LeBron James é o melhor jogador da história

Bruno Fernandes
Destino Riverwalk Brasil
8 min readJun 9, 2018

Nota: criei este espaço sobretudo para falar de San Antonio Spurs, mas eventualmente pretendo falar sobre outros assuntos relacionados a basquete 😎.

Eu me coloco naquela classe de críticos de LeBron James. Pensava que o seu aproveitamento em finais não era digno de um dos melhores jogadores de todos os tempos. Nunca me agradou o fato de ele não ter se testado contra os melhores no Oeste enquanto a conferência de lá pegava fogo. LeBron optou pelo caminho mais fácil. Tantas finais consecutivas só foram possíveis porque ele esteve num Leste enfraquecido após as derrocadas de Detroit Pistons e Boston Celtics. Além disso, a ida para o Miami Heat (“I’m taking my talents to South Beach”) abriu precedentes para a era dos Big 3, algo que para mim aniquilou a competitividade do basquete na era moderna.

As escolhas pelos caminhos mais curtos, a falta de atitude em alguns jogos decisivos (a série contra Dallas em 2011 sempre será o seu Calcanhar de Aquiles) e o seu comportamento arrogante acabaram pesando para que eu olhasse LeBron com um quê de desconfiança — e ele fez por merecer. Contudo, ver tudo o que ele está fazendo neste momento e o que tem feito desde que voltou para Cleveland e continuar minimizando o seu legado é no mínimo burrice.

LeBron carregou o Cavs praticamente sozinho ao título de 2016. Cleveland era mais fraco, tinha um pior técnico, o mando de quadra era do adversário, ou seja, era o camisa 23 contra tudo e contra todos. Mesmo com todo esse cenário contra, LeBron emplacou médias de 29,7 pontos, 11,3 rebotes, 8,9 assistências, 2,6 roubos e 2,3 tocos por partida, com direito a virada histórica (nenhum time na história havia conseguido virar uma série que estava 3–1) e triple-double no Jogo 7 (27 pontos, 11 rebotes e 11 assistências — apenas o terceiro triple-double da história em um Jogo 7 de finais). É óbvio que outros jogadores ajudaram; Kyrie Irving, por exemplo, foi fundamental. Sem LeBron, no entanto, nada disso seria possível.

O título de 2016 foi um marco em todos os sentidos. O primeiro de Cleveland, o primeiro de LeBron em Cleveland, a virada que nunca tinha acontecido antes, o triple-double na final, o toco memorável em Andre Iguodala, todos os ingredientes que tornam essa narrativa uma das mais saborosas da história do esporte. E mais do que isso, foi a primeira vez que LeBron realmente fez o mundo parar para contemplar sua grandiosidade como jogador de basquete.

É claro que antes de 2016 LeBron já tinha construído o seu legado. Ele já era possivelmente um dos cinco melhores jogadores de todos os tempos. Pouquíssimos (ou quase ninguém) o colocavam à frente de Michael Jordan, alguns o colocavam entre os três primeiros e outros o colocavam entre os dez. Embora houvesse divergências sobre sua posição entre as lendas do basquete, era consenso que ele estava entre os maiores.

Depois da virada sobre o Golden State Warriors, contudo, a conversa mudou de figura. Quem antes relutava em colocá-lo entre os três primeiros se rendeu, e hoje é raro ver alguém que discorde desta condição. Aqueles que o consideram maior que Jordan deixaram de ser poucos — e muito menos loucos (esse que vos fala agora é um deles, inclusive). Agora é um grupo numeroso que só tende a crescer à medida que LeBron vai acumulando feitos e estatísticas impressionantes em sua carreira.

Esses feitos sobrepassam a final de 2016, incluem também as finais de 2015, 2017 e 2018, todas elas contra um time que é provavelmente o mais forte que o basquete já viu. É claro que são épocas distintas e é impossível fazer uma comparação justa, mas se Jordan tivesse encontrado esse Warriors tantas vezes pelo caminho, seria seguro dizer que ele não teria conquistado os seis títulos que conquistou. Eventualmente teria vencido uma ou outra vez, mas todas? Tem que ser muito saudosista para acreditar que sim. O Golden State Warriors que estamos vendo hoje vai ser lembrado daqui 50 anos como a potência mais avassaladora da história, o que só maximiza as atuações de LeBron.

