levaria essas propriedades, ou como denomina Norman essas affordances (i.e., propriedades percebidas de um material que indicam como ele deve ser usado), em consideração.

O nome do livro e o exemplo que dei poderiam dar a impressão que os princípios do design são valiosos apenas para o mundo do consumo, mas Norman descreve diversos exemplos de mau design resultando em acidentes em plantas de energia nuclear (design equivocado nos comandos e botões de emergência) e acidentes aéreos e com automóveis.

Analisando erros de design em objetos quotidianos, Norman extrai princípios de design. Para o autor, o bom design é composto por um bom modelo conceitual somado ao princípio da visibilidade e à existência de feedback. O modelo conceitual de um objeto, por sua vez, é composto pelo bom relacionamento entre affordances, coerções (i.e., limites colocados aos usuários, como, por exemplo, em uma tesoura, onde o tamanho dos dois buracos limita o número de dedos que você pode inserir) e mapeamento (i.e., relacionamento entre as ações do usuário e a resposta do objeto, por exemplo, se você gira o volante para a esquerda, o carro vira à esquerda).

O princípio da visibilidade está diretamente relacionado à necessidade de feedback ao usuário. As peças e comandos de um objeto devem estar visíveis e passar a mensagem correta ao usuário, incluindo a devida resposta às ações executadas. Sabe porque você aperta inúmeras vezes o botão para chamar o elevador? Porque provavelmente quando você apertado o botão, o design não te informa que o comando foi recebido e que o elevador está à caminho (e.g., alguns elevadores mais modernos acendem uma luz de fundo no botão após você apertar e te informam em qual o andar o elevador se encontra).

Se mesmo com bom design você continua apertando o botão do elevador compulsivamente, sugiro buscar um psicólogo. Isso me leva a uma interessante observação de Norman: “se um erro é possível, alguém o cometerá”. De acordo com Norman, o designer deve presumir que todos os erros humanos possíveis vão ocorrer e fazer seu projeto de modo a minimizar a possibilidade de erros ou os efeitos desses erros. Erros devem ser fáceis de detectar (visibilidade e feedback novamente), ter consequências mínimas e, se possível, ser reversíveis.

Imaginem que maravilha não seria nosso sistema a jurídico se o Congresso, as autarquias com seu poder normativo e o Poder Judiciário levassem em consideração os princípios acima ao realizar o design de normas! O Poder Executivo também poderia utilizar essas ferramentas na elaboração de políticas públicas. E por que não os advogados, ao buscarem o Judiciário ou proporem soluções jurídicas aos seus clientes, pensassem dessa forma? Em uma visão micro do design, por que não escrever de forma simples e direta, escolher conscientemente a fonte, espaçamento e formatação geral do texto para que o leitor utilize melhor o seu produto? O bom ou mau design de uma petição (ou de uma política pública) pode ser a diferença entre vitória e derrota (ou sucesso ou fracasso).

(O presente texto é uma versão atualizada do artigo publicado no blog www.ehjasper.com)

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Eric Hadmann Jasper
Design+Sociedade

Advogado. Professor de direito econômico e empresarial. Autointitulado especialista em histórias de terror e pretenso boxeador amador