Eu trabalhando como dev em Estocolmo?! Como isso aconteceu?

Taiza Montenegro
Devs JavaGirl
Published in
9 min readNov 27, 2018

A minha própria ficha ainda não caiu toda, mas nos próximos dias eu vou começar a trabalhar como desenvolvedora na Suécia, Estocolmo. Vim aqui contar como tudo isso aconteceu e como eu me preparei para o processo seletivo.

A forma como tudo começou pode ser chamada de uma grande sorte, com a observação de que eu não sei até onde podemos chamar nossas conquistas de sorte ou de consequência do nosso trabalho. Mas o fato foi que eu recebi um convite no LinkedIn de uma recrutadora da iZettle, empresa de pagamentos, cuja equipe de TI está localizada em Estocolmo. Umas semanas atrás eu já tinha começado a pensar em procurar emprego pra fora do país — era um plano que eu e meu marido tínhamos há algum tempo, mas eu nunca tinha ido atrás disso efetivamente. E parece que minhas intenções se juntaram com minha sorte e veio em forma desse convite.

Uns meses atrás eu já tinha feito um esforço de reescrever meu LinkedIn e isso deve ter ajudado. Algumas mudanças que fiz no meu perfil foram:

  • Deixei ele totalmente em inglês. Removi tudo que estava em pt-br, para não ter que dar manutenção em duas versões;
  • Tentei escrever minhas atividades de forma que fosse bem direta e, para que o leitor que estivesse de fora, conseguisse ter uma noção das minhas atribuições e minha forma de trabalho. Tentei usar a metodologia CAR: context/action/results, onde você escreve o contexto que se encontrava, as ações que você fez e o que resultou que isso gerou. Observem que nesse parágrafo todo usei o verbo "tentei" porque na real achei bem difícil implementar o CAR, mas ao menos ter esse mindset me ajudou a ser mais direta.

Pois bem, aceitei o convite para já iniciar minha preparação nesse objetivo de trabalhar fora, pois eu precisava treinar minha participação em entrevistas. Não sei vocês, mas eu fico super hiper mega nervosa em entrevistas de emprego. Eu sabia que pra vencer esse medo, só treinando, quebrando a cara e, a cada "treino", aprendendo mais a lidar com esse medo. O processo seletivo foi composto de 4 etapas online, via Skype, e em TODAS as etapas eu tive dor de barriga antes de começar e assim que terminava eu corria pro banheiro pro segundo round de dor de barriga.

Detalhes da vaga

Depois de eu ter aceitado o convite, a recrutadora me passou um link com os detalhes da vaga (requisitos). E ainda bem que ela mandou esse link só depois de eu aceitar, porque se eu tivesse visto antes, eu não teria nem sequer tentado. Isso porque na lista das tecnologias requeridas, de 9 itens, eu só tinha trabalhado com 2!! Os outros 7 eu nunca sequer tinha estudado nada sobre.

Porém em nenhum momento do processo seletivo, me perguntaram nada sobre essas tecnologias. O principal foi eu ter mostrado que sabia conceitos básicos e coisas como testes, OO, refatoração, boa práticas, etc. Além também de boas soft skills, como comunicação, gostar de trabalhar em equipe, etc.

Ou seja, definitivamente, nunca deixem de aplicar para uma vaga legal se na lista de tecnologias requeridas tem coisas que você não sabe! Esse meu caso é a prova viva disso.

Etapas do processo

Para cada etapa do processo eu fui me preparando de forma específica:

A etapa 1 foi uma entrevista com a recrutadora. Como foi a primeira, eu não sabia bem como ia ser, então eu apenas dei uma passada no meu currículo para relembrar de coisas que podiam ser interessantes falar para ela. Também me organizei para na hora da entrevista eu estar num lugar confortável, silencioso, com boa internet e boa iluminação, caso fosse uma ligação de vídeo e não de áudio (essa preparação valeu para todas as etapas). A entrevista foi uma conversa para ela saber melhor sobre minhas experiências passadas e atuais, então eu tive que falar um pouco do meu currículo, o que foi bom eu ter lido ele antes. Ela também fez umas 6 questões técnicas, sobre assuntos variados. Como não soube responder tudo, até pensei que não iria para a próximo etapa, mas dias depois já estava com a segunda etapa marcada.

