Como não resolver problemas

Lucas Guarnieri
Lucas Guarnieri
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5 min readNov 3, 2015

Confesso que tenho evitado de ler notícias sobre nosso cenário atual, tanto econômico quanto político. Isso devido, principalmente, a postura dos nossos representantes que não me representa de fato.

Não busco mais notícias sobre estes assuntos por que isso me faz saltar aos olhos como o pensamento imediatista toma conta das nossas discussões e como perdemos tempo agindo de maneira mal pensada.

Imediatismo

É tudo pra agora!

A grande parte das decisões que vejo sendo tomadas pela classe política envolvem a resolução imediata de problemas que, muitas vezes, não são realmente problema.

Na política isso pode realmente fazer sentido. É mais fácil tomar uma decisão agora para “tapear” um problema antigo e dar um falso resultado em meses (e assim garantindo votos suficientes para uma reeleição) do que se preocupar com decisões que darão um resultado consistente a longo prazo. Estas farão parecer que seu sucessor — possivelmente de outro partido — é o responsável pelos bons resultados e consequentemente ficará com o crédito.

Talvez com alguns exemplos fique mais fácil entender o que eu quero dizer:

  • Redução da maioridade penal
  • Autorização do aborto em caso de estupro
  • Cotas em universidades

O que todas essas práticas têm em comum? Elas não resolvem porcaria nenhuma.

Em um primeiro momento estes medidas podem realmente surtir efeito. Não digo que estejam erradas ou que me oponha a elas, mas acredito que tais decisões devem ser encaradas como soluções provisórias para contorno de um problema, mas não como a solução definitiva para este.

A solução depende de uma análise mais profunda e de um trabalho a longo prazo, o que dá trabalho e pode não ser do interesse dos que tomam as decisões. Assim, o que impera é a superficialidade.

Superficial

É só o topo do iceberg

Soluções superficiais atingem tão somente a consequência do problema, que ao maquiar o problema real, este cresce e se espalha como um câncer maligno.

A redução da maioridade penal pode ter efeito imediato na segurança pública (embora eu nem acredito nisso), pois, teoricamente, jovens infratores teriam medo das punições impostas pela lei e não cometeriam delitos. Os que ainda assim cometerem seriam punidos rigorosamente, ficando afastados da sociedade para não oferecerem risco.

Em certo ponto até faz sentido. Com 16 anos eu tinha consciência dos meus atos. Mas o que ninguém (ou quase) para pra pensar é: por que diabos alguém dessa idade está praticando crimes por aí? O problema precisa ser estudado e sanado antes de que o crime passe a ser uma opção.

Por que ele não está estudando? Não pode? Não quer? Falta investimento em educação? Falta infraestrutura? Falta incentivo? Alguma coisa muito grave está acontecendo e está sendo negligenciada.

Seguindo esta progressão em pouco tempo não teremos maioridade penal.

O mesmo se aplica a legalização do aborto em caso de estupro. Não vou entrar no mérito se é certo ou não. A questão amplamente discutida é: é justo ou não interromper a gravidez indesejada de uma mulher vítima de estupro. Há duas vidas em jogo dependendo da decisão de terceiros.

Percebeu algo estranho? Passamos a tratar o estupro como algo normal e corriqueiro. O problema real está sendo ignorado. Estamos discutindo por horas, meses, anos, o que é certo: abortar ou não abortar? Mas o que está sendo feito para que o estupro não aconteça mais? A redução da maioridade penal? Sério?

E quanto as cotas, por que precisamos delas para garantir o acesso de alunos negros ou de baixa renda nas universidades? Sou a favor das cotas, embora não acredito que a distinção por cor agregue em algo neste processo, mas como não sou negro e consequentemente não vivo esta realidade, prefiro não emitir uma opinião hipócrita sobre o que não conheço.

O que eu quero discutir é: o aluno que tem melhor condição financeira tem realmente mais facilidade para entrar na universidade? Por que? Por causa dos cursinhos? Por causa da maior qualidade de ensino (fundamental e médio) de escolas privadas? O ensino público é de qualidade inferior ao ensino privado? Novamente, falta investimento na educação? Ou falta interesse dos alunos? Falta motivação? Sou a favor como solução temporária, provisória, de contorno. Não definitiva.

Não sei as respostas para estas perguntas, mas tenho certeza que a resolução definitiva do problema não é criando um sistema que tente equilibrar isso lá na frente, porque o problema já está acontecendo há muito tempo lá atrás.

Pensamento abaixo do medíocre

No lugar de notícias, estou criando o costume de ler artigos para tentar entender pontos de vistas diferentes antes de formular uma opinião. Não consigo considerar só uma visão como verdade absoluta. Recomendo essa prática, pelo menos assim não saímos por aí falando — tantas — asneiras.

Dias atrás — durante o alvoroço causado pelo ENEM — me deparei com o seguinte texto:

Meu sentimento ao ler isso foi um misto de vergonha e desprezo. O autor André Forastieri argumenta que, como o ensino público é de tão baixa qualidade, é injusto que se cobre no ENEM uma redação de qualidade. Pois os alunos não são devidamente treinados para esta tarefa. Assim, Forastieri sugere que a prova de redação do ENEM seja extinguida.

Só pra mim isso parece ridículo? Quer dizer que, se o problema é a baixa qualidade de ensino que não proporciona capacidade aos alunos de montarem uma simples redação — sobre um tema extremamente batido pelas mídias de forma geral — , devemos extinguir a exigência de redação? Mesmo?

Então devemos nivelar todos os alunos pelo nível mais baixo possível, o nível de quem não consegue fazer uma redação? Aliás, seguindo essa linha, porque não eliminar o próprio Enem? Ah, vamos aproveitar essa lógica incrível para resolver outros problemas: Para diminuir os acidentes, vamos eliminar os carros. Para diminuir a violência urbana, vamos prender todo mundo. Para evitar gravidez indesejada, vamos esterilizar todos os recém-nascidos.

Medíocre, segundo a definição da língua portuguesa, significa médio ou mediano. Isso, ao meu ver, é um pensamento muito abaixo do medíocre. Esse tipo de pensamento não vai nos levar a lugar algum, a não ser o buraco cada vez mais profundo.

Preste atenção no que estão enfiando na sua cabeça. Enquanto continuarmos nessa função de tratar tão somente as consequências, nunca vamos resolver a causa, pelo contrário, estaremos mascarando o problema e dando força para que este se expanda.

Afinal, o que os olhos não veem, o coração não sente?

— postado originalmente no lucasguarnieri.com

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