Utilidade e Significado: Uma resenha do capítulo 3 do livro Design, de John Heskett
Escrevendo de forma um tanto informal, John Haskett traz um livro introdutório cuja proposta é mostrar como o design, do nosso cotidiano às novas tendências mundiais relacionadas à globalização e ao capitalismo, está sendo construído a partir de novas formas de criação.
Este livro questiona a subordinação ao ideal da elite. Que grandes inovações um designer trabalhando em uma agenda social pode trazer para a humanidade? Alguns exemplos são mesmo dados e episódios relatados, como o caso do Japão que se desenvolveu industrialmente ao ponto que investia em escolas de design.
Haskett foi um escritor e palestrante britânico sobre o valor econômico, político, cultural e humano do design industrial. Tendo sido professor no Institute of Design da Illinois Institute of Technology (1989–2004) e na School of Design da Hong Kong Polytechnic University (2004–11), Heskett escreveu diversos livros que vieram a ser consideradas contribuições significativas para o estudo da história do design, para o estudo da política de design e, posteriormente, para a articulação teórica e aplicada do valor econômico criado pelo design. Dentre estes, está Design, de 2005 e objeto de análise desta resenha.
Procurando destrinchar o uso da palavra função no design, John Heskett, em seu livro Design, inicia o capítulo 3 utilizando-se dos conceitos de utilidade e significado como recurso para tal. Dessa forma, o autor se utiliza do conceito de Sullivan do final do século XIX para sintetizar a máxima de que a forma segue a função.
A forma segue a função é um princípio associado à arquitetura modernista do século XX e ao design industrial, que diz que a forma de um edifício ou objeto deve estar primariamente relacionada à sua função ou propósito pretendido. Nas décadas de 30 e 40, designers industriais como Loewy, Norman bel Geddes e Henry Dreyfuss trabalharam a partir das contradições do “a forma segue a função”.
A partir do princípio de “Most Advanced, Yet Acceptable”, Loewy dizia que o usuário não aceita bem um produto que parece muito complicado ou muito diferente daquilo com o que ele já está acostumado. Dessa forma, o designer precisa implementar pequenas mudanças gradualmente para fazer seus consumidores se acostumarem aos poucos com alguma coisa. Um exemplo disso é o que a Apple faz com o iPhone. A empresa entrega mudanças graduais aos seus usuários, mantendo a interface minimamente familiar para evitar estranhamento e facilitar a adaptação. O autor conversa com esse princípio até mesmo quando dá o exemplo de Darwin, linkando a evolução da vida na terra com uma impossível dissociação da forma decorativa a função de design. Em contrapartida, Heskett propõe que “em contraste com o mundo da natureza, a vida humana é frequentemente inspirada e motivada por sonhos e aspirações, e não apenas pela praticidade”.
Assim, o autor mostra que um produto não deve abrir mão da parte estética para atentar-se apenas à praticidade, pois os usuários são seres motivados por sentimentos que fazem ir além da função. Para além da questão técnica, filosoficamente podemos citar aqui, por exemplo, que Marx já ensaiava sobre esse tema em O Capital, de 1867, quando dizia que, a partir de diversos motivos citados, o produto pode exercer um feitiço sobre o indivíduo, discussão que ganhou mais forma na questão cultural com Adorno e Horkheimer, a partir do livro Dialética do Esclarecimento em 1947.
O autor segue o texto com referências a teóricos e designers para discorrer sobre o uso, ou não, de referências do passado no design a partir do século XX e como isso poderia influenciar na produção em massa de produtos, sendo então uma discussão que permeou a área em torno do termo “função”. A partir disso, entendo que, com a reprodução em massa, os produtos perdem parte do seu estado de devoção, sendo então o funcionalismo colocado em destaque. É o que Baudelaire exemplifica em “A perda da auréola”, de 1869, sobre como o desenvolvimento dos meios de produção a partir da Revolução Industrial de meados do Séc. XIX levou a uma profunda transformação na arte e na cultura na sociedade, fazendo com que a visão artística já não fosse mais tão importante.
Ao dar as definições do título deste capítulo, o autor descreve a “utilidade” como sendo a qualidade de adequação do uso e o “significado” como símbolos dos costumes e dos sentimentos do usuário. Podemos perceber então que se faz muito difícil separar ou dar mais ou menos importância a esses dois conceitos, pois eles estão totalmente entrelaçados e se fazem importantes quando trabalhados juntos.
A utilidade mostra que determinado produto tem um papel a cumprir e qual papel é esse, de forma direta e que seja de fácil assimilação para o usuário. Dessa forma, para além do exemplo da faca dado pelo autor, podemos citar qualquer objeto feito para uso cotidiano. Para Lobach (Industrial Design, 1976), a função prática dos produtos de design pode ser avaliada segundo a sua usabilidade. Sendo assim, a utilidade está diretamente ligada ao conceito de eficiência, a partir do momento em que se empreendem recursos para alcançar os objetos propostos de usabilidade.
O significado tem a ver com a maneira com que determinado produto é assimilado pelo usuário ou pela sociedade. Sendo assim, um objeto pode ocupar um status tanto pessoal, de sentimentalidade, como pode se tornar um ícone da cultura de um povo, como é o Hashi, por exemplo. Aqui, o significado tende a ter mais a ver com expressão e sentido, o que conversa com o conceito de função estética de Lobach, onde estética não diz respeito à imagem de um produto, mas a capacidade de impactar pelo menos um dos sentidos humanos. Geralmente, uma função estética provoca alguma reação do usuário primeiro, justamente por ser menos influenciada por conceitos e necessidades.
Ainda assim, como o autor exemplifica, diversos produtos podem ser definidos apenas pelo seu valor de utilidade (serrotes, aparelhos médicos) ou significado (joias, porta retrato). Porém, apesar de serem definidos de um ou outra forma, ambas estão consideradas no desenvolvimento do produto. O texto leva a discussão sobre qual o valor de determinado produto e fica claro que o valor que esse produto carrega está atrelado ao seu tempo e a quais os valores compartilhados dentro de certa comunidade. Os objetos, tanto em funcionalidade como em significado, têm valores diferentes em cada cultura, sendo importante que se respeite as particularidades de cada um. Somos indivíduos que comemos de formas diferentes, nos vestimos de formas diferentes, nos relacionamos de formas diferentes e consumimos de formas diferentes. A Globalização, citada no texto em paráfrase de Theodor Levitt, não nos torna indivíduos iguais, ela nos aproxima e faz com que possamos nos inserir em culturas diferentes.
Após a leitura desse capítulo, ficam claras as questões que remetem a função e as questões significativas do produto, aqui reproduzidas como utilidade e significado. O texto disserta sobre o papel do produto nas sociedades permeando a cultura de forma clara e concisa, resultando numa conversa interessante com o leitor sobre a história, o papel e o poder do design no desenvolvimento dos objetos.