A segunda etapa foi técnica: a recrutadora me falou que seria um pair programming de 90 min com dois desenvolvedores da empresa. A única coisa que eu sabia era isso, então eu li várias coisas do que fazer ou não fazer num pair programming de processo seletivo. A principal dica que aprendi foi: SEMPRE verbalize o que você está pensando, pois os avaliadores precisam saber como está sendo sua linha de pensamento. Além disso, eu fiz alguns exercícios de algoritmo do HackerRank, que inclusive tem um conjunto de desafios específicos para preparação em entrevistas. Eu não tinha muito tempo, então foquei em algoritmos básicos, como de ordenação. Nas minhas leituras vi que também era importante separar perguntas para fazer ao time, pois era uma boa oportunidade para saber como seria seu dia a dia de trabalho caso você fosse trabalhar lá. Sendo assim, eu pensei previamente em algumas perguntas e deixei anotadas num papel perto de mim.

O pair programming acabou sendo composto por 3 fases. A primeira foi um desafio de warm-up, a segunda -e principal- foi para fazer uma refatoração e corrigir os testes de um código já existente, e os últimos 10 minutos, foram justamente para fazer perguntas pra eles. Eu segui as dicas que li anteriormente e durante todo o tempo eu literalmente falei tudo que estava pensando no momento da resolução dos desafios, mesmo as coisas mais simples. Também fiz questão de perguntar a opinião deles sobre determinadas decisões que eu tava tomando, mesmo que eles sempre respondessem que o código era meu e eu que decidia — fiz isso porque no mundo real eu acho muito importante ouvir a opinião do colega num pair programming e queria mostrar isso pra eles. Os 90 minutos, que achei que seriam muito tempo, passaram voando e eu até me diverti fazendo o teste.

Alguns dias depois soube que eu ia para as próximas etapas, que seriam uma conversa de 1h com a gerente de tecnologia da empresa, seguida de outra conversa de 1h com outros dois funcionários, com o foco em cultural fit. Lembro que quando recebi esse e-mail eu fiquei desesperada de nervosa. Pensei logo "minha nossa, como vou passar 2h falando em inglês com eles? Não sei se vou conseguir". Mas eu já tinha chegado até aqui e não podia desistir agora… tinha que tentar mesmo que a entrevista fosse ruim como fosse. Então eu vi e revi muitos vídeos sobre dicas para entrevista de emprego pra fora. Eu fui pegando dicas que iriam me ajudar a me guiar nessas entrevistas, como, por exemplo: eu precisava ser sempre muito direta com as respostas, de preferência tentar usar sempre a metodologia CAR, quando fosse falar das minhas experiências (ou seja, evitar palavras vazias e enrolação); e evitar falar sobre minha vida pessoal, pois diferentemente do Brasil, o pessoal de fora não quer saber tanto da sua vida pessoal. Eu treinei muito para aquelas clássicas entrevistas de emprego, pois elas sempre me deixam muito nervosas (“como você se vê daqui a 5 anos?”, “qual sua maior virtude?”, “qual seu maior defeito?”, etc.). Inclusive, eu anotei palavras chaves para as respostas dessas questões num papel e deixei ao meu lado, durante a entrevista. Se desse um branco na hora eu teria uma “colinha” para me ajudar e isso me deixou mais segura. Acabou que não precisei usar essa colinha (as perguntas clássicas foram feitas, mas eu tinha treinado tanto que soube responder bem), e a entrevista foi bem mais fácil do que eu estava imaginando na minha cabeça, pois, afinal, quem é melhor do que eu para responder sobre coisas que aconteceram na minha carreira? Não tenho dúvida que os treinos que eu fiz sozinha me ajudou a me sentir um pouquinho mais segura.

Alguns minutos depois teve a segunda entrevista do dia, que foi de cultural fit. Essa foi super informal e descontraída, pois o pessoal queria mais saber como eu era, do que eu gostava, etc — e aí coube falar um pouco sobre minha vida pessoal, mas porque eles me perguntaram. O objetivo era saber se eu iria me adequar à empresa e vice-versa. Então foi importante eu ter levado mais questões para eles, com dúvidas de como era no dia a dia da empresa, qual era a experiência deles como funcionários da empresa, etc. A conversa passou bem rapidinho também e foi mais fácil do que eu imaginava.

Resultado positivo e pretensão salarial

Alguns dias depois, a recrutadora entrou em contato para dizer que eu tinha passado e queria fazer uma call para entrar em detalhes de salário! Yayyyyy!

Mas voltando um pouco na linha do tempo, após eu fazer a entrevista técnica, ela já havia me perguntado qual seria minha pretensão salarial e nesse momento eu precisei dar um valor. Para isso, eu precisei pesquisar bastante como era o mercado de TI em Estocolmo, para ter uma ideia de qual era um salário justo. Se já é difícil dar uma pretensão salarial aqui no BR, imagina para um outro país, onde a cultura, custo e moeda são totalmente diferentes. Usei o Glassdoor e o PayScale para ter uma ideia inicial de valores. Para entender o custo de vida da cidade, usei o Numbeo e também uma planilha que o pessoal do Slack brazil-tech-expats fizeram.

