Minha trajetória

Carolina
Devs JavaGirl
Published in
9 min readJul 9, 2019

Conversando com as meninas em uma das comunidades que acompanho, a maravilhosa Devs Java Girl, algumas meninas sugeriram que escrever sobre a nossa trajetória poderia ser inspirador.

De início, já pensei: “nossa, mas o que eu teria para falar? nem sou tão boa assim” porque né, a síndrome do impostor já sai gritando logo de cara. Mas depois, com calma, comecei a pensar no que tem sido a minha vida profissional. Conclusão: tenho algumas coisas a contar sim!

Importante dizer de onde eu vim: de uma família que considerava que enquanto criança/adolescente a única coisa que eu deveria fazer era estudar. Tenho também um irmão mais velho que sempre foi meu guia, e sempre conversava comigo sobre meus estudos, o que eu esperava pro meu futuro, me incentivando a fazer planos… Essa abordagem desde muito nova fez toda a diferença no meu percurso profissional. Aprendi desde nova a criar objetivos e depois colocar toda a minha força em fazê-los se tornar realidade.

Como eu tinha muito apoio (importante salientar que apesar de eu não ter que ajudar em casa desde tão cedo, meu irmão já tinha que ajudar a compor a renda de casa, então esse era um privilégio que eu tive), podia passar as manhãs e as tardes estudando, fiz um curso técnico de Informática Industrial, no CTU (Colégio Técnico Universitário) da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). Ali foi meu primeiro contato com TI, por volta de 2001.

Ao término do curso técnico, eu não me sentia muito motivada a continuar na área de TI. Naquele ponto, eu apenas sabia que precisava cursar algo que me desse retorno rápido, uma vez que apesar de ter muito apoio, minha família não era rica, meu pai havia adoecido e não estava mais trabalhando. Precisava de algo que me permitisse compor a renda de casa o quanto antes. Pesquisando, conversando com as outras pessoas, resolvi fazer Engenharia Elétrica (que também era a profissão do meu pai, e a escolha que meu irmão fez).

Lá pelo 4º período de Engenharia Elétrica, já fazendo estágio em Informática pelo curso técnico, não estava feliz. Simplesmente não me via como engenheira em um futuro próximo. Sentia que precisava mudar meu caminho. Conversei com minha família novamente, e recebi bastante apoio (apenas moral, porque eles não poderiam me ajudar a pagar um curso pré-vestibular). Já que iria demorar muito para que eu conseguisse uma transferência de curso, com o dinheiro do meu estágio paguei apenas um revisional de 3 meses em um curso pré-vestibular de Juiz de Fora, estudei bastante em casa com materiais que tinha guardados e outros que consegui emprestados, e fui aprovada no curso de Ciência da Computação na UFJF.

Nesse momento, quando ingressei no curso de Ciência da Computação, eu já tinha alguma experiência com programação por já fazer estágio. Como a minha graduação foi generalista, eu tive contato com várias linguagens de programação. Muitos professores ao passar trabalhos deixavam livre a escolha da linguagem para implementação. Provavelmente essa graduação generalista me levou a uma carreira generalista também. Até agora, não passei por grandes dificuldades em mudar de linguagem. Me considero uma profissional que se adapta bem às mudanças.

E assim, durante algum tempo na minha carreira, fui levando. Quando me formei, surgiu uma vontade de conhecer mais: mais lugares, pessoas, formas de trabalho, campos de trabalho dentro da TI. Comecei então a estudar quais eram as competências mais procuradas até que consegui um emprego no Rio de Janeiro. Fui minha primeira grande mudança.

Quando me mudei percebi o quanto eu tinha “vida fácil” morando com meus pais, porque passei a ter que me preocupar com toda a logística da minha vida, não só com meu trabalho e meu estudo. Apesar de ter sido um período de grandes descobertas, foi também um período onde me vi por várias vezes tendo que escolher entre estudar ou fazer uma comida saudável, ou estudar ou fazer atividade física. Quase sempre estudar saía ganhando, então minha saúde se deteriorou bastante.

Nessa época, o combo maus hábitos e ansiedade, que é uma condição que me acompanha desde que eu me entendo por gente, me fez diminuir a carga de estudos para me dedicar a comer melhor e tentar inserir alguma atividade física na minha rotina (isso sempre foi um problema pra mim, porque eu não encontro nenhuma em que eu consiga manter a frequência). Fiquei um bom tempo então assim, e minha carreira foi indo sem direção, apenas “indo”.

