Semana 5 — Antes só do que mal acompanhado
No meu primeiro texto contei como tinha uma certa familiaridade com os primeiros livros da série — apesar de ter lido todos. Minha memória não ia muito além do quarto livro a não ser por uma lembrança pontual aqui ou ali. Foi a partir do quinto livro, então, que essa maratona de releitura ganhou ares de primeira leitura. Chegou um momento em que eu simplesmente não sabia mais o que iria acontecer e eu achei isso maravilhoso, porque, ao contrário dos primeiros livros, quanto menos me recordava das histórias mais envolvida ficava com a leitura. Envolvida do tipo torcendo para certas coisas acontecerem e sofrendo com os desdobramentos quase sempre tristes. Reler foi maravilhoso, mas ler sem saber (ou sem lembrar) o que vai acontecer tem sido tão divertido quanto.
Lá pelo quinto livro ficou óbvio para mim que essas crianças teriam muito mais chances de qualquer coisa se fugissem de seus tutores e do Sr. Poe. Era tão evidente que sozinhas elas se dariam melhor que se tornou um martírio ter que aceitá-las indo de um lar para outro. Mas, mesmo sabendo que isso tudo é ficção, me vinha a questão: elas realmente sobreviveriam sozinhas? É sempre bom lembrar que por mais fantástica que seja a literatura, é bastante absurdo pensar em três órfãos vagando sozinhos pelo mundo enquanto são procurados por assassinato e perseguidos por um vilão e sua trupe. De qualquer forma, deixando qualquer preocupação de lado, eu queria muito que eles fugissem, ainda mais depois da tentativa frustrada de se ter uma cidade como tutora no sétimo livro. Eles estariam muito melhor sozinhos do que acompanhados.
Foi por isso que eu gostei tanto do oitavo livro, ele finalmente rompe com a dinâmica, que se mantinha até então, de um novo tutor a cada novo livro. Não que essa dinâmica fosse um problema em si, mas depois de sete livros nessa lógica foi revigorante ver alguma quebra de expectativa na série. Embora a repetição de situações seja uma opção do autor e não represente necessariamente um defeito, esse artifício eventualmente cansa. Ele faz com que a história se torne previsível dentro da sua própria previsibilidade fazendo com que a leitura já não tenha o mesmo apelo que tinha no terceiro livro. Saber, portanto, que a partir do oitavo livro eles estão sozinhos é, apesar das tragédias, animador. Nos encontramos com uma realidade nova que pode, mesmo dentro da mesma história, trazer algo de diferente.
Eu também vinha me incomodando com a falta de passagens claras de tempo. Todo esse tempo indo de uma casa para outra e nenhum sinal de que as crianças estavam envelhecendo me deixava meio inquieta — mesmo sabendo que eu não poderia exigir que o autor estabelecesse qualquer referência temporal. Sunny continuava falando em seu próprio dialeto, Violet e Klaus continuavam com as mesmas posturas e ninguém parecia crescer. Por isso, quando Klaus fez aniversário e Sunny esboçou uma caminhada no final do sétimo livro a sensação que eu tive foi de: “finalmente!”. Tive uma espécie de alívio ao ver que eles poderiam crescer, porque isso permitira que seus personagens se transformassem dentro da trama.
A partir do sétimo livro, mas mais forte no oitavo, há uma certa complexificação da relação entre os irmãos — mesmo que tímida, há uma mudança. Nós vemos eles se desentenderem entre si, a ponto de Sunny por duas vezes ter que acalmar os ânimos de Violet e Klaus. Essas situações, ao invés de aparecerem como momentos de fraqueza das personagens, soam, na verdade, como lampejos de realidade. São nesses momentos, em que um irmão se irrita com o outro diante de tanta desventura, que eu consigo finalmente estabelecer uma relação de empatia com essas crianças. Perder os pais é um pesadelo, ter que lidar com tutores vilanescos ou relapsos nesse contexto é um terror ainda maior, mas o que eles vivem está acima de qualquer tragédia que nós possamos conceber. E, ainda assim, por seis livros o que parecia era que eles não iriam, em momento algum, perder a paciência um com o outro. Como se fossem perfeitos heróis, sem nenhum momento de contradição.
Eu gosto dessa tentativa de mostrá-los de uma forma mais profunda, mesmo que timidamente. Gostaria de vê-los ainda mais complexos, menos rasos. Quase no final de O Hospital Hostil há um momento em que, depois de conseguirem escapar das garras de Olaf pela oitava vez, as crianças percebem que são tão bons em enganar pessoas quanto seu inimigo. Violet, então, pondera: “Talvez sejamos vilões, afinal”.
No geral, o oitavo livro parece consolidar esse processo de amadurecimento não só das crianças, mas da história como um todo. Esse livro me parece, na verdade, um momento de transição, para o que virá depois, para um começo do fim. Fica a sensação de que podemos esperar situações e personagens mais complexas conforme a série vai chegando ao seu fim. Por aqui fico ansiosa com a leitura do próximo livro porque, dessa vez, eu realmente não sei o que esperar.
Pelo nosso cronograma, hoje (07) iniciamos a leitura do livro nove, O Espetáculo Carnívoro. Semana que vem teremos texto da Seane Mello sobre a leitura desse livro. Em tempos tão difíceis, em que as desventuras dessas crianças parecem brincadeira perto da nossa realidade, vamos nos unir nessas leituras para tentar segurar as barras de se viver nesse mundão.