Mas a melhor forma de ter uma ideia realmente confiável de valores, foi conversando com pessoas que já trabalham na cidade. Essa foi a forma mais eficaz que achei, então entrei em grupos de brasileiros que moram fora e também conversei com duas pessoas que eu conhecia que já trabalham em Estocolmo (obg Charlotte e David!). Assim, eu consegui chegar numa pretensão salarial que eu considerei que fosse justa, com as informações que eu tinha no momento.

Visto

Esse processo de seleção que falei até aqui durou exato 1 mês, foi muito rápido. Assim que aceitei o job offer, ja me enviaram o contrato de trabalho para assinar e as informações para a retirada do visto. O visto não foi complicado, precisamos apenas enviar alguns documentos pessoais traduzidos (a empresa forneceu uma consultoria para nos ajudar com o visto e com a relocação, o que facilitou bastante também). Como eu e meu marido somos casados por união estável e não oficialmente, complicou um pouco porque precisamos enviar MUITA coisa a mais para provar que moramos juntos há algum tempo. Essa foi a parte que mais complicou e mais gastamos dinheiro, porque todos os documentos precisam ser traduzidos por um Tradutor Juramentado.

Dentre os documentos que mandei, nenhum foi diploma de curso superior, porque na Suécia, eles não exigem curso superior para a área de TI! Então pra galera que não tem curso superior e tem vontade de morar fora, fica de olho na Suécia ;).

O visto saiu em 10 dias úteis, super rápido! Ele dá direito a residência e trabalho e tem duração de 2 anos, podendo ser renovado depois. O cônjuge também tem direito ao mesmo visto, portanto meu marido também pode trabalhar aqui, o que é ótimo, visto que é uma cidade muito cara e precisamos da renda dos dois para nos manter aqui.

Com o visto em mãos, pudemos enfim marcar o dia da nossa viagem (a empresa pagou todo o custo de mudança — no nosso caso, passagem aérea) e, passado todo o estresse anterior, começar a aproveitar as novas coisas que estavam por vir!

E o inglês?

Você pode estar pensando que sou fluente em inglês, para ter passado na vaga. Mas na verdade eu não sou, tenho o inglês necessário apenas para conseguir me comunicar, ou seja, eu consigo entender e ser entendida.

Porém em vários momentos das entrevistas eu não entendi o que a pessoa estava falando, quando a call tinha ruído era ainda mais difícil. O fato das entrevistas serem de áudio, ou quando era de vídeo, as pessoas estavam distantes e eu não conseguia ler o lábio, atrapalhou bastante minha compreensão. Mas eu não desisti por isso… quando eu não entendia eu fingia que entendia rsrs. Ou então, se fosse algo importante ou uma pergunta, eu pedia pra repetir.

Me ajudou muito depois que eu realmente compreendi que de fato o importante é se comunicar, mesmo com sotaque forte, mesmo que muitas vezes eu ter que simplificar o que eu queria falar, usando palavras mais básicas. Afinal o inglês não é nossa língua principal, então nunca será igual a falar com a fluência que temos em português.

Resumo

Sei que esse texto ficou grandão, mas eu quis passar todos os detalhes que considero que foram importante. Mas os pontos chaves que considero resumo:

  • Nunca deixem de sonhar e achar que não são capazes de realizar esses sonhos! (Esse é um recado pra mim mesma também);
  • NUNCA deixem de aplicar para uma vaga se na lista de conhecimentos requeridos você não sabe grande parte. Não estou dizendo que é pra sair aplicando pra vagas quaisquer, mas se você ver uma vaga numa empresa legal, que acha que pode agregar na sua carreira, tenta sem medo. Você mulher que está lendo esse texto, esse tópico é em especial pra você, por motivos de: pesquisas mostram que somos muito mais exigente com isso do que homens;
  • Não esperem ficar com o inglês perfeito para aplicar pra vaga de fora. Você já tem o suficiente para se comunicar minimamente? Ótimo, já tem o que precisa!
  • Entrevista de emprego também é um skill que, como qualquer outro, precisa de treino. Se você tem medo, como eu tenho, a única coisa a ser feita é encarar esse monstro de frente e treinar, até chegar o dia que o monstro possa ser domado.
  • Vamos aproveitar que estamos na área de TI e temos tantas oportunidades legais mundo afora =)

É isso pessoal, se alguém quiser trocar ideia sobre a Suécia ou aplicar pra job de fora, estou por aqui!

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