vitória gabriela
Deveria ter dito
Published in
2 min readJan 17, 2024

--

Photo by Juan Davila on Unsplash

A saudade de você é forasteira embora antiga, e por isso, sempre clandestina.

Eu não a odeio ou sequer desgosto, ela sentou na cadeira de balanço da minha mente e lá se mantém por tempos, mesmo quando estou ao seu lado. Principalmente quando estou ao seu lado.

Garanto a ti que é mais que possível visualizá-la querendo dizer algo. Algo não gentil, não rude, apenas inaudivel. Ela se mostra muito viva na própria poderosa ineficácia, e como se houvesse um objetivo para a falta, eu tento compreendê-la.

Incrivel é a injustiça para com outros que ocuparam o vazio quando a lacuna em si toma mais meus pensamentos do que o afeto dado com objetivo de preenchimento.

Ainda mais quando sabemos: provavelmente não há nada que eu ame em você. Tudo que disse, diz, fizestes e faz, é um conjunto odioso que me persegue. Sua história me contorce, é o nascimento já fadado a morte da minha. E esse sentimento que nasce em mim decorrido ao perder de ti — embora nunca houve um você inteiramente aqui, é completamente sonoro. Ruidoso. Terrível não como o perigo de um rugido, mas insuportável como a irritação com o quê há de cínico nas risadas das hienas.

Apesar de ter sido em silêncio que tudo sempre aconteceu. Em silêncio que eu sempre chego e é em silêncio que sempre me vou. Foi também em silêncio que você manteve as pedras que eu caçei, e foi em silêncio que você voltou, uma vez, atrás de algo que eu esqueci em algum lugar por aí (disso eu nunca esqueci).

Se neste país tropical a neve ousasse cair, seria o que combinaria com nossas narrativas, mas é assim que o sol consegue ser cruel: ocasionando a visão da inteireza sem sombras ou alívio.

Só se faz possível a escrita decorrente a certeza da impossibilidade de ser lida. Decorrente a certeza da impossibilidade de ser compreendida. No entanto, queria mesmo saber se você acha que sou eu ou você quem carrega a culpa pelo arruinar da vida que nos liga.

Quando a visão de suas mãos trêmulas colhendo as velhas páginas de uma edição de Gatsby que eu carregava chocaram meus olhos, eu senti uma culpa eterna. Desde então, guardo duas forasteiras.

Eu me pergunto o que veria a ser você, se pudesse ser. Depois concluo que você foi o que soube ser. Agora, três forasteiras. A saudade, a culpa e a pena pelo o que não pôde ser.

“(…)

love dares you to care
for the people on the edge of the night
and love dares you to change our way of caring about ourselves.

— David Bowie.

--

--

vitória gabriela
Deveria ter dito

cada vírgula é um ponto de depressão entre os vales das palavras, cada palavra após uma vírgula é a escalação desse ponto de depressão.