UX Writing: dicas para construir uma arquitetura de conteúdo básica para seu app

Texto Pedro Muniz
Ilustração Pedro Muniz
Revisão Elis Vieira

“UX Writing”, também conhecido como “Content Design”, ou, em bom português, “Design de Conteúdo”, é a área do Design de Experiência dedicada ao planejamento e elaboração do conteúdo textual de um produto, serviço ou, de forma bastante geral, da experiência que você estará propondo para determinadas pessoas. Em tradução livre, “UX Writing” equivaleria a “Escrita para a Experiência de Usuário”, apesar de ir muito além do que está escrito, já que toca em todo o conteúdo do produto que é consumido por alguém, incluindo como este conteúdo está disposto em uma tela. Neste texto vamos nos focar no planejamento de conteúdo para aplicativos digitais, mas os princípios do UX Writing ou Design de Conteúdo podem ser adaptados para os mais diferentes projetos que envolvem produção textual. Depois desta curta introdução, você vai ser apresentado a uma ferramenta bem útil para o planejamento dos conteúdos textuais, que podemos chamar de Tabela de Voz; e, logo em seguida, um apanhado de dicas básicas (mas importantíssimas) para desenvolver a voz do seu app. Essas dicas podem ser usadas junto com a Tabela de Voz ou independente dela.

É muito importante pensar na linguagem utilizada no seu app desde o início de seu processo de criação. A definição da linguagem mais apropriada, o planejamento dos textos e, de forma mais geral, do conteúdo que as pessoas poderão consumir nas telas que você criar, não deve ser algo adicionado às pressas ou apenas no final do processo, como um “afterthought”. Podmajersky, autor do excelente livro Redação Estratégica para UX, nos conta como frequentemente empresas ou times percebem que a experiência textual de seu produto está “quebrada” e acabam contratando um UX Writer para consertá-la. Se pensarmos no app como uma casa, uma experiência textual “quebrada” seria como ter paredes deterioradas em diferentes níveis. Se há poucos buracos mas paredes foram construídas de uma forma robusta, de forma que os buracos não afetem a encanação ou a instalação elétrica, por exemplo, o reparo será mais fácil. Ou seja, se seu app foi construído com uma terminologia, uma voz e uma arquitetura da informação consistentes, além de formas o trabalho de manter, atualizar e internacionalizar o conteúdo, além de consertar algumas palavras mal colocadas aqui e ali fica naturalmente mais fácil. No entanto, quando esse trabalho de fundamentação não foi feito e os buracos afetam a própria estrutura da experiência e apenas consertar algumas palavras (aquela revisão básica) não vai adiantar: é preciso fazer um verdadeiro (re)trabalho de engenharia.

Um bom planejamento de conteúdo pode determinar o quão acessível é o seu app (e, consequentemente, quais pessoas ficarão de fora da sua experiência), quantas pessoas ficarão com vontade de voltar a usá-lo (ou não), e até quantas pessoas o recomendarão para outras (ou, pelo contrário, farão propaganda negativa). O texto certo em determinado botão, assim como a distribuição dos elementos na tela, podem fazer a diferença no momento em que alguém está finalizando uma compra (ou acaba desistindo dela).

Ferramenta pra quem tem pressa

Caso seus prazos estejam apertados no momento (uma situação bastante comum hoje em dia, somos obrigados a admitir), mas você ainda quer fazer um planejamento básico do conteúdo textual do seu app, uma das muitas ferramentas interessantes que você pode usar é a “Tabela de Voz”, desenvolvida por Podmajersky e adaptada para cá. A tabela de voz contém um conjunto de regras de tomada de decisão e orientação para alinhar o conteúdo de UX às necessidades da organização e do usuário. Quando o conteúdo UX estiver sendo elaborado, a tabela de voz ajudará a identificar o que pode torná-lo melhor.

O que chamamos de princípios do produto aparecem no topo de uma coluna. Então, para cada princípio, cada um dos seis aspectos da voz é definido em uma linha diferente: conceitos, vocabulário, verbosidade, gramática, pontuação e letras maiúsculas. As variações entre colunas correspondem à diferença entre a voz e o tom. A voz é consistente: é possível reconhecer que há uma escolha das palavras usadas ao longo de toda a experiência. O tom varia de acordo com a necessidade, entre diferentes partes da experiência: ele será diferente em uma mensagem de erro, em uma notificação, em um momento de celebração, e assim por diante. A voz do seu app deve ser reconhecível apesar dos diferentes tons, assim como somos capazes de reconhecer a voz de uma pessoa querida quando a ouvimos falar tanto com um amigo quanto com um superior no trabalho.