A intenção deste artigo não é minimizar Jordan e exaltar LeBron. Pelo contrário. Eu e tantas outras pessoas só estamos escrevendo sobre isso neste exato momento porque o legado de Michael Jordan é tão grande que até pouco tempo atrás era impossível pensar que alguém poderia alcançar tal patamar.

E não foi por falta de candidatos. Inúmeros atletas ao longo dos anos disputaram bravamente o posto de melhor jogador da era pós-Jordan. Tim Duncan, Shaquille O’Neal, Kevin Garnett, Dirk Nowitzki, Kobe Bryant, entre outros. Todos esses foram brilhantes e marcaram época, mas nenhum conseguiu ser de fato comparado ao melhor de todos.

Kobe foi o que chegou mais perto, mas seus últimos anos no Los Angeles Lakers atentam contra o seu legado (foi para os playoffs pela última vez aos 33 anos chutando medíocres 43,9% nos arremessos de quadra). Kobe também nunca foi conhecido por elevar o nível de seus companheiros, um dos pontos fortes de LeBron — os elencos de apoio do Cavs em 2007 e 2018, por exemplo, eram sofríveis e nas mãos Kobe talvez nem chegassem à pós-temporada.

LeBron percorria um caminho semelhante ao de Kobe até 2016 — uma superestrela com algumas imperfeições em seu legado. É curioso notar que a volta de LeBron ao Cavaliers vem junto com uma importante mudança de mindset. Deixamos de ver aquele LeBron obcecado com mídia e imagem e passamos a ver alguém 100% dedicado em se tornar o melhor. Essa alteração de mindset pôde ser observada em pequenos simbolismos, como o abandono da clássica headband. Ao deixar para trás uma de suas marcas registradas desde os tempos de high school, LeBron virou uma página em sua carreira e, por mais clichê que isso soe, foi como se tivesse finalmente se livrado do garoto LeBron James para se tornar o homem LeBron James. Nas palavras dele próprio: “Eu fiz isso (parar de usar headband) porque queria ser igual aos meus companheiros. Queria ser mais um, nada mais, nada menos.”.

Simbolismos à parte, não é só o amadurecimento psicológico de LeBron James que o coloca de igual para igual com Jordan. Seus números falam por si só. Seu jogo evoluiu junto com a sua personalidade. A temporada 2017–18 foi a sua quinta melhor da carreira em número de pontos (27,5), a quarta melhor em aproveitamento dos arremessos (54,2%), a terceira melhor nos chutes de três pontos (36,7%) e simplesmente a melhor em rebotes (8,6) e assistências (9,1). LeBron fechou a temporada regular com quase um triple-double de média, algo surreal para alguém que está na porta dos 34 anos.

Outro ponto que chama atenção na transformação de LeBron James é a sua atitude dentro de quadra. Ele não só potencializou a sua já conhecida qualidade de tornar seus companheiros melhores, como passou a ser mais decisivo no crunch time. Por muitos anos LeBron foi criticado pelo extra pass quando deveria ser a peça crucial. As críticas, embora muitas vezes severas demais, tinham fundamento. Só que isso mudou; das 22 vezes em que Cleveland entrou em quadra nos playoffs de 2018, LeBron marcou dez ou mais pontos no último quarto em nove oportunidades. Dessas nove partidas, em sete ele teve um aproveitamento superior a 50%.

Para efeito comparativo, trago a seguir os números de todos os playoffs em que LeBron chegou a uma final (considerando apenas as partidas em que ele esteve em quadra no último período):

