O certo, o errado e o míope

Lucas Guarnieri
Lucas Guarnieri
Published in
6 min readOct 20, 2015

Você já tentou discutir com outras pessoas sobre o que é certo e o que é errado? Se sim, chegou a alguma conclusão? Provavelmente não.

Discutir sobre estes conceitos me parece muito, mas muito vago. Além disso, cada pessoa tem definições próprias. Segundo o dicionário Michaelis, a palavra certo é definida como um adjetivo de:

1 Verdadeiro. 2 Que não tem erro. 3 Evidente. 4 Infalível. 5 Não demonstrado, mas baseado na fé. 6 Aprazado, combinado, determinado, fixado com antecedência…

Partindo do pressuposto que errado é o antônimo de certo, podemos dizer que para entender estes conceitos é necessário entender, antes de tudo, o que é a verdade.

A verdade

Deixei para o último semestre da minha graduação a matéria de filosofia. Esta era uma das matérias consideradas básicas do curso por não ter nenhuma ligação direta com seu tema.

O professor era um ex-padre católico. Nada contra religião, pelo contrário, por mim cada um que busque (ou não) a espiritualidade que lhe agrade e complete. Logo nas primeiras aulas percebi que o mesmo tinha uma visão de mundo muito interessante, cheia de críticas e até certo ponto bem construída. Porém, esta visão era bastante afetada pela fé e pela famosa verdade absoluta.

Nas aulas, o professor tentava não transparecer tanto a sua veia religiosa, pois este tinha noção de que estava lecionando para alunos das mais diversas crenças e filosofias de vida. Certo dia, este professor entra numa discussão sobre o conceito de verdade. Dizia ele que só existe uma verdade, e que esta deve ser independente do ponto de vista ou de fatores externos. Sempre que um fato fosse analisado, os observadores deveriam chegar no mesmo consenso sobre a verdade, independentemente da época do fato ou da análise.

A ideia de que a verdade é única pra mim não faz sentido. Eu não consigo entender como um fato, por mais que seja analisado da forma mais isolada e fria possível, não sofra interferência na sua interpretação com base no modelo mental e nas vivências do observador. Isso não quer dizer que o observador esteja sendo leviano, mas simplesmente me parece impossível não aplicar seu ponto de vista sobre os fatos analisados. Mesmo que involuntariamente.

Vou dar um exemplo muito simples!

Eu neste momento estou com uma camiseta verde. Para um daltônico, esta camiseta pode ser azul, pois este assim a enxerga. Ele está errado? Não, a “sua verdade” também é verdade. Neste caso além de existirem duas verdades, estas são divergentes entre si. Qual destas opiniões está certa ou errada?

Talvez este exemplo seja muito simplório. Vou tentar algo novo.

Posso afirmar que não existe vacina para o HIV. Isso é verdade? Depende, pelo conhecimento que eu tenho isso é verdade, porém, em algum lugar do mundo isso já pode ter sido inventado. Além disso, daqui há 10 anos pode ser que exista uma vacina sendo comercializada por aí. Isso faz com que essa afirmação que até então é verdade se torne em uma mentira? Sendo assim a verdade não é atemporal.

A partir do momento que não sabemos, ou não conseguimos definir claramente o que é verdade, não temos como saber o que é certo e o que é errado.

Uma alternativa para isso é definir regras. Assim, baseados nas mesmas métricas poderíamos avaliar se uma afirmação é certa ou errada. Precisamos de alguma forma analisar o ambiente através de métricas que são iguais para todos os observadores. Ah, perfeito, então vamos definir regras, problema resolvido. Perfeito? Não.

Normas e leis

As primeiras leis criadas datam de antes de 2000 a.c. Um dos códigos mais importantes (por ser o mais antigo registro neste sentido) é o de Hamurabi. Este foi criado e utilizado na Babilônia e era composto por vários pontos, sendo um deles a lei de talião.