Os princípios do produto são os fundamentos da tabela de voz. Eles definem o que o produto pretende ser para seus usuários, e podem variar de acordo com o produto e as necessidades da organização.

Pense nos momentos em que haverá comunicação entre seu produto ou sua organização e as pessoas que o utilizarão. Por exemplo: quaisquer momentos de solução de problemas pode gerar um princípio que aparecerá no topo de uma das colunas equivalentes a um tom de voz. As campanhas de marketing podem ser outro momento de comunicação que gera mais uma coluna e mais uma variação de tom. Os aspectos da voz aparecem à esquerda, iniciando cada linha da tabela.

Os conceitos

são as ideias ou assuntos que a organização quer enfatizar a qualquer oportunidade. Pergunte-se qual é o papel que vocês, enquanto organização, querem que o produto desempenhe na vida das pessoas que o utilizarão? Registre as ideias que devem ser transmitidas, independente da terminologia específica que é escolhida.

Já o vocabulário

especifica os termos que são tão importantes para a experiência que nos permitem identificar sua personalidade. Para um trabalho de planejamento mais completo, o vocabulário que entra na Tabela de Voz não substitui uma lista de terminologias mais robusta e mais completa, como um léxico ou glossário para o produto. Essa lista de terminologias define os termos que têm um significado especial para aquela experiência específica.

A verbosidade

define a quantidade adequada de texto mostrado. Quando preparamos qualquer texto para um app ou serviço, esse texto não deve de atrapalhar o percurso de quem está usando o aplicativo (pelo contrário), mas geralmente ele também não está lá só para ser “saboreado”, por simples prazer. Escrever um texto muito sucinto quando se espera mais informações pode bloquear quem está usando o app, e o contrário também é verdadeiro. Não deixe de levar em consideração também o tipo de tela na qual o texto será inserido: se ela é maior ou menor. E, como sempre, tudo vai depender do contexto. Em um aplicativo cujo objetivo é transmitir um ar de elegância e a importância associada a um serviço ou local, por exemplo, pode-se escolher não poupar palavras em descrições e “enfeitar” o texto com advérbios e adjetivos. Entretanto, nem sempre estaremos lidando com contextos como esse.

A gramática

define as estruturas gramaticas apropriadas, mais simples ou mais complexas, dependendo do contexto. As linguagens humanas nos permitem variados tipos de expressões para dizer coisas similares. Em geral, para maximizar a usabilidade, estruturas gramaticais simples funcionam melhor para a maioria dos propósitos. Em inglês, isso significa frases simples de sujeito-predicado ou comandos tipo verbo-objeto, como “O ônibus aceita troco correto e passes de trânsito” e “Adicione dinheiro ao seu passe de trânsito”. Mas não podemos buscar maximizar a usabilidade e acabar criando um tom robótico e impessoal demais.

A pontuação

define o tipo de pontuação que deve ser usada ou nunca deve ser usada em todos os textos do app. Você pode, por exemplo, proibir o uso de determinados sinais de pontuação para facilitar o uso de leitores de tela, além de definir quando usar vírgulas, como usar travessões e muito mais.

E, por fim, o último aspecto da voz, a capitalização ou o uso de letras maiúsculas define o uso de letras maiúsculas ou caixa alta em todo o app. Pode-se argumentar que a pontuação e capitalização fazem parte do design visual e tipográfico do produto e, por isso, não seriam responsabilidade do UX Writer, mas eles são essenciais para determinar a qualidade da experiência de uso.

Você pode criar uma versão desta tabela na sua ferramenta favorita (um Notion ou Figma da vida) e, se possível, trabalhar junto com o seu time ou com as pessoas da sua organização para preenchê-la. O trabalho não precisa necessariamente ser feito em conjunto e em tempo real, mas quanto mais você conversar com as pessoas envolvidas em seu projeto, tirar dúvidas e esclarecer qual é a visão que se tem do app que vocês estão desenvolvendo, melhor será o resultado. Seja como for, separe um tempo com seu time para apresentar a tabela e fazer com que todo mundo esteja alinhado.

Algumas dicas pra quem está com muita pressa mesmo

Se o tempo não for suficiente nem mesmo para planejar uma tabela de voz e alinhá-la com sua equipe, reúno logo a seguir um “kit basicão” de dicas, talvez bastante básicas para pessoas mais experientes, mas ainda assim tão importantes que nunca deveríamos perdê-las de vista ao desenvolver qualquer produto ou serviço.

Lembre-se que o conteúdo textual afeta a interface do seu app como um todo, e é crucial para uma boa experiência de navegação, de solução de problemas, de suporte e de marketing, para citar apenas alguns dos contextos mais importantes.

