Repensando Design (ers)

Jaakko Tammela
designdasa
Published in
6 min readNov 29, 2021

Versão original em Inglês publicada no UX Collective em 11/Out/21

Litografia de M. C. Escher intitulada Drawing Hands. Impresso pela primeira vez em janeiro de 1948. Retrata uma folha de papel, da qual emergem duas mãos, no ato paradoxal de atrair uma à outra à existência.
M.C Escher. Drawing Hands, 1948.

Ano passado completei 20 anos como designer profissional, e, durante esse tempo, tive a oportunidade de me envolver em projetos de diversas naturezas — de lanchas a novos negócios, de uma única peça de Design (física e/ou digital) a todo um ecossistema. Sim, foram muitos desafios! No entanto, o que me deixa mais feliz quando olho para trás são todas as pessoas realmente incríveis com quem tive a oportunidade de trabalhar! Obrigado a todas elas. ❤

Se eu levar em consideração apenas designers (e profissionais que não são designers por formação, mas apresentam uma atitude de Design), eu diria (baseado em um cálculo aproximado*) que deve passar de mil o número de pessoas com quem trabalhei. E por que esse número é tão importante? Porque eu o utilizarei como fonte de dados para apresentar minhas reflexões neste artigo.

O mais importante primeiro: Design

Se pesquisar “Design” no Google, você poderá encontrar vários conceitos, mas, como a ideia aqui não é entrar em um debate, vou trazer três definições complementares que acredito abranger todas. O primeiro é de Bryan Lawson em seu livro “How Designers Think”:

“Design é tanto um substantivo quanto um verbo e pode se referir ao produto final ou ao processo”.

_Bryan Lawson

Com base nessa frase, podemos entender o Design como um artefato — uma cadeira, a capa de um livro ou um aplicativo — , mas também como ato: o processo de criar algo.

A segunda frase é de Mario Fioretti, ex-Diretor de Design e Inovação da Whirlpool LATAM, com quem tive o prazer de trabalhar e de quem ouvi, não me lembro exatamente quando nem onde:

“Design é a capacidade de resolver um problema. Mais do que isso, é a capacidade de criar encantamento”.

_Mario Fioretti

Design é função e beleza ao mesmo tempo. É sobre subjetividade e racionalidade. Em outras palavras, Design é dualidade. Ele vive entre ideias, conceitos, mundos e diferentes formas de pensar: é uma conexão.

A terceira e última frase é de László Moholy-Nagy, pintor húngaro, fotógrafo e ex-professor da escola Bauhaus.

“Design não é uma profissão, mas sim uma atitude”.

_László Moholy-Nagy

Ser designer é mais do que treinamento e qualificação técnica. Está relacionado a uma forma de agir, pensar e ver o mundo. É tão (ou mais) relacionado às habilidades interpessoais. Ou melhor, o equilíbrio de tudo isso.

Um Design ainda mais dinâmico

Com base nessas frases, pode-se dizer que três componentes principais compõem a estrutura do Design: o primeiro — o resultado do Design (“c”) — está relacionado a sua capacidade de impactar os negócios e a vida das pessoas. Em segundo lugar, o processo de Design (“b”) se refere à dinâmica de divergir perspectivas/abordagens para, então, convergir em uma solução possível. Por fim, o designer (“a”) — indivíduo que realizará um processo de Design para alcançar um resultado (Design).

Três elementos compõem a imagem. A primeira ilustra uma pessoa sem gênero e abaixo dela uma letra ‘a’ entre parênteses. O segundo são duas formas de diamante em sequência, referindo-se ao ‘processo de design de diamante duplo’ e abaixo dele a letra ‘b’ entre parênteses. O terceiro e último, um cubo em perspectiva isométrica, e abaixo dele está a letra ‘c’ entre parênteses.
Uma estrutura básica de design

(c) Resultados
Designers são conhecidos como solucionadores de problemas, mas também estamos nos tornando cada vez mais formuladores de problemas. Ou seja, ajudamos pessoas e instituições a reformularem suas questões para, depois, buscar soluções. Em outras palavras, não começamos com um problema definido, mas sim, com ele ainda pouco claro, geralmente com dados parciais ou apenas sinais da consequência dele.

Como temos um início difuso, podemos ter resultados infinitos. Conforme mencionado, como designers, criamos uma única peça ou todo um ecossistema. Dito isso, a ideia de beleza não ficará restrita apenas a uma forma, mas também a rituais, sobre como podemos harmonizar processos para criar valor.

Valor para o negócio? Não somente. Para as pessoas com certeza, mas, principalmente, para a sociedade e para o planeta. Temos que ultrapassar os limites do presente e abraçar a ideia do futuro. Não podemos nos restringir a impactar apenas o hoje, precisamos pensar em gerar impacto no amanhã e entender os reflexos de nossas ações e decisões como designers -- criadores que impactam bilhões de vidas.

