ANÁLISE SOBRE CADEIRA DE RODAS: DESENVOLVIMENTO DE MODELO CONCEITUAL 3D

Fernando Alves
DesignUrbano
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12 min readMay 14, 2024

O estudo completo foi entregue a Fatec — Tatuapé e publicado como Artigo Completo no XI Encontro Científico do GEPro — Grupo de Estudos de Produção (ISSN: 2238–8370)​​​​​​​

Resumo

A cadeira de rodas é um item essencial para aumentar a participação social das pessoas com mobilidade reduzida. Neste campo, diversos são os modelos e materiais que podem ser utilizados, sendo de suma importância que as necessidades de cada usuário sejam avaliadas. O objetivo deste estudo foi propor um modelo conceitual 3D de cadeira de rodas monobloco. Para o desenvolvimento do modelo primeiramente foram analisadas as necessidades dos usuários através de entrevistas com cadeirantes e posteriormente, foi realizada uma pesquisa de mercado através de pesquisas em sites de revendedores do produto, e entrevistas com empresas fabricantes de cadeiras de rodas. A partir da identificação das necessidades dos cadeirantes e das análises dos aspectos a serem melhorados pelos fabricantes de cadeiras de rodas, descreveu-se os requisitos para o modelo conceitual 3D de uma cadeira de rodas monobloco. Do ponto de vista técnico, o modelo atende as necessidades de maior conforto no que se refere a postura, a prevenção de lesões e a mobilidade e na ótica do design, o modelo apresenta as linhas leves e mais orgânicas, que são tendências que agem diretamente sobre a autoestima do usuário.

Introdução

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), publicada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 17,3 milhões de brasileiros (8,4% da população) apresentam algum tipo de deficiência física. A pesquisa detalha que dentre estes, 7,8 milhões possuem algum tipo de deficiência nos membros inferiores, onde quase 47% desse total possuía grau intenso ou muito intenso de limitações.

Um dos dispositivos assistivos mais utilizados para melhorar a mobilidade pessoal é a cadeira de rodas. Ter uma cadeira de rodas adequada faz com que o usuário tenha qualidade de vida, possa frequentar lugares diversos, estudar e trabalhar, permitindo-lhe acesso a maior bem-estar social e econômico. De acordo com SILVA (2018), dos diversos modelos de cadeira de roda, destacam-se as monobloco, que são mais indicadas para usuários ativos e mais independentes e as em X, indicadas para usuários que são mais dependentes de outras pessoas.

Não existe uma cadeira de rodas universal, que seria adaptável a todos os pacientes que necessitam de uma. Isso porque existem diversos fatores que podem levar uma pessoa à necessidade da cadeira de rodas e nem sempre, o paciente é adequadamente instruído sobre o tipo de cadeira de rodas que melhor vai se adaptar a ele ou tem condições financeiras para adquirir tal produto. Dentre os mais conhecidos fatores que levam um paciente à necessidade da cadeira de rodas estão a paraplegia e a tetraplegia. A paraplegia é um termo médico que designa o paciente que não pode movimentar ou sentir os membros inferiores, enquanto a tetraplegia corresponde àquele paciente que perde os movimentos dos membros superiores, inferiores e do tronco (ARAÚJO E MENDES, 2006).

Nesse contexto, há de se pontuar que, de acordo com pesquisas, 30% de todos os dispositivos de tecnologia assistiva (TA) são abandonadas pelo usuário nos primeiros 5 anos de uso devido problemas relacionados a má adequação, qualidade etc., acarretando impactos negativos tanto para o indivíduo quanto para o sistema nacional de saúde (COSTA, et al. 2010). Ergonomicamente, nem sempre os dispositivos de TA são adequados ao paciente, dessa forma, o item que deveria promover qualidade de vida, pode acabar virando um problema adaptativo.

Objetivo

Diante da necessidade de identificar os principais requisitos dos usuários de cadeira de rodas, o objetivo da atual pesquisa se deu em propor um modelo conceitual 3D de cadeira de rodas monobloco.

Como objetivo específico, temos:

-Levantar os incômodos dos usuários no que se refere a ergonomia, materiais e design.

-Criar um protótipo 3D de cadeira de rodas monobloco conceitual.

Metodologia

Nesta pesquisa foi realizado um estudo exploratório de cunho qualitativo sobre cadeiras de rodas a fim de identificar as principais necessidades dos usuários de cadeiras de rodas e propor um modelo conceitual 3D de cadeira de rodas monobloco. Além da pesquisa bibliográfica, foi realizada pesquisa de campo que favoreceu a investigação acerca de quais as técnicas utilizadas na produção de mobiliário hoje poderiam ajudar no desenvolvimento deste projeto.

O grupo de participantes selecionados para a análise é composto por pessoas cadeirantes e pessoas que trabalham com cadeira de rodas.

