Desolação magnífica

Devanil
Devaneios em Contos
2 min readOct 23, 2013

2017: É engraçado reler esse microconto 4 anos depois e ver que, no fundo, repetimos os mesmos padrões. No final, acho que seremos os mesmos, para sempre. Escrevi isso daqui quando tava apaixonado (leia-se: sendo feito de otário) e o sujeito tinha o mesmo nome do astronauta que, ao pisar na luz, falou: “Desolação, magnífica”.

Parecia de noite. Ali parecia sempre noite. A lua era sempre uma desolação. Magnífica, por sinal.

Mas a maior desolação ali era a solidão dele, o último sobrevivente daquela base lunar.

Todos os dias ele passava pelo corredor de vidro em que podia ver o horizonte daquele mundo desértico e também para ver o corpo do seu companheiro de viagem, leve como se estivesse flutuando. Morto.

“Por que com ele?”, pensava. Por que apenas ele tinha sobrevivido, e ainda de castigo teria que vê-lo todo dia? Se bem que era uma escolha. Ele sempre ia para o corredor. Talvez na esperança de que tudo aquilo fosse um teste e ele ressurgisse dando um aceno, e ainda falasse: “Estou esse tempo todo aqui admirando essa desolação magnífica”.

Ele voltava para sua cama. Deitava e olhava para a escotilha que dava para o céu. Era a primeira vez que conseguia ver a Terra dali. Lembrou que os dois tinham feito uma aposta calculando quando esse momento iria ocorrer. Os dois prometeram esquecer a lua para olhar o seu mundo. O dia inteiro. Mas ele não estava mais ali. Teria que olhar pra Terra sozinho.

Prometera nunca mais voltar para vê-lo. No começo não adiantou. Todos os dias ainda voltava lá, sentava e ficava conversando com sua roupa de astronauta flutuando do outro lado do vidro. Falava sobre os experimentos que eles tinham que fazer. Falou que tinha perdido a aposta de quando a Terra iria aparecer no quarto. Falou que a horta estava linda, e que ele tinha aprendido a mantê-la. “Se eu não tivesse aqui, você nem teria o que comer”, uma vez ele disse. Agora contava pra ele que conseguia sim.

Ele conseguia viver sozinho. O tempo foi passando e sua cabeça voltou a ser da ciência, do universo e da poesia. Ficava o dia todo no laboratório, ou sozinho cuidando da horta e admirando a desolação. Não era tão magnífica sozinho. Mas ele estava superando.

De vez em quando ainda voltava lá. Depois de muito tempo sem visitá-lo, voltou ao corredor, e ele não estava mais lá. Não soube para onde foi. Sentou-se onde sempre sentara, e olhou para o horizonte. Nenhum sinal dele. Não chorou. Não sentiu sua falta. Voltou todos os dias, até o último, para admirar aquela desolação magnífica.

Twitter: @Devanil

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