As bibliotecas que precisam inovar

Paula Macedo
Design Thinking para Bibliotecas
7 min readAug 21, 2015

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Porque ainda temos bibliotecas? Porque precisamos de bibliotecários? Porque bibliotecários fazem as coisas que fazem?

David Lankes começou assim um congresso de biblioteconomia recentemente. Ele critica a posição de ficarmos às voltas no “como” — Como podemos fazer as nossas atividades de sempre de um jeito melhor e inovador — enquanto deveríamos estar nos perguntando os “porquês”. É daí que sairão os questionamentos sobre se devemos continuar realizando certos serviços e certos “comos” nas bibliotecas.

Tá na moda ~ já faz um tempo ~ confabular sobre o futuro dos bibliotecários e das bibliotecas. O blog Bibliotecários Sem Fronteiras tem publicado opiniões interessantes à respeito. Pessoalmente, apesar de não estar no ambiente tradicional de bibliotecas, nunca deixei de me considerar bibliotecária, exatamente porque acho que trabalhar com experiência do usuário (mesmo em interfaces digitais) tem tudo a ver com biblioteconomia.

Hoje fazemos uma reflexão sobre as bibliotecas que precisam inovar no recorte do projeto de design thinking para bibliotecas que estamos desenvolvendo. (porque esse assunto dá muito pano pra manga).

Bibliotecas ruins fazem coleções, bibliotecas boas realizam serviços e bibliotecas excelentes criam comunidade.

do David Lanke também ( do artigo que a Dora traduziu aqui.)

David fala da “Biblioteconomia Participativa” — “Participatory Librarianship” — que é o bibliotecário como mediador de conversas, que interage com as comunidades e apoia as pessoas em suas necessidades de informação. Ou, como o Caruso aborda de forma ainda mais poética — o bibliotecário é aquele que projeta Experiências Intelectuais em uma instituição que se firmou como democratizora da inteligência.

Uma das correntes do design que convergiu para o que hoje chamamos de design thinking é exatamente o design participativo que surgiu nos países escandinavos na década de 60. É quase um modelo político de empoderamento do usuário, pois o cerne de sua ideologia está na democracia clássica — o intuito é desenvolver uma sociedade harmônica por meio do envolvimento de todas as pessoas que fazem parte dela.

Interessados contemplados em um processo de design participativo (daqui)

O design participativo se propõe a envolver todos os interessados (empregados, consumidores, cidadãos usuários finais) no processo de design, o objetivo é assegurar que a solução final atenda às necessidades atuais e seja utilizável para o público alvo

Foi inspirado no entendimento da comunidade e sua dinâmica que o sistema de Bibliotecas Públicas de Deschutes, em Oregon, por exemplo, inovou na maneira de oferecer serviços para seus usuários. Os funcionários, que viraram “bibliotecários comunitários” saíram para ruas e começaram a participar das organizações civis.

A biblioteca se espalhou e ocupou outros ambientes da cidade e foi diversificando seus serviços pensando nas necessidades das pessoas, alguns exemplos:

  • Criar exposições de Artes, clubes de leitura com autores, aulas de computação espalhadas por aí,
  • Ter um programa de serviços em temas como segurança o trânsito, auto-defesa e prevenção de incêncios
  • Fazer a Segunda-feira Criadora — encontro onde as pessoas se reúnem para fazer de tudo, desde hobbies humildes até produtos tecnológicos sofisticados com equipamentos de impressão 3D.
  • Colocar caixas com livro nos pontos de ônibus escolares pra aquietar a criançada na volta pra casa.
  • Prover aquele impagável silêncio que só uma biblioteca vazia e bem comportada tem para os mais velhos que tanto o apreciam, abrindo as portas mais cedo só para eles.
  • Entregar os livros para os estudantes diretamente em suas escolas.

Se há essa tendência da biblioteca sair do prédio, tem a tendência de o prédio da biblioteca ser mais que o conceito tradicional de biblioteca. São as bibliotecas como “makerspaces” — espaços usados para as mais diversas atividades, cursos e serviços relacionados à informação, cultura e desenvolvimento de habilidades de pesquisa e uso de novas tecnologias. Há quem diga que elas serão o centro de criação de novas tecnologias ao se equiparem com impressoras 3d e outras ferramentas.

Biblioteca como makerspaces

E não é só de fora que vem exemplos para inspirar. Nós estamos coletando os cases que nos chamam atenção e um deles é da Biblioteca da Mell, uma garota de 7 anos que está coletando livros para criar uma biblioteca no interior de Alagoas.

É essa sede genuína de cultura que nos inspira no dia a dia

Estamos aqui falando da reinvenção das bibliotecas, mas o que estamos buscando mesmo neste momento é inovar as bibliotecas que já existem.

