Cabelos e derivados

Sairo Santos
Desnecessairo
Published in
6 min readJun 29, 2016

A adolescência tem muitas fases. Inúmeras, talvez. Você passa dois meses sendo ‘do rock’, uns três meses lendo romances desenfreadamente, uma temporada odiando sua mãe e toda a sua família que não te entende… Tudo enquanto os adultos da sua vida rolam os olhos pra você e guardam aquelas imagens nos porões de suas mentes, planejando feito sádicos como usarão as histórias daqueles momentos de discernimento afetado pelos hormônios da puberdade contra você no futuro. Acredito que eu fiz parte de uma das primeiras gerações que tiveram a oportunidade (ou melhor dizendo, correram o risco mortal) de ter esses momentos eternizados em fotos digitais. Quando eu estava ali pelos 14~16 anos, as câmeras digitais estavam no auge da popularidade, e os celulares com câmera (péssimas câmeras, por sorte) começavam a se tornar acessíveis. Ainda bem que o ‘doido das fotos’ na época era eu mesmo, então a grande maioria das fotos nas quais apareço estão sob minha (e somente minha) custódia. Imagino as agruras que os adolescentes das gerações seguintes, principalmente os que atingiram essa faixa etária já na era dos smartphones, vão sofrer com a existência de registros imagéticos de suas trapalhadas adolescentes.

Eu segui o roteiro certinho, e tive diversas obsessões desde o fim da infância. Sandy & Júnior, Legião Urbana, RBD, Britney Spears, BoA, Linkin Park… Eu costumava dividir as “eras” da minha adolescência de acordo com a minha mais forte fixação musical naquela época, porque eu sempre fui muito ligado em música, mas com o tempo as memórias vão se entrelaçando e eu às vezes nem lembro se uma época veio antes ou depois de outra. Certo dia, enquanto eu esperava os dez minutos necessários pra máscara de nutrição fazer efeito no meu cabelo (sério) e tentava pensar em algum assunto pra abordar num texto, tive uma boa ideia. Vou escrever sobre uma das minhas obsessões adolescentes que “vingaram” até a minha vida adulta: meu cabelo. Não sei como ainda não tinha visto esse assunto tão fértil bem na frente do meu nariz (figurativamente agora, mas literalmente em diversos momentos do meu passado — e possivelmente em vários do meu futuro, pois o ciclo “deixa crescer/corta curto” continua).

Antes de qualquer coisa sobre esse assunto, gostaria de deixar claro que não sou da galera que pensa em ‘cabelo bom’ ou ‘cabelo ruim’. Homem é homem, menino é menino, político é político e cabelo é cabelo. (Referências a músicas de Falcão em dois textos consecutivos. Sorry, not sorry.) Todo cabelo é lindo quando você o “usa” com confiança, e ninguém pode te dizer o contrário. Afinal, ele está na sua cabeça e não na de quem opina sobre ele. As sandices a seguir dizem respeito ao meu cabelo e apenas ao meu cabelo. Qualquer semelhança com a sua realidade é mera coincidência. (Ou talvez seja porque todo mundo é basicamente igual na maior parte do tempo. Que mundo maravilhoso seria se todo mundo entendesse isso, não é mesmo? Enfim.) Prossigamos com nossa programação normal.

O comprimento do meu cabelo é uma preocupação constante na minha mente desde sempre. O grosso da neura começou ali pelos meus catorze anos, quando eu comecei a tomar decisões sobre ele. (Eu e decisões: nunca termina bem.) Até aquele ponto, eu cortava meu cabelo quando minha mãe decidia que era hora de cortar e pronto, mas acho que durante alguma das épocas de rebeldia contra a família eu coloquei na cabeça (pa-dum-tss!) que ia deixar meu cabelo crescer. Mamãe não concordava com aquilo mas eu andava tão revoltado com coisas várias que imagino que ela chegou à conclusão que aquela era uma briga que não valia a pena comprar. Levando em consideração os recursos que estavam disponíveis pra mim naquele tempo, quem estava contra aquela empreitada até tinha razão. Mas eu tinha expectativas completamente inadequadas sobre que aspecto meu cabelo teria quando estivesse comprido. Expectativas essas que foram criadas por uma foto de quando eu era criança.