Porém, enquanto fui conhecendo outros desenvolvedores, arquitetos, pessoas envolvidas em comunidades de software, a minha condição de generalista começou a me incomodar. Comecei a sentir que precisava ser, ou especialista em algo ou ter pelo menos uma bagagem melhor para recomeçar a me candidatar para algumas vagas. Esse período contrastou também com um esgotamento mental por estar trabalhando em um lugar muito estressante. Tinha diversos episódios de compulsão alimentar, além de ter descoberto outro problemas relacionados ao peso e minha relação com a comida. Decidi que não queria mais viver dessa forma e além de pequenas mudanças no meu cotidiano, fui buscar um emprego menos estressante.

O ponto de virada da minha carreira (e também da minha vida pessoal) foi quando entrei no meu último emprego antes da minha recente mudança de país. Encontrei um arquiteto Java, sedento por conhecimento, ligado em boas práticas, novos frameworks, paradigmas arquiteturais, além de muito estudioso. Quando conversávamos, eu apenas pensava: “eu quero ser igual a ele!”.

Porém tínhamos rotinas bem diferentes. Ele, apesar de morar longe e ficar bastante tempo no transporte público, apenas poderia se preocupar com chegar em casa e estudar. Eu morava bem perto do trabalho, mas tinha que cuidar da minha casa, da minha comida, da minha roupa, e estudar. Pode parecer pouca coisa, mas é muita coisa para uma pessoa sozinha dar conta, especialmente se ela for como eu era: eu não conseguia me concentrar nos meus estudos se haviam outras coisas a serem feitas.

Entrou em campo então aquela que eu acho que foi a grande responsável porque qualquer sucesso que eu tenha obtido nos meus últimos 3 anos: a terapia. Quando fazemos terapia, podemos colocar pra fora o que as vezes está engasgado e atrapalhando nossa concentração, nossa rotina. Lá eu conseguia falar sobre o que estava acontecendo, e traçar planos para seguir no meu dia a dia sem me cobrar tanto por não estar fazendo algo. Eu aprendi a delegar, e aí entra meu marido (que na época era namorado), que me ajudava muito. Por várias vezes era ele quem colocava ordem na casa para que eu pudesse me dedicar aos estudos.

Na terapia eu falava bastante também sobre a minha carreira, sobre a minha inércia de mesmo me sentindo mediana não fazer nada para mudar isso. Refletindo, vi que sempre me achei uma desenvolvedora mediana porque não queria me especializar. Mas não creio mais que isso seja verdade. Acho que eu me considerava mediana porque não estudava o suficiente. E quando digo estudar, não é sair do trabalho e estudar mais 4 ou 5 horas em casa, não fazer mais nada a não ser isso (como a maioria dos meus colegas, em sua maioria homens, pode fazer). É mais sobre ler o que anda acontecendo no mundo de TI, estudar os conceitos básicos de programação, e mais que fazer: entender bem o que você está fazendo. Então comecei a montar roteiros de estudo, comprometendo-me a estudar todos os dias um pouco, marcando esse tempo na minha agenda e colocando lembretes para que eu não marcasse outros compromissos naqueles horários. Eu sei que por ter outras obrigações com a casa, a comida, mesmo delegando e tendo o apoio do marido, eu vou demorar um pouco mais a chegar no patamar dos desenvolvedores que são referência pra mim, até pela nossa diferença de rotina e de cobrança. É bem claro pra mim que eles podem dedicar mais tempo do que eu aos estudos. Mas isso parou de me incomodar porque eu consegui finalmente traçar um plano, criar objetivos como eu fazia lá quando era ainda uma adolescente.

A minha escolha para me especializar foi Java. Já tinha contato todos os dias, já tinha algum conhecimento, e algo que depois eu percebi ser de muita importância: eu tinha encontrado no meu colega de trabalho, o arquiteto Java que citei antes, um mentor. Você pode pensar: “Ué, mas não é necessário mentor! Eu posso estudar sozinho e atingir bons resultados!”. Você pode, e isso funciona para muita gente mas… não funcionou pra mim. Quando encontrei um mentor, eu consegui traçar uma estratégia de estudo consistente e frequente, e conseguir me dedicar, mesmo que as vezes tenha sido só 30 minutos, mesmo que as vezes tivesse que pular um dia ou outro. O segredo aqui foi: pule um dia, dois, três, mas não desista de sempre tentar voltar. Sempre tente volte a estudar. Se for preciso, faça uma revisão, anote o que você achar importante para quando tiver que paralisar os estudos por um tempo, mas sempre tente voltar. Uma hora, vai!