O levantamento e coleta de dados se deu em duas etapas: (a) análise dos usuários e (b) análise do mercado.

O modelo projetual 3D da cadeira de rodas foi desenvolvido seguindo a ordem proposta: (1) Definição das necessidades básicas, análise mercadológica e características principais do produto; (2) Alternativas de design; (3) definição da melhor solução e a incorporação das características básicas do produto; (4) Desenvolvimento dos modelos 3D e desenhos técnicos com as medidas básicas.

Revisão Bibliográfica

Escolher o tipo ideal de cadeira de rodas para o usuário é uma tarefa que exige cuidado e atenção. O objeto precisa ser o ideal para determinado tipo de deficiência, contribuindo para uma melhor qualidade de vida deste e minimizando problemas relacionados com o uso. Sendo assim, uma cadeira de rodas adequada, que seja leve, funcional, de valor acessível e que minimize os problemas que as pessoas usuárias de cadeira de rodas podem vir a enfrentar, como a úlcera por pressão, que são áreas localizadas de isquemia e necrose tecidual, que se desenvolvem pela compressão prolongada dos tecidos moles entre proeminências ósseas e a superfície externa (ROCHA, et al. 2006), problemas relacionados com dores nas costas e desconforto do encosto (BASSO, 2013), dificuldade de funcionamento de órgãos internos e curvatura da coluna devido o afrouxamento dos músculos abdominais (MORAES E PEQUINI, 2000), se faz essencial para o bem estar do usuário e para que todos possam ter acesso.

Cadeira Monobloco

A cadeira de rodas monobloco, de acordo com a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) — Relatório n° 52, é uma cadeira indicada para pessoas com perda de autonomia que mantenham força e habilidade para impulsioná-la e que mantenham controle do tronco. Sua concepção visa dar maior independência ao usuário, levando em consideração o transporte, o peso e a mecânica quando comparada a cadeira de rodas manual simples, chamada também de cadeira tradicional. São cadeiras que fecham com o encosto rebatido sobre o assento, formando um L. Com peso reduzido, é a cadeira mais recomendada para paraplégicos.

Biomecânica da propulsão na cadeira de rodas manual

Estudos têm demonstrado que o uso contínuo da cadeira de rodas manual acaba por desenvolver uma série de lesões por esforço repetitivo, desfavorecendo a mobilidade do usuário (CURTIS et al, 1999). Curi e Ferretti (2020) identificaram uma série de estudos que demonstram que as lesões de ombro, cotovelo, punho e mão são comumente relatadas por usuários de cadeira de rodas, destacando-se as lesões no ombro que são as de maior prevalência. Esses problemas causados ao usuário podem ser avassaladores, pois estes dependem dos membros superiores para se locomoverem, sendo assim, faz-se indispensável um trabalho projetual a fim de minimizar esses aspectos.

Os efeitos das forças mecânicas exercidas pelo corpo humano são essenciais para compreender locomoção em cadeiras de rodas manuais. Medola (2013) identificou uma série de estudos que demonstram que o impacto sobre os membros superiores do usuário de cadeiras de rodas manuais está atrelado a força exercida; as mudanças inerciais no início, na frenagem e nas curvas; a velocidade de locomoção; e a influência da superfície e da pressão nos pneus.

Design e estética

O design pode trazer a sensação transformadora de alívio e bem-estar, melhorando a qualidade de vida do usuário. Jordan (1999) apud Tonetto e Costa (2011) investigou diferentes fontes de prazer relacionadas a objetos. Propôs que elas podem ser fisiológicas (sensações corporais), psicológicas (sensações relacionadas ao ‘eu’), sociológicas (interação social) e ideológicas (estimulação sensorial).

De acordo com Bonsiepe (1984), o desenho industrial determina todas as características do produto com relação ao usuário para a fabricação em série, levando em conta a funcionalidade e os atributos estéticos-formais que contribuem tanto para a melhoria da qualidade de uso de um produto quanto da melhoria da qualidade estética deste.

Resultados e Discussão

Para todos os usuários entrevistados, o conforto é a principal reclamação, pois uma cadeira confortável costuma custar muito caro. Neste caso, como conforto podemos entender que eles consideram principalmente o assento, o encosto e o peso. O design também aparece como questão importante para a adaptação do usuário àquele produto.

Os entrevistados usuários de cadeiras de rodas concordam que as cadeiras precisam de melhorias, a fim de trazer um melhor design e uma melhor mecânica para adequação e desmontagem. Para a Participante 2, a cadeira ideal deveria ser totalmente desmontável, facilitando guardá-la, por exemplo, dentro do carro. A entrevistada também destaca que linhas mais leves e um menor peso seria ideal. A Participante 3 destaca que sua cadeira de rodas é como se fosse uma extensão do seu corpo. Dessa forma, o ideal é que ela fosse bonita e leve. Para o Participante 1, as cadeiras mais baratas “são muito ruins e desconfortáveis, acho que precisam ser mais resistentes e confortáveis, até porque ficamos praticamente o dia inteiro numa”.

