“O que é esse pianinho agora? Vai ter isso em TODAS as músicas mesmo?”

Ander
Respostas Para Perguntas Que Ninguém Fez
5 min readOct 30, 2014

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Fazendo um mea culpa pelos anos em que desprezei o “Neon Ballroom” do Silverchair

Quando se é adolescente e você tem lá suas bandinhas de rock pauleira preferidas (e não precisa ser nada muito pesado, não. Qualquer coisa que já tenha uma distorção mais pronunciada nas guitarras já vale), sempre fica aquela expectativa de que o próximo disco da banda X vai ser mais pesado e destruidor do que o anterior e que “com certeza vai ser muito louco!”. Obviamente, por diversas vezes, essa expectativa só acabava por te decepcionar quando os caras resolviam tomar uma outra direção e dar aquela “amolecida” básica que, uma hora ou outra, sempre acaba rolando.

MAIS DE DUAS MÚSICAS NO DISCO COM GUITARRAS LIMPAS? PASSO.

Pra mim, o Neon Ballroom do Silverchair caiu quase que instantaneamente nessa categoria de discos decepcionantes. Eu adorava o vigor juvenil de “vamos fazer um som aí, galera???!!” do Frogstomp, que injetava a energia necessária para a emulação de Nirvana deles se destacar e ter carisma próprio. Pirava também no disco anterior, o Freak Show. Curtia muito a instrumentação mais “ignorante”, que era valorizada pela produção caprichada de um segundo disco: a robusteza e a clareza das guitarras; o timbre demolidor da bateria. Todos os instrumentos competindo pau a pau em volume e dando um peso que proporcionava uma variedade maior de climas e texturas no arsenal dos manos, embebendo as composições de uma personalidade mais distinta.

Então, quando saiu esse terceiro disco, algo não soava “certo”: toda aquela energia, tão marcante de uma forma ou outra nos outros discos, parecia ter sido diluída. Ao invés dos petardos aos quais estava acostumado, as músicas estavam mais calmas; as guitarras ainda eram pesadinhas, mas não tinham o rosnado de outrora. Era um disco bem menos barulhento e irresponsável do que os anteriores e, tristemente, muito diferente do que eu imaginava como os caras deveriam soar. Assim, nessa minha pretensão adolescente e, sem muita cerimônia, classifiquei o disco como “o disco ruim do Silverchair”.

Rapaz, como fui injusto!
Já faz algum tempo que, cada vez que o ouço, me sinto mais e mais cuzão por ter rejeitado-o de forma tão veemente sem tentar entender qual era exatamente a brisa da banda lá. Ainda acho que é um disco bem irregular, mas hoje consigo enxergar o valor de várias músicas e perceber como, no fim, é uma evolução perfeitamente lógica do que algumas músicas do Freak Show já vinham sugerindo. Em retrocesso, se pensarmos na porção final daquele disco, dá pra perceber claramente em Petrol & Chlorine e Roses alguns embriões do que viria a se tornar o Neon Ballroom. Até a Cemetery, em termos de clima e tom emocional já sinalizava um pouco dessa mudança.

Acho que, de tudo, a diferença que mais se destaca em relação aos outros discos é a inclusão de uma certa teatralidade nas linhas de vocal do Daniel Johns, que melhorou sensivelmente suas habilidades de um disco pro outro, mas também alterou seu estilo pra um lance menos rasgadão e mais virtuoso (que, nos disco seguintes, às vezes beira o flamboyant na insistência em cantar algumas músicas como se estivesse em uma peça da Broadway). Esse virtuosismo também é evidenciado pelo uso das orquestras e pelo piano bem proeminente na mixagem, que ajuda a dar suporte à grandiosidade proposta pelas linhas de voz (deixando as guitarras avassaladoras mais afundadas, para o desgosto do Ander de 15 anos).

Considerando a posição confortável que tinham alcançado no mainstream da época — uma banda com dois discos que renderam diversos hits e posições privilegiadas nos Disk MTV pelo mundo, os caras foram bem ousados em sua ambição; lançando até Emotion Sickness, uma das músicas mais diferentes e longas da carreira deles até então, como um dos singles. Inclusive, ao abrir o disco com esse mesmo som, os caras mostravam que não estavam com medo de abraçar essa dramaticidade toda e, certas vezes, até um certo melodrama, mesmo que às vezes isso significasse flertar perigosamente com a auto indulgência (o que, hoje dou o braço a torcer, raramente ocorre nesse disco, já que o Daniel Johns 2.0 pós anorexia e aula de canto se mostra bem seguro dos rumos que deseja dar para as músicas). A estrutura da própria Emotion Sickness, por exemplo, é bem fora do convencional e se assemelha mais àquela pira narrativa dos progressivos e posts-rocks da vida do que ao framework padrão do, já na época, exaurido pós grunge. Mesmo uma composição mais convencional como a Anthem For The Year 2000 nunca chega a perder o controle do tom emocional do disco ou foge tanto assim da estética proposta pelas músicas mais complexas. Todo o álbum é permeado por uma beleza soturna e meio deprimente, como se, ao compô-lo, o Dani estivesse apaixonado pela Marla Singer de “Clube da Luta”.

Curiosamente, as músicas que nunca funcionaram pra mim e continuam não funcionando são aquelas em que eles tentam se apegar demais ao passado ~grungera deles: a já mencionada Anthem For The Year 2000 e Spawn Again que, embora pesadonas, parecem um pouco desesperadas para gritar “OLHA COMO AINDA SOU ROQUEIRÃO, MOLECADA!!!!” e acabam soando apenas como um xerox pálido da muito superior No Association do segundo disco. Dearest Helpless também não me agrada. Parece uma tentativa desnecessária de fazer algo na linha do “In Utero” justamente no disco em que a proposta da banda nunca esteve mais distante de sua verve Nirvanesca. É muito mais interessante quando, em vez de tentar enxergar por esse novo prisma a estética pela qual ficaram populares, eles partem para uma nova direção, filtrando a agressividade juvenil de antes e usando o peso para dropar refrões poderosos e contundentes como os de Do You Feel The Same; ou sugerir as nuances de angústia e depressão de Emotion Sickness (a boa e velha); ou até mesmo, se trabalhado de forma contida como em Steam Will Rise, criar climas tensos e fantasmagóricos.

No fim, esse mea culpa é um reconhecimento de que, ainda que tenha suas falhas, o Neon Ballroom sinalizou um crescimento e uma segurança que, se não foram tão bons para os fãs do Silverchairzão de raiz, ao menos serviram para a banda desenvolver um som próprio e muito mais característico, posicionando-os como uma espécie de proto-Muse. Além disso, depois daquele Young Modern, que é uma caricatura horrorosa e pasteurizada de tudo que eles tentaram fazer no Diorama (que, por sua vez, já estava perigosamente próximo de ser uma caricatura desse disco), acho meio mancada ainda mantê-lo com esse meu estigma pessoal de “o disco ruim do Silverchair”.

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Ander
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Um cara simples e apaixonado por cinema, arte, design, fotografia, brigar na rua, enfiar o dedo no cu e comer merda.