Essa é a minha mãe. A da direita. Sua direita. Deve ser bom pra vocês ter um rosto pra associar ao personagem agora.

Mais uma vez, minha infância mostra que só serviu para configurar os traumas que eu levaria pra vida inteira. Nessa foto, eu e mamãe estamos sentados num banco em um shopping qualquer em Natal. Lembro bem da situação, porque eu a fiz passar uma vergonha enorme ao dar um escândalo quando fomos nos carrinhos de bate-bate do “parque” do shopping. Eu morria de medo daquelas merdas, entrava em pânico quando alguém batia no meu carrinho e começava a chorar descontroladamente. (Essa neura não vingou, eu acabei me acostumando e passando a apreciar o brinquedo depois de mais alguns anos.) Há uma foto disso em um dos meus álbuns, inclusive. Observem, porém, meu cabelo nessa foto. Liso, brilhante, comportado e com o volume que eu considerava adequado. Eu olhava pra isso e pensava ‘uau, imagina o quanto vai ficar belíssimo quando estiver bem comprido’. Eu já estive muito errado nessa vida, mas essa certamente está no Top 5.

Logo ficou claro que não era bem assim que a banda tocava. Meu cabelo comportado na foto era um oferecimento dos genes da mãe; o cabelo dela sempre foi lindo. Até hoje, cabelo invejável. Mas em algum momento, provavelmente durante minha puberdade, os genes do meu pai resolveram participar da conversa e mudaram aquele paradigma. Digamos que o cabelo do meu pai não está exatamente saindo em comerciais de xampu. O legado que papai vai me deixar quando morrer é: anos de traumas de infância e fibra capilar grossa demais. (Devo admitir que a ideia de ter herdado o cabelo dele não é tão ruim assim, pois ele tem 72 anos e ainda tem a cabeça cheia, sem sinal de calvície. Vamos todos torcer para que eu tenha herdado essa graça.) Meu cabelo não é liso, não brilha e, definitivamente não é comportado nem mantém o volume que eu gostaria. Ele assume a forma que bem entende quando bem entende, quase uma entidade independente.

Mas eu praticava minha adolescência sem amarras, então não ia desistir do meu objetivo de ter cabelo comprido sem espernear bastante. Seguiram, portanto, anos de muita guerra (com armas químicas várias) contra a natureza dos meus fios. E de muitas fotos que hoje servem para ilustrar bem o nível abismal de falta de noção que eu atingi em vários pontos daquela fase da vida. Acessar meu backup de fotos é uma experiência dolorosa em muitos níveis: a vergonha é tamanha que me causa picos de ansiedade e meu pescoço dói de tanto que eu olho pra trás pra me assegurar de que não tem ninguém vendo aquilo e instantaneamente perdendo 100% do respeito que tem por mim (e obtendo material para me chantagear por dinheiro no caso de uma necessidade). Apreciem uma modesta seleção que não aparece nem entre os piores 30%.

Adolescente até o talo. E a minha maior vergonha é o elástico nos hashis.

Eu sei. Mas o tempo é um santo remédio, não é mesmo? Não, não necessariamente. Estou no processo de deixar meu cabelo crescer pela quarta vez, agora tentando assumir a natureza cacheada e volumosa dele. O mundo nunca mais será o mesmo. Vamos ver até onde essa tentativa vai chegar. Então os experimentos continuam até hoje, com resultados que eu só consigo avaliar com alguma claridade pelo menos seis meses depois, mas de vez em quando eu mando bem, vai! [carece de fontes]

Validação de conhecidos no Facebook. De repente, tudo valeu a pena.

--

--

Sairo Santos
Desnecessairo

Escreve quando não está corrigindo provas ou hidratando o cabelo.