  • 2006–2007: 20 jogos disputados, sete com dez ou mais pontos no último quarto (35% das partidas), cinco com mais de 50% de aproveitamento. Duas dessas performances aconteceram nas finais (50%).
  • 2010–2011: 21 jogos disputados, seis com dez ou mais pontos no último quarto (29% de aproveitamento), cinco com mais de 50% de aproveitamento. Nenhuma dessas performances aconteceu nas finais (0%).
  • 2011–2012: 22 jogos disputados, cinco com dez ou mais pontos no último quarto (23% das partidas), quatro com mais de 50% de aproveitamento. Nenhuma dessas performances aconteceu nas finais (0%).
  • 2012–2013: 22 jogos disputados, cinco com dez ou mais pontos no último quarto (23% das partidas), três com mais de 50% de aproveitamento. Uma dessas performances aconteceu nas finais (20%)
  • 2013–2014: 19 jogos disputados, três com dez ou mais pontos no último quarto (16% das partidas), duas com mais de 50% de aproveitamento. Nenhuma dessas performances aconteceu nas finais (0%).
  • 2014–2015: 19 jogos disputados, oito com dez ou mais pontos no último quarto (42% das partidas), quatro com mais de 50% de aproveitamento. Cinco dessas performances aconteceram nas finais (63%).
  • 2015–2016: 17 jogos disputados, quatro com dez ou mais pontos no último quarto (24% das partidas), três com mais de 50% de aproveitamento. Três dessas performances aconteceram nas finais (75%).
  • 2016–2017: 16 jogos disputados, seis com dez ou mais pontos no último quarto (38% das partidas), todas elas com mais de 50% de aproveitamento. Uma dessas performances aconteceu nas finais (14%).
  • 2017–2018*: 21 jogos disputados, nove com dez ou mais pontos no último quarto (43% das partidas), sete com mais de 50% de aproveitamento. Duas dessas performances aconteceram nas finais (29%).

Esses números mostram uma curva acentuada de crescimento no período de transição entre Miami e Cleveland. Embora na Flórida ele tivesse a ajuda de Dwyane Wade e Chris Bosh (muito mais do que tinha o solitário LeBron de 2007), a dupla sozinha não foi suficiente para derrotar Dallas Mavericks e San Antonio Spurs, respectivamente. Eles precisavam de LeBron James. Na volta a Ohio, contudo, o cenário foi diferente. O suporte que LeBron tinha no Cavs era pior do que o elenco à sua disposição no Heat, e mesmo assim ele conseguiu conduzir o time a um título até então improvável — foi como se os dois anéis conquistados na Flórida tivessem tirado um peso enorme de suas costas e desbloqueado um novo jogador.

LeBron James é um super-herói do esporte, e como qualquer super-herói ele tem seus pontos débeis, especialmente numa época em que o consumo do basquete é bem mais acessível. Hoje você pode assistir qualquer jogo de qualquer atleta a qualquer hora e em qualquer lugar do mundo. Os defeitos estão muito mais expostos e os julgamentos são mais acentuados do que antigamente, então é comum olhar primeiro para os erros para só depois valorizar os feitos — o que é raro de ver com jogadores de outras épocas, principalmente antes da década de 2000.

Some a isso o fator saudosismo, que mesmo inconscientemente acaba pesando neste debate. Para muitos de nós, sobretudo os que hoje têm acima de 30 anos, é doloroso ver alguém (LeBron) pulverizando todos os recordes daquele que provavelmente foi o gatilho para essa geração inteira começar a gostar de basquete (Jordan). Eu entendo e vivi isso. Sou de 1988 e peguei o finalzinho da era Jordan. Se para mim já foi difícil admitir que poderia surgir alguém maior, fico imaginando como alguém mais velho, que acompanhou aquele Bulls mais de perto, deve estar se sentindo.

No meu caso específico, só fui perceber o quanto era insignificante hatear LeBron depois de anos, e quem só perdeu com isso fui eu, que não apreciei a construção do seu legado como poderia. Se você, independente de quem seja o seu maior jogador de todos os tempos, também pensa como eu pensava, sugiro que reflita um pouco e aproveite as últimas temporadas da carreira de LeBron James. Amando ou odiando, só não deixe de desfrutar dos poucos anos que ainda lhe restam.

Por fim, independente da sua admiração por LeBron, só não seja aquela pessoa que reproduz comentários do tipo: “Queria ver ele se criar na época do Jordan quando o pau comia solto”. Isso não só é incomprovável por uma questão temporal, como também é uma das maiores bobagens que já ouvi. Com os atributos físicos que tem, LeBron teria condições de ser ainda mais dominante nas décadas de 1980 e 1990. Atletas como ele, Jordan e tantos outros seriam soberanos em qualquer época da história. O esporte é muito mais do que pancadaria e jogo físico, se trata também de inteligência e adaptabilidade — e isso esses gênios têm de sobra.

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Bruno Fernandes
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Growth Director at @nuvemshop / tiendanube. 🎙 Podcaster no @culturapoppod.