A vida se escondia por ali

Devanil
Devaneios em Contos
2 min readNov 15, 2015

Aos poucos sua respiração cessava. A agonia crescia. O brilho acabava. Mas ainda sentia a vida. Em algum lugar, por ali, ela se escondia.

Saiu para olhar as luzes vacilantes dos postes, e o brilho amarelo apenas diminuía ainda mais o ar que atingia seu pulmão. Ele sabia que em algum lugar, por ali, a vida se escondia.

Chegou em casa e foi direto olhar para os intermináveis papeis amontoados pelo chão caótico do seu quarto. “Preciso arrumar essa bagunça”, pensava todo dia, mas ficava ofegante antes mesmo de começar. Mas ele sabia que por ali, estava escondido a vida.

A paralisia atingia até os seus pensamentos mais revolucionários no meio da revolta. “O mundo é assim mesmo”, dizia, com um aperto no coração ao constatar que sua promessa juvenil de nunca ceder estava sendo oprimida, pois é difícil lutar estando tão exaurido. Mas sabia que no meio desses pensamentos de renúncia, a vida estava escondida.

Cansado, ele não queria fazer muito esforço. Os pensamentos e ações mais primordiais, então, começaram a dominá-lo. O amor transcendental estava se reduzindo a um sentimento irresoluto e cheio de condições. A paixão por outros mundos e outras histórias estava sendo substituído pelo tédio. A vontade de ajudar o mundo estava sendo consumido por pensamentos estúpidos de insegurança.

Já não podia suportar tamanha aflição, e mesmo não conseguindo mais controlar seu corpo, levou sua alma em busca da vida. A vida estava lá. Ela ainda está lá.

Percebeu que não era o brilho do vapor de sódio que lhe traria a respiração de volta. Percebeu que a centelha onde a vida se escondia estava mais no alto, brilhante hesitantemente, atravessando toda a poeira cósmica e a nossa atmosfera turbulenta, para que pudesse ser contemplada por pequenos seres na sua superfície. Ali estava a vida.

Percebeu, então, que todos aqueles papéis carregavam as angustias de outrora. Que entre eles podia se acalmar, e reaprender a respirar. Sem dúvida, ali, no meio do caos, como sempre, estava a vida.

Pôs-se a marchar, pois já podia sentir seu pulmão batendo intensamente, como de todos os outros que passaram pela Terra e deixaram algo mais além de seus egos.

Podia sentir a vida de volta, pois sempre soube que ela estava ali, escondida. Tudo que precisava era sair à procura.

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