ALFABETIZAÇÃO AUDIOVISUAL

Leonardo Brant
Deusdará Filmes
Published in
5 min readJan 12, 2024

Poderoso instrumento de inclusão e diversidade, o audiovisual explora os sentidos, apresenta diferentes realidades, traduz sentimentos, formas de vida, cria e recria situações, além de projetar futuros. Esse potencial precisa ser melhor explorado por educadores, pais, comunidades e governos.

Os meios de comunicação de massa constituíram, ao longo do tempo, formatos de comunicação fechados e narrativas padronizadas. O resultado disso foi a redução da oferta de conteúdos diversos, impedindo o acesso às infinitas possibilidades de transmissão de histórias e realidades, filmadas por artistas de todo o mundo.

Essas histórias não têm necessariamente heróis invencíveis, celebridades estonteantes, gênios financeiros. Geralmente, falam sobre realidades de pessoas ao redor do mundo, que sofrem, vivem angústias e nem sempre recorrem aos excessos, violência e consumismo desenfreado para resolvê-las.

Os territórios e as paisagens onde essas histórias são contadas são muito variados e as realidades retratadas carregam universos muito distintos entre si. A grande maioria do que se produz dessa modalidade de conteúdo no mundo atualmente é dificilmente embalada e transformada em produto de massa, com sistemas estabelecidos de distribuição e exibição.

São histórias contadas sob o ponto de vista de mulheres, pessoas negras, LGBTQIAP+, com deficiência física e mental, com crenças e vivências que, em vez de corroborar com um universo feito para pessoas consideradas dentro de um “padrão” ricas e nascidas nos países “desenvolvidos”, apresentam várias maneiras de construir e imaginar a vida, a felicidade, o sofrimento e as diferentes formas de lidar com essas questões. Por esse prisma, a pessoa comum é a exceção.

Mas, no mundo real e cotidiano, são as pessoas comuns — das minorias discriminadas às maiorias invisibilizadas — quem consomem esses mundos sem serem apresentados neles. Os estereótipos se multiplicam nas telas. O negro na TV brasileira, via de regra, ainda é confinado a papéis secundários, em posições subalternas, fadado ao insucesso. A comunidade LGBTQIAP+ é tratada como alegoria cômica, coisa bizarra, alguém que não merece viver um caso de amor.

Confinado à oferta de conteúdos televisivos, uma pessoa com deficiência física ou mental, por exemplo, tenderá a enxergar a si mesma como uma espécie de aberração da natureza, um fardo para a sociedade, alguém que não merece buscar a felicidade e a realização pessoal. Alguém que não aparece na televisão e que, em muitos casos, sequer tem acesso a esse conteúdo. Nessa cultura homogênea dos meios de comunicação, tudo o que foge do “padrão” deve ser descartado ou deve-se consumir produtos que “agregam valor” ao ser humano, o que supostamente o aproximaria desse “padrão”.

Disponibilizar esses conteúdos diversificados, fora da programação, é uma tarefa de todos nós, sobretudo aqueles envolvidos com o processo de formação de crianças e jovens, que aprendem facilmente a descobrir o caminho desses tesouros escondidos.

As novas tecnologias de informação e comunicação, abrem possibilidades inéditas de troca e compartilhamento de dados, conteúdos, filmes, vídeos, webcasts e os mais diversos formatos audiovisuais, possibilitando e viabilizando economicamente muitas ferramentas e plataformas que beneficiam a distribuição e o acesso. O resultado disso é que um número cada vez maior de pessoas agora pode usufruir dessas benesses.

Além de disponibilizar essa diversidade cultural é preciso saber produzi-la e distribuí-la. Nossa sociedade precisa aprender a criar maneiras de incentivar a produção e o acesso de realidades diferentes daquelas retratadas pela indústria cultural e, além de lutar pela inclusão dessa diversidade nos meios de comunicação tradicionais, precisa incentivar meios de produção e de assimilação. Atualmente, a conscientização de grupos de indivíduos e a disponibilidade de recursos para a diversidade e o acesso estão presentes. Cabe a nós fazer valer esses direitos. O direito de cada um ver e ser visto, de ouvir e ver. E de ser compreendido.

Um grande movimento em torno dos produtos de entretenimento e cultura atualmente é seu potencial de acesso, embora muitas corporações ainda não tenham aberto seus olhos e ouvidos para essa questão. Como criar esses caminhos aos que precisam de alguma espécie de apoio sensorial? Quais as normas e leis que regulamentam e obrigam que esse acesso seja disponibilizado?

Autonomia é a palavra-chave para a Alfabetização Audiovisual. O cidadão precisa ter acesso e poder escolher como se dará a sua formação por meio dos conteúdos produzidos pela humanidade. A conquista dessa autonomia está ligada ao acesso, à inclusão e ao conhecimento dos processos e meios de produção.

A conquista da independência é outro fator fundamental para todos os cidadãos, sobretudo as pessoas com deficiência. Disso depende a sua capacidade de ampliar seu repertório e construir, por conta própria, os elementos formativos do seu imaginário.

Esses elementos são fundamentais para que as histórias produzidas e difundidas pelos canais de comunicação passem a retratar diferentes realidades e que possibilitem a composição de novas.

Estamos falando de diversidade e acessibilidade, mas isso não se restringe somente à falta de acesso aos meios ou ao significado. Em um tempo ou outro, grupos diferentes sofreram de falta de acesso, seja econômico, político ou social. Basta voltar algumas décadas no calendário para encontrarmos o Apartheid na África do Sul, uma segregação racial sórdida e violenta que durou até 1994, menos de vinte e cinco anos atrás. Mais um pouco e lembraremos que as mulheres não tinham direito a exercer sua cidadania por meio do voto democrático ou que, até o final do século XIX, era possível comprar uma pessoa escravizada no mercado público das cidades brasileiras.

Mas isso não é privilégio do passado. Ainda hoje temos a segregação, a escravidão e outras afrontas à civilidade, cegas aos direitos individuais daqueles que apresentam qualquer tipo do que é visto como “inferioridade”. Cada via de acesso e libertação criada para essas pessoas deve ser comemorada como uma vitória da cidadania. Um dever de todos os que possuem as ferramentas para abrir esses atalhos. Afinal, toda pessoa tem suas próprias características, além de virtudes e fraquezas, mesmo aquelas em cargos de poder, mesmo aquelas fisicamente ditas “perfeitas”.

Diante das novas mídias e de novas ideias, a acessibilidade ganha cada vez mais espaço na sociedade. E a conscientização de que todos nós, de uma forma ou de outra, no presente ou no futuro, precisaremos de vias de acessos para os conteúdos que desejamos e precisamos, é um norte a ser seguido.

* Artigo escrito em 2010 no contexto do filme CTRL-V. Texto atualizado em 2024.

Leia mais: Telas que Educam (de Leonardo Brant)

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