Além de me especializar na parte técnica, recomecei a levar o inglês mais a sério e a pensar nas minhas soft skills. Quais eram os pontos que eu poderia fortalecer para me destacar em uma entrevista, por exemplo? Como exaltar minha formação generalista?

Seguindo nesse caminho, e após alguns acontecimentos no Brasil, coloquei na cabeça que queria trabalhar fora do Brasil. Isso foi em setembro de 2018. A busca não foi um processo fácil. Primeiro tive que acertar os pontos com meu marido. Se era um projeto para ele também, se ele me apoiaria caso eu conseguisse, e qual seria nosso plano: ele iria ir comigo, iria depois, ou não iria. Houveram algumas conversas, mas no fim, decidimos que ele ficaria e depois de concluir seus estudos (no momento eles está em transição de carreira), ele iria comigo.

Depois da conversa com o marido, comecei de fato a aplicar para as vagas. Eu aplicava em todas em que eu tinha 50% ou mais dos requisitos. Isso foi algo que aprendi lendo as pesquisas sobre o mercado de TI: as mulheres nunca aplicam para vagas a não ser que elas tenham 90% ou mais dos requisitos. Outra dica que eu daria: aplique para as vagas. Não tenha medo, afinal de contas, o não você já tem.

Eu achava que iria ser uma processo bem demorado, que só chegaria após a minha caminhada de especialização estar mais avançada, mas acontece que… em Janeiro de 2019 recebi uma proposta de trabalho para vir para Portugal. Portugal não era a minha primeira opção de país, mas conversei com meu marido e achamos que seria uma boa oportunidade para emigrar. Nossos planos inclusive mudaram, e ele já veio comigo em definitivo.

Minha caminhada não foi fácil, apesar de eu ter tido bastante apoio e incentivo. O mundo de TI não é fácil para as mulheres. Algumas de nós já somos desacreditadas só por sermos mulheres, e além disso já sofremos diferenciação na entrevista mesmo: que mulher nunca foi perguntada em entrevista sobre os filhos? Outra coisa que faz falta são desenvolvedoras mulheres em quem possamos nos inspirar. Por todas nós estarmos nos debatendo com as cobranças sociais e expectativas do papel de uma mulher, demora muito mais para que uma desenvolvedora se destaque a ponto de ser referência em alguma área, porque ela está tendo que dividir a atenção dela com a logística de manutenção da casa, coisa que pasmem: ainda em 2019 é considerada uma obrigação da mulher. E eu nem estou falando de filhos, porque não é a minha realidade. Não consigo nem imaginar como é pra mulher com filhos estar na área técnica de TI, que exige tanta dedicação para que os profissionais estejam sempre atualizados.

Por essas e outras coisas que é importante encontrar espaços onde a gente se sinta bem, possa perguntar sem medo de ser taxada de burra, possa falar sem medo de ser ridicularizada caso tenha falado algo errado. Por isso pra mim foi muito importante encontrar comunidades restritas às mulheres. Além de ser um espaço onde podemos discutir questões técnicas, é também um espaço de acolhimento. E caso você não tenha o mesmo privilégio que tive de poder pagar por sessões de terapias, a comunidade poderá te ajudar.

Mesmo sabendo que “se conselho fosse bom a gente vendia”, vou concluir esse texto com alguns conselhos que daria para minha “eu” mais jovem: tenha paciência, não se desvie dos seus caminhos, continue sempre fiel aos seus valores mesmo que pareça que só você se importa e encontre profissionais em quem se espelhar. Para nós mulheres, realmente é mais tortuoso o caminho, então não se cobre tanto, vá no seu tempo. Se aproxime de pessoas que te apoiem, procure uma comunidades de mulheres (indico a Devs Java Girl mesmo se seu foco não for Java, certamente o apoio vai te ajudar), e não se esqueça: as mudanças fazem parte da vida, então abrace-as, com suas dores e suas delícias.

--

--

Carolina
Devs JavaGirl

Um pouco de autoterapia e questionamentos que insistem em sair da minha cabeça gritando por aí.