Primeiro de tudo, pense em seu app (ou no serviço que você está oferecendo) como uma conversa entre você (ou a sua organização) e as pessoas que o utilizarão. É como se apps também contassem histórias, conduzindo quem os utili za por determinados caminhos, que podem ser claros ou obscuros, prazerosos, frustrantes ou irritantes. A partir disso, desenvolva minimamente uma voz para o seu app (então varie o tom dessa voz de acordo com o contexto ou momento em que a comunicação acontece provavelmente o tom será diferente no onboarding e nos termos de uso). Responda questões como: O que o meu app diria? E o que ele não diria? O meu app é excitante e divertido? Ou é um app que precisa transmitir segurança?

Ao desenvolver uma tela específica, é preciso pensar na coisa mais importante que o usuário precisa saber naquele momento. Esse é o propósito daquela tela. Para expressá-lo, devemos levar em conta a hierarquia da informação: como os elementos são ordenados para conduzir quem está tendo a experiência pelo melhor caminho. Ter o propósito da tela claro ajuda a determinar o que manter e o que tirar dela, bem como a ordem do que fica. Com muitos passos em um fluxo, é preciso definir com clareza tanto o propósito do fluxo como um todo, quanto o propósito de cada passo, ou seja,cada tela. Essa clareza evita a criação de passos desnecessários.

Quando você estiver escrevendo alertas, escreva textos que realmente ajudem as pessoas, e que sejam absolutamente claros. Alertas são interrupções no percurso, por isso devem ser extremamente úteis e claros. É bom sempre ser específico nas ações dos botões de alertas (evitar o simples “sim” e “não”). Os botões devem ser tão claros que, mesmo que o usuário não leia o alerta e leia apenas os botões, ainda assim saberá o que está acontecendo. Não se intimide com o vazio: crie espaços vazios úteis no seu app, eles podem significar muitas coisas, até celebração, como quando você completa uma lista de tarefas. Tudo vai depender do contexto.

Pense também fora do seu app: quando as pessoas o utilizarem, elas estarão relaxados na cama ou apressadas no trânsito? O app receberá toda a atenção delas ou ela deverá ser dividida com outras tarefas?

Deixei para o final o que talvez seja o mais importante sempre: tente praticar a empatia. Procure se colocar no lugar das pessoas que estarão participando dessa conversa ou ouvindo essa história. O que elas espe ram? Com que tipo de linguagem elas se sentiriam melhor? E que tipo de linguagem melhor serviria também a sua organização? Que sentimentos você deseja despertar nessas pessoas a cada etapa do percurso? Pensar nessas coisas ajuda a determinar o vocabulário usado. Com isso você pode fazer uma lista de termos usados com mais frequência (e com termos que não devem ser usados).

Tente escrever para todo mundo: use uma linguagem simplese pense em descrições claras e objetivas para pessoas que usam leitor de tela. Lembre-se que não usar gêneros específicos faz com que mais pessoas se sintam à vontade para usar o seu app. Pense também na responsividade dos elementos da sua interface no caso de necessidades ligadas à localização (às vezes o texto em outra língua pode ser bem maior do que na língua original). Em suma, pense com cuidado em toda a linguagem que você usar. Na dúvida, fica uma última dica: sempre leia seus textos em voz alta e se pergunte se o seu app ou produto estaria dizendo aquilo daquela forma naquele momento — isso ajuda a encontrar a lingua — gem adequada.

Referências e recomendações

Deixo aqui algumas sugestões de material em três línguas diferentes para você que quer aprender mais sobre Design de Conteúdo, praticar outros idiomas e ir além dos textos que encontramos por aí em certos sites famosos (você sabe dos quais estou falando). Este material foi essencial para a produção deste artigo.

Livro

Redação Estratégica para UX: Aumente engajamento, conversão e retenção com cada palavra, de Torrey Podmajersky. São Paulo, Novatec Editora, 2019.

Nicely Said: Writing for the Web with Style and Purpose, de Nicole Fenton e Kate Kiefer Lee. Estados Unidos, Peachpit Press, 2014.

Vídeo da WWDC 2022

“Writing for interfaces”[Writing for interfaces — WWDC22 — Videos Apple Developer](https://develo — per.apple.com/videos/play/ wwdc2022/10037/) E

Podcast

*Design +*, episódio 8 intitulado ”Amandine Agic & Camille Promérat — L’UX Writing: quelle valeur ajoutée dans votre process design?”

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Apple Developer Academy – IFCE
Sanbox — Apple Developer Academy (IFCE)

​​Formando pessoas desenvolvedoras de nível mundial. Instituto Federal do Ceará.