(b) Processo
Para refletir essas novas possibilidades de resultados, o processo de Design foi alterado para ser mais aberto. Ele passou de um modelo “deixa eu ter minha grande ideia sozinho e depois eu volto” para outro, baseado no “vamos entender (e aprender) juntos em como chegar a um resultado”. Ou seja, mais “nós” e menos “eu”.

Então, chegam ao fim os "heróis do Design". Em seu lugar, surgem as equipes de Design, multidisciplinares, formadas por uma mistura de designers treinados e "profissionais que atuam como designers" que trabalham juntos e mergulham em um contexto em busca de uma solução. O processo criativo tornou-se encorajador: uma jornada que convida os outros a navegar pelo desconhecido, a assumir riscos e a imaginar um futuro. O "nós projetamos para" ficou para trás. Agora, "nós projetamos com" -- com outros, com clientes, com consumidores.

Para trabalharmos juntos, precisamos dialogar e incluir o maior número possível de pessoas nesta conversa. Nós, como designers, temos o dever de quebrar a lógica do homem branco que projetou o mundo até hoje. Precisamos abrir espaço e/ou capacitar outras pessoas para pensar um contexto com mais vozes, perspectivas e realidades. Não há verdade absoluta, então não deve haver uma visão absoluta do mundo.

(a) Designer
Para construir algo em equipe, como coletivo, não podemos nos guiar apenas por nossas intuições, mas também (ou principalmente) por dados e fatos. Por isso, o Design baseado em dados deve ocupar o mesmo espaço do Design baseado na intuição, que nos trouxe até aqui. Os designers terão que desenvolver suas habilidades criativas e analíticas ao mesmo nível e simultaneamente. Teremos que aprender a trabalhar com a análise de números com a mesma intensidade com que moldamos as formas.

Se trabalhar à vontade com o desconhecido pode ter sido um diferencial, hoje isso é imperativo. O mais importante, todavia, será a capacidade de liderar e guiar os outros nessa mesma direção. Como incentivar a seguir um caminho que nenhum de nós conhece? Criando um espaço de troca e confiança onde todos participam e decidem. Nesse sentido, ser um mentor, um treinador, um aprendiz, um humano será muito mais importante do que ser um designer.

O desafio vai além da capacidade de adquirir novos conhecimentos e/ou habilidades técnicas. É preciso desenvolver novas atitudes. Por natureza, designers são fanáticos por controle e precisarão trabalhar mais como curadores, questionando a realidade contextual para abraçar diferentes opiniões e, assim, criar realidades flexíveis.

Uma conclusão temporária

Como disse no início deste texto, esta é uma reflexão baseada nos meus últimos 20 anos profissionais e que está longe de terminar. Ela, no entanto, me ajuda a observar o que está acontecendo ao meu redor. Para ilustrar esse pensamento, fiz o quadro abaixo.

À direita está um círculo amarelo com o texto ‘atitude de design’. Este círculo está dentro de outro, em cinza e com o texto ‘conversação de design’. quatro linhas saem do círculo cinza à esquerda. A primeira linha ‘átomos’, a segunda ‘bytes’, a terceira ‘ritual’ e a quarta ‘idéias’. Essas quatro linhas cruzam três linhas pontilhadas na vertical. A primeira, mais próxima do círculo ‘como ler’, a segunda ‘como expressar e a terceira’ como dialogar ‘.
Tradução da imagem: Design (atitude), Design (conversa), Átomos, Bytes, Rituais, Ideias, Como Ler, Como Expressar, Como Dialogar.

A esfera “atitude” de Design refere-se à mentalidade que precisa ser desenvolvida. É a base de ser designer e não apenas de ter formação em Design. Fora do círculo, a esfera “conversa” de Design está relacionada a novas habilidades (técnicas e humanas) que ajudarão equipes fixas (ou não) a criar um terreno comum para uma linguagem única.

Desta forma, será mais fácil ler o mundo, expressar-se e dialogar com ele, provavelmente criando novos linguagem, símbolos, artefatos, rituais e ideias. Longe de tentar encontrar uma resposta, este texto se propõe mais a levantar questões. Afinal, o mundo muda, o Design muda, e, diante dessa realidade, sempre gosto de me perguntar: estou mudando na mesma velocidade?

* Cinco anos como professor de graduação, com média de quatro turmas por ano e 30 alunos por turma: 600 alunos. Dois anos como professor de pós-graduação, com três turmas por ano, com 20 alunos por turma: 120 alunos. O total de alunos gira em torno de 720. Trabalhei em quatro empresas diferentes com uma média de 40 designers em cada equipe: 160 profissionais. E meus últimos dois empregos, mais de cem designers cada. (Não estou levando em consideração quantas pessoas saíram (e entraram) dessas equipes durante esse período, nem quaisquer aulas com menos de 32 horas, projetos paralelos ou freelancers).

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Jaakko Tammela
designdasa

Design executive helping companies connect with people. English is NOT my first language. www.jaakko.com.br