A lei de talião é a conhecida regra do “olho por olho, dente por dente”. Um dos artigos mais conhecidos deste código é:

“Se um construtor edificou uma casa para um Awilum, mas não reforçou seu trabalho, e a casa que construiu caiu e causou a morte do dono da casa, esse construtor será morto.”

Adaptando ao nosso contexto de hoje, imagine que se um engenheiro civil falhar na construção de uma casa, e o desabamento desta casa venha a matar alguém, este engenheiro é condenado à morte.

Acredito que os erros neste sentido devam ser penalizados de alguma forma que não cabe discutir aqui. Porém, se o responsável pelo desabamento da casa tiver feito outras mil casas com estrutura sólida e que nunca tiveram problemas, é certo matá-lo por uma única falha?

Você pode estar pensando: “Ah, mas esse exemplo é muito antigo, hoje não é mais assim”. Será? posso dar outros exemplos: Holocausto, segregação racial e escravidão também eram legalizadas nas suas épocas (e isso foi há pouquíssimo tempo atrás). Estar na lei torna estas práticas certas?

Fica claro pra mim, que aplicar leis pode ajudar e definir regras para que a convivência entre opiniões e visões de mundo diferentes seja melhor conduzida, mas não pode (e nunca poderá) ser considerado definitivo para estabelecer o que é certo e o que é errado.

Falando em visões diferentes, vamos falar sobre a miopia.

Miopia

A miopia é um distúrbio na visão que afeta milhões de pessoas no mundo. Visão, mas não especificamente a que os olhos enxerga, é o que me parece o divisor de águas quando falamos sobre certo e errado.

A nossa visão sobre um fato faz com que tenhamos noções distintas e tomemos posição com base no que enxergamos. Isso se dá porque, como expliquei anteriormente, tendemos a aplicar nossa carga de conhecimento e modelos mentais sobre o que acontece, assim temos involuntariamente uma posição mais fundada pelo nosso modo de pensar.

Criamos e alimentamos durante boa parte de nossas vidas a necessidade de aceitação e consequentemente a necessidade de se ter opinião sobre tudo. A partir deste ponto de vista é um fracasso não ter opinião sobre política, religião, futebol, educação, saúde, governo… enfim, infelizmente o que vale é ter opinião, não importa se essa faz sentido ou não. O importante é fingir entender do assunto, a ponto das pessoas acreditarem que aquilo que você diz é a realidade e é um opinião que pode ser seguida.

Opinamos sobre algo que não conhecemos. Sobre o que nem queremos conhecer. Opinamos pois é mais fácil falar o que vem a cabeça do que pesquisar e entender os fatos do contexto e época em que aconteceram.

É criticar os “atentados terroristas” sem ao menos entender quais são os motivos que levaram as pessoas a comete-los. Novamente, não acredito que algo justifique tirar a vida de pessoas inocentes. Mas, alguém parou pra pensar o que leva uma pessoa a acabar com sua própria vida com o intuito de vingar-se de algo? O que é esse “algo” que vale a pena acabar com a própria vida? Provavelmente não, grande parte não quis enxergar este lado.

É criticar a política sem nunca ter tido o mínimo interesse em entender como as coisas funcionam. É cobrar do presidente, governador ou prefeito o que não é da sua alçada. É achar que os governantes tem realmente algum poder sobre seu governo.

Isso é uma miopia voluntária, é não enxergar o que está na frente dos olhos simplesmente por preguiça ou pela falta de empatia.

Não consigo definir de maneira inflexível o que é verdade, além disso não consigo definir o que é certo. Porém, depois dessa reflexão consegui algo. Ficou mais claro, desta forma, que julgar as opiniões e atitudes alheias baseados em — tão somente — nosso próprio ponto de vista, sem pelo menos tentar entender a visão do outro é, conceitualmente errado.

Pronto, agora só falta entender a verdade e o certo. Quem sabe um dia.

— postado originalmente no lucasguarnieri.com

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