Semana 1 — Uma releitura nunca é só uma releitura

Laura M.
desleiturasemsérie
5 min readNov 9, 2016
fonte: http://pt-br.desventurasemserie.wikia.com/wiki/Beatrice_Baudelaire

Mesmo com o passar dos anos, eu ainda me lembrava da mania que Violet tinha de prender seus cabelos com uma faixa para raciocinar melhor. Reler Desventuras em Série é mergulhar na minha adolescência de um jeito que eu não sei se estou pronta. Principalmente em relação aos primeiros livros, tudo ali me parece muito familiar. Até hoje, com 27 anos, sorrio pra mim mesma quando estou precisando ficar mais concentrada e prendo meus cabelos.

Mau Começo abre a série de 13 livros. Hoje olho pra ele com um certo alívio, pois me parece tão pequenininho ali na estante. As letras grandes e um espaçamento dos sonhos para leitores cansados. Quando o li pela primeira vez, contudo, ele me parecia muito maior. Quem me arranjou esse livro foi minha tia bibliotecária. Ela sempre tinha um mundo de livros em sua casa e nós sempre ganhávamos livros de natal ou de aniversário. No começo, nós, os sobrinhos, achávamos chatos, mas com o tempo fomos nos apaixonando mais e mais pela leitura. Ela criou pequenos monstrinhos devoradores de livros.

Mas, ela me deu apenas um dos livros de uma série que eu nem sabia quantos mais teria. Quando terminei de ler tive aquela empolgação que só uma boa série nos proporciona: eu queria mais. Aquela história trágica contada por um narrador diferente de tudo que eu já tinha lido me deixou encantada, por mais mórbido que isso possa soar. O que significou toda uma época de ansiedade para os próximos lançamentos e toda uma criatividade pra convencer minha mãe a comprar mais um livro sobre a vida desgraçada de três órfãos.

A edição que eu tenho em casa do Mau Começo é de 2001, então devo ter lido por volta dos 12 anos. Tenho uma vaga lembrança de ter relido os primeiros volumes, mas não sei se é sonho ou realidade, então é como se eu nunca mais tivesse tocado nesses livros. Agora, com quase trinta anos, volto a eles. E é sobre esse retorno que eu quero falar.

Reler livros já é uma coisa que me deixa sempre cheia de sentimentos. Quando eu tô passando pelas barras dessa vida, por exemplo, a primeira coisa que eu faço é pegar um Salinger pra reler, porque encontro em seus livros algum sentimento de lar, de segurança e isso me conforta, me faz seguir em frente. Revisitar uma leitura é, de certa forma, voltar no tempo. Ou pelo menos sair da rotina automática do nosso cotidiano e voltar pra época em que você tava lendo aquela obra pela primeira vez.

Nesse caso é ainda mais maluco, porque eu li esses livros quando eu era adolescente e por mais que eu tente pensar que isso foi há pouco tempo, estamos falando aqui de mais ou menos 15 anos atrás. É mais do que o dobro da idade que eu tinha quando fiz a primeira leitura. Bastante tempo, né? Isso me deixou até um pouco assustada, talvez eu não tivesse pensado muito em como o tempo passou. Falando com a Seane sobre essa maratona, contei pra ela como fico sempre pensando em como seria estar lendo esses livros pela primeira vez agora. Seria algo totalmente diferente, claro, mas será que eu gostaria? Quando digo que gosto muito das Desventuras em Série minha fala tem muito de uma memória afetiva. Os livros — e nessa época, principalmente essa série e Harry Potter — foram (e são) meus grandes companheiros. Eu não tinha tantos amigos assim quando era mais nova e minha vida não me parecia tão interessante quanto essas aventuras. Era através da literatura que eu vivia meus dias.

Os dois primeiros livros da série são ainda mais especiais. Porque são as histórias que eu me lembro com detalhes (inclusive, estou começando o quarto livro ansiosíssima porque não lembro de mais nada!), são neles que eu mais me sinto em casa. Talvez por causa do filme os enredos tenham sobrevivido ao tempo ou talvez porque o começo tenha uma intensidade diferente de todo o resto, só sei que enquanto lia me lembrava das piadas, dos diálogos, de quase tudo. No terceiro livro você já está familiarizado com a história e a dinâmica dela, o que é mesmo surpreendente é o início.

Em Mau Começo entendemos quem são os órfãos, como eles se relacionam e qual é o conflito que vai ditar o ritmo de toda a série. A Sala dos Répteis nos mostra que a dor e sofrimento dessas crianças não é uma exceção, mas sim o que vai haver de constante em suas vidas (ou pelo menos é essa a impressão que o narrador quer nos dar). É curioso perceber que quando perdem a certeza da família e do lar, os Baudelaires se vêem diante de uma outra certeza: a de suas desventuras. Embora eles mesmos não formulem essa constância, ela está dada livro após livro.

Nos dois primeiros livros estamos ainda nos habituando com a falta de sensibilidade e teimosia do Sr. Poe, com a tendência — incrivelmente real — que adultos tem em ignorar as crianças, com o diálogo constante que narrador estabelece com nós leitores, com a brevidade dos momentos felizes dos Baudelaires. Queria lembrar como era ler esse tipo de livro com 12 anos, quando eu conhecia tão pouco de literatura e não sabia que poderia saber o fim do livro antes do fim ou então que o narrador falaria tantas vezes comigo. Pode ser que venha daí a força da série, por reconhecer em uma literatura infanto-juvenil a necessidade de histórias que vão além do final e sua moral. Porque o interessante nessa história é que o fim importa muito menos do que o desenvolvimento dele. A gente sabe que vai ter tristeza, mas a gente não consegue imaginar como essa tristeza vai se dar. Reside aí, talvez, a graça de toda essa desgraça.

A partir de hoje, pelo nosso cronograma, iniciamos a leitura dos livros três, O Lago das Sanguessugas, e quatro, Serraria Baixo-Astral. Semana que vem teremos texto do Marco Rigobelli sobre a leitura desses livros. Em tempos tão difíceis, em que as desventuras dessas crianças parecem brincadeira perto da nossa realidade, vamos nos unir nessas leituras para tentar segurar as barras de se viver nesse mundão.

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