A ocupação dos espaços públicos em meio a arquitetura brutalista do Centro de São Paulo.

Fernando Alves
DesignUrbano
Published in
5 min readMar 20, 2019
Ciclovia e MASP / Av. Paulista. São Paulo, SP

A arquitetura brutalista de São Paulo é um dos motivos que dá a cidade a fama de feia e o apelido de selva de pedra. Em meio a estilos arquitetônicos que remetem ao racionalismo, ao neo clássico e ao ultra moderno, destaca-se em São Paulo seus grandes prédios com concreto aparente, viés funcional, simplicidade nas formas geométricas e ausência de adornos, suas pontes e viadutos que cortam a urbe e as grandes avenidas. Tudo isso junto dá a impressão de que blocos de Lego foram encaixados pra criar uma cidade imponente e monstruosa. Caminhar em São Paulo é como estar numa cidade de gigantes. E você não é um deles.

Isso tudo remete à metade do século passado, onde, inspirados por Le Courbusier e suas obras na Europa, arquitetos brasileiros como Vilanova Artigas e Lina Bo Bardi projetaram grandes prédios que até hoje são ícones da cidade (MASP, Sesc Pompeia, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, etc) e pela Escola Paulista, que se jogou no estilo brutalista.

Nos últimos anos, São Paulo vem passando por uma mudança complexa de pensamento da sua população. As novas gerações já não se interessam tanto por uma cidade bruta e fria, o carro já não é mais item essencial, todo mundo quer morar no centro, mesmo que dividindo um apartamento de 2 quartos com mais 5 pessoas. Se antes a cidade era vista apenas como o clichê de uma cidade pra chegar e fazer dinheiro, hoje as pessoas aspiram qualidade de vida e um lugar saudável pra viver. O que fazer então com uma cidade que foi construída sobre o preceito da individualidade do carro e não para o pedestre?

OCUPAR!

As grandes cidades do mundo estão em completa transformação da relação cidadão-cidade. Essa transformação é a maior similaridade entre grandes metrópoles como Nova York, Tóquio e São Paulo, por exemplo. A busca do que a arquitetura urbana já existente nessas cidades pode oferecer para melhorar a perspectiva da sua população em qualidade de vida.

As pessoas já têm a compreensão de que a rua é espaço público, uma extensão da sua casa. Ninguém quer mais se trancar dentro de casa e ver a cidade apenas pela janela. Ninguém quer mais se enfiar dentro de shopping. Não há mais espaço para uma cidade individualista quando as pessoas optam pela coletividade.

Praça Roosevelt, Centro de São Paulo, após a reforma.

A Praça Roosevelt, local no centro de São Paulo conhecido pelo movimento artístico e cultural, é um inveterado exemplo do que um espaço privilegiado pela localização e pela arquitetura urbana pode se transformar. Se antes era um local deteriorado, de prostituição, ponto de drogas e conhecidamente riscoso, após as obras de revitalização a ocupação urbana deu uma outra cara à praça. Não que seja, agora, irrealizável comprar drogas na praça ou que você esteja plenamente livre de ser furtado, mas com a mistura de tribos convivendo em harmonia e eventos públicos de cultura e lazer recorrentes, a praça tem uma nova cara, um ar de segurança e ganhou uma outra importância pra cidade.

<<Eu mesmo indico uma passadinha por lá final de semana à noite de vez em quando. E em todas as noites de carnaval. Virou um dos melhores lugares da cidade. Se alguém me vir por lá, me dê oi e bebemos uma cerveja!>>

Praça Roosevelt, Centro de São Paulo, antes da reforma.

Em São Paulo podemos ainda citar vários exemplos de que a arquitetura urbana vem contribuindo para a ocupação de espaços antes não apropriados. O Minhocão, que já é aberto em alguns horários para pedestres, agora vai virar, a exemplo do High Line em NY, um parque suspenso - se alguém me dissesse anos atrás que vai subir no viaduto pra tomar um sol eu ia rir e agora acho o máximo. Há também a Paulista Aberta, o Largo da Batata, a Praça Benedito Calixto, o Largo do Arouche, etc.

Elevado Presidente João Goulart - Minhocão. São Paulo, SP.

O senso coletivo que vem tomando conta das metrópoles alinhada à arquitetura urbana dessas cidades vem de mãos dadas às necessidades que esse pensamento invoca. Os espaços foram se modelando com o tempo de uma forma em que não há mais condições de se ampliar, apenas de se transformar.

Bicicletas e patinetes compartilhados, serviços de táxis divididos, espaços de coworking se multiplicando, wi-fi aberto em tantos pontos da cidade, o avanço das linhas de metrô, o uso do transporte público, telhados verdes e hortas urbanas repartidas.

Todos esses são exemplos de que não há mais espaço para o individualismo nas grandes cidades, que após crescimentos desordenados, agora se colocam em busca de soluções para que todos convivam em coletividade alinhando a vida pesada da grande cidade com a qualidade de vida que a população exige. A cidade agora é nossa.

Av Paulista. São Paulo — SP.

Adendo: A relação de São Paulo com os Espaços Públicos ao longo dos anos.

Quadro retirado do artigo Arquitetura, cidade e projeto: uma construção coletiva, de Mauro Calliari, 2014.

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