De acordo com o toolkit que estamos estudando é possível inovar em diversos aspectos nas bibliotecas:

  • Programas : Atividades e Eventos — é um bom lugar para criar coisa diferente. Os bibliotecários já estão acostumados a promover atividades de promoção de leitura e uso dos recursos da biblioteca, há muito pano para manga para chacoalhar essas atividades.
  • Serviços: O processo de design thinking pode ajudar especialmente na remodelação dos serviços oferecidos pela biblioteca — na maneira como ela articula as tecnologias disponíveis e as necessidades das pessoas.
  • Espaços: O ambiente físico influencia a maneira como as pessoa sentem e como se comportam. Criar novas experiências nos espaços da biblioteca não referem-se apenas à cores de paredes, dá para pensar em vários tipos de novas interações e fluxos nos diversos ambientes da biblioteca. (às vezes até ir além do espaço dela).
  • Sistemas: Em larga escala os sistemas devem atender à diversos interesses, necessidades em uma rede. Por exemplo — sistemas bancários, cidades e, claro os sistemas de bibliotecas. Projetar sistemas significa integrar serviços interdepentendes para ter impacto. Os desafios consistem em estratégia de alto nível definindo prioridades, políticas e comunicação.

Para você que está interessado no nosso projeto e chegou até aqui, te conto agora nosso avanços.

Já realizamos 4 encontros e algumas visitas à bibliotecas. Tínhamos o desafio de encontrar a biblioteca que seria nosso laboratório, e para isso selecionamos com carinho algumas para conhecer.

Encontro Bibliotecários Thinkers, onde decidimos a biblioteca laboratório

Nosso critério era listar bibliotecas bem diferentes entre si — a Ana trouxe opções de Bibliotecas Públicas, Bibliotecas Escolares e Bibliotecas Comunitárias.

Com o coração apertado escolhemos apenas 3 e nos dividimos para fazer nossa primeira investigação.

  • Biblioteca Cassiano Ricardo (pública em São José dos Campos)
  • Biblioteca ETEC Carlos de Campos (escolar do Centro Paula Souza)
  • Biblioteca do CICAs (comunitária do centro cultural CICAs)

Nos preparamos para o nosso primeiro campo e fizemos uma guia para as observações.

Aqui você pode ver nossa preparação para essa etapa e aqui o roteiro de observação que usamos para investigar as bibliotecas.

Visita às bibliotecas candidatas, Luciana e Gilberto conversando com Juninho do Cicas

No terceiro encontro dividimos nossas impressões sobre as bibliotecas e já fizemos uma pré-análise para decidir qual biblioteca iríamos atuar, levando em consideração alguns aspectos como: a biblioteca ter um problema a ser resolvido, estar aberta para o nosso projeto, ser possível de criar um case escalonável para outros contextos, ter impacto social, ter potencial de inovação e ser um desafio pessoal interessante.

A biblioteca escolhida foi a do CICAs um centro cultural independente que fica uma ocupação no parque Edu Chaves aqui em São Paulo.

É um centro muito voltado para a música, a biblioteca fica no palco — literalmente — e os meninos Rafael e Juninho, um dos idealizadores do projeto estão cheios de vontade e ideias para fazer uma coisa muito legal por lá.

Nos próximos posts vamos contar como foram as visitas à essas três bibliotecas tão diferentes e as reflexões que fizemos à partir desse contato e como está se desenhando nosso desafio lá no CICAs.

Vocês estão todos convidados para acompanhar essa aventura, lá no Facebook contamos também sobre esse desenrolar.

Há muitas bibliotecas que precisam inovar. Escolhemos três e agora uma.

E assim vamos, reinventando a biblioteca e nós mesmos.

Boa viagem :)

Material para acompanhar

apresentação para tarde de projetos na insitum e papo ixda, contando sobre esse início do nosso projeto

Para ler

CHICK, Ane, MICKLETHWAITE, Paul. Design for sustainable change: how designers can drive the Sustainability Agenda. Singapore: AVA Book Production, 2011.

LANKES, David. (2011). The atlas of new librarianship. Cambridge, MA: MIT Press

Melinda Gates and IDEO Toolkit. Design thinking for libraries. http://designthinkingforlibraries.com/

Artigos citados

Bibliotecas como makerspaces. http://portaldobibliotecario.com/2015/07/20/bibliotecas-como-makerspaces

Libraries Are the Future of Manufacturing in the United States. http://www.psmag.com/nature-and-technology/libraries-are-the-future-of-manufacturing-in-the-united-states

Qual é a finalidade do trabalho bibliotecário? http://bsf.org.br/2015/08/19/qual-e-a-finalidade-do-trabalho-bibliotecario/

Uma Biblioteca de boas ideias. https://indexadora.wordpress.com/2015/08/17/uma-biblioteca-de-boas-ideias/. Tradução da Dora do artigo do The Atlantic.

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Paula Macedo
Design Thinking para Bibliotecas

15+y humanizing technologies. Senior Design Lead at Nubank empowering people and fighting against complexity in finance services *Personal opinion only*