Cada pessoa cadeirante possui suas próprias necessidades, visto que diferentes lesões e motivos levam um indivíduo a necessidade da cadeira de rodas. Dessa forma, diversas são as opções de materiais para cada componente de uma cadeira, sendo importante que as cadeiras de rodas possam ser adaptadas para cada usuário, o que gera um alto custo por causa da necessidade de personalização.

De acordo com o Fornecedor 1, seria muito difícil diminuir custos de uma cadeira de rodas monobloco sem que baixasse também a qualidade. Dessa forma, pessoas que necessitam de cadeiras de rodas deveriam ter maiores incentivos governamentais para adquiri-las. Entre os Participantes 1, 2 e 3, pode-se notar também que há uma reclamação quanto aos altos custos da personalização e uma necessidade de que bons materiais e designs atraentes sejam mais acessíveis.

Na análise de mercado, pode-se perceber que os modelos mais utilizados atualmente de cadeiras de rodas são similares em configurações e estética, apesar da variação de preço, que pode começar por volta dos dois mil reais e ir até por volta dos dez mil reais. Desta forma, encontra-se oportunidade para a criação de modelos que se diferenciem no design, a fim de suscitar estudos e adequação para produtos diversificados. Foram analisados modelos das principais fabricantes (Ortobrás, Ottobock e Ortomobil e Jaguariba) e chegou-se a conclusão de que em estética e design, não há um investimento de inovação por parte dessas marcas.

Necessidades, requisitos e especificações iniciais.

Após o levantamento de dados, foi possível definir algumas necessidades, requisitos e especificações para este projeto, relacionados ao design e conforto do produto, conforme mostra a Tabela 1.

Geração de Alternativas

A geração de alternativas se dá a partir da análise dos dados levantados e dos requisitos apresentados. Neste momento, todas as ideias foram registradas para uma melhor compreensão e para que não se perdessem ao longo do processo. Foram feitos desenhos simples, com o uso de lápis, caneta e papel apenas para ilustrar as ideias iniciais, conforme Figura 1.

Desenvolvimento Conceitual do Modelo 3D

É essencial para o usuário que a adequação postural na cadeira de rodas traga conforto, eficiência e segurança, facilitando sua adaptação à sociedade e melhorando sua qualidade de vida. Dessa forma, é muito importante que o usuário tenha prescrita por profissionais o modelo de cadeira de rodas que mais se adequa às suas necessidades.

Seguindo os parâmetros básicos de medidas apresentados na norma NBR ISO 7176–7 (ABNT, 2009), elaborou-se o modelo de cadeiras de rodas monobloco conceitual em 3D com as seguintes medidas, conforme Figura 2.

Considerando a pesquisa realizada e a geração de alternativas, desenvolveu-se o modelo 3D a partir do software Blender, que permitiu uma melhor visualização das ideias propostas.

Com as imagens em 3D, é possível perceber o sistema bipartido com regulagem de altura e inclinação do encosto e o assento anatômico com caimento para trás considerando melhor conforto, além da indicação de estofado com espuma de alta densidade na sua composição, tecido antiderrapante e impermeável, curvaturas que proporcionem conforto e protuberâncias para encaixe das pernas, conforme as Figuras 3, 4 e 5.

A partir daqui, apresenta-se os modelos 3D renderizados, conforme figuras Figuras 6 (Perspectiva da peça com e sem braço), 7 (Vista frontal e traseira) e 8 (Desmontagem)

Conclusões

Neste estudo foi realizada uma análise de cadeira de rodas a partir de pesquisa bibliográfica e análise de mercado, em que foi possível identificar as características dos modelos mais usados atualmente e quais os materiais e tecnologias têm se destacado; e análise de usuários, podendo entender diretamente com os participantes quais eram as suas principais necessidades no que diz respeito a conforto, ergonomia e design. Tais análises subsidiaram o desenvolvimento de um modelo conceitual de cadeira de rodas em 3D.

Do ponto de vista técnico, pode-se analisar a necessidade de maior conforto no que se refere à postura, à prevenção de lesões e à mobilidade. Do ponto de vista do design, as linhas leves e mais orgânicas são uma tendência que agem diretamente sobre a autoestima do usuário.

Estudos futuros podem contribuir para o aprimoramento do projeto aqui apresentado, tendo em vista que são diversas as novas tecnologias que surgem dia após dia. Uma vez que estudos em design e ergonomia são desenvolvidos com usuários de cadeiras de rodas, pode-se dizer que a contribuição social deste trabalho visa colocar em foco problemas que estão relacionados com a população cadeirante e seus objetivos de maior qualidade de vida e suscitar ideias para que o desenvolvimento de design para tecnologia assistiva tenha um maior engajamento.

Referências

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