Estamos formando designers digitais que só pensam no visual

O que falta para o UX Design chegar à academia?

Thaís Pinheiro
DEx01
5 min readAug 6, 2018

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O debate sobre a necessidade latente da construção de uma cultura de design que considere, de fato, os usuários, vem se fortalecendo à medida que mais vozes se juntam ao coro; entretanto, a entrada dessa discussão nos ambientes acadêmicos – nas salas de aula, mais especificamente – não parece progredir no mesmo ritmo que as discussões no âmbito mercadológico. Por quê?

Convido-os a refletir.

O Design não é necessariamente algo recente no Brasil.

Não quando nossa noção de tempo é pautada pela volatilidade do mundo digital, pelo menos. Isso se deu por volta do início da década de 1950 e, posteriormente, com a ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial) sendo fundada em 1963 no Rio de Janeiro; ou seja, a base do design nacional é contemporânea do período de super industrialização e dos reflexos do modernismo da Escola de Ulm. Mas isso foi muito antes dos computadores, da ascensão (e do questionamento) do “mobile-first” e do design digital como um todo, que só veio se estabelecer por aqui nos anos 90, aproximadamente.

A experiência do usuário – e o estudo dos fatores a ela relacionados – não é exclusiva ao design digital, é claro. Só que em áreas como o design gráfico e de produto, as preocupações com ela e com a adequação de uso costumam recair diretamente sobre disciplinas cujo escopo raramente abrange o assunto em detalhes, salvo se para projetos ditos “inclusivos” de condição x ou y.

As pessoas vêm lendo material impresso em cadeiras levemente desconfortáveis há séculos: não acontece o simples abandono destes materiais. As pessoas até reclamam, mas os toleram. Essa normalização praticamente inexiste no mundo digital; somos imediatistas, e a esta altura já sabemos que se determinado site ou aplicativo não atende nossas necessidades, outro provavelmente o fará.

As graduações em design digital, no entanto, são bem jovens.

Aqui, é possível notar um ponto que ajuda a compreender por que a coisa parece andar a passos lentos no meio acadêmico: com um total de 1084 cursos de Design pelo Brasil, são apenas 9 graduações especificamente em design digital, o que representa menos de 1%; dessa fatia, a maioria existe há cerca de uma década. Isto é: os cursos que estão em vigência atualmente, surgiram, em sua grande maioria, a meados dos anos 2000 – um momento em que, no Brasil, a web ainda estava engatinhando.

Antes de haver uma cultura de UX Design, é preciso que haja uma do design digital em si. Essa juventude da área, é claro, se reflete diretamente no quão desenvolvido é seu ensino e no quão enraizada a sua cultura se mostra.

O mundo digital e a tecnologia como um todo evoluem muito rápido. As pessoas, nem tanto.

Quando analisamos as grades curriculares dessas graduações, notamos uma série de áreas mais “específicas” ao UX Design pulverizadas em disciplinas sob outras nomenclaturas, e espalhadas aparentemente​ sem critério, dificultando a aplicação prática das mesmas. Me refiro às disciplinas cujo foco não é somente o design visual.

UX é um processo que engloba várias áreas

E não é que não haja produção acadêmica sobre o assunto; na verdade, muitos artigos e dissertações quem vêm sendo publicados recentemente são pautados justamente pela lente da experiência do usuário. Ou seja: a discussão chegou à academia, mas será que a todos os ambientes?

Infelizmente, parece que não.

Acontece que, dentro das universidades, os saberes precisam ser fragmentados, divididos em “cadeiras” – muitas vezes sem que qualquer interdisciplinaridade seja proposta, sem que haja uma “costura” dos conteúdos. Então, a não ser que o aluno se interesse pela área por conta própria, por relações que venha a construir a partir de seu repertório, é pouco provável que o mindset de UX se torne realmente parte de sua vida a partir de apenas algumas aulas discutindo diretrizes para interfaces com o usuário ou um semestre estudando arquitetura de informação.

Um fator que provavelmente complica essa relação é a recorrente glorificação da “experiência”.

Ouvimos e ouvimos sobre como é preciso melhorar a experiência dos produtos, mas pouco é falado sobre as pessoas que os estão usando.

Frequentemente, no design, nos vemos extremamente focados nos produtos que estamos criando; somos estimulados a isso. Mas, se estamos criando algo, é porque há uma demanda ou necessidade – e por trás disso, há pessoas! Precisamos urgentemente falar sobre pessoas e sobre empatia. Isso é outra discussão, da qual a Nathi tratou nesse post.

De qualquer forma, o berço mercadológico e industrial do design no Brasil em nada colabora para que as universidades formem e coloquem no mercado (ou na própria academia) designers pesquisadores, que tenham interesse em entender, de fato, para quem fazem o que fazem.

Vemos tantos TCCs e dissertações a respeito porque eventualmente, alguém não vai se dar por satisfeito e vai ler ou pedir orientação a um professor da área.

E isso, sim, funciona – na construção dita sofrida das monografias, tem-se a chance de buscar um saber integrado, pesquisar e unir os assuntos estudados durante o curso (ou buscados posteriormente) para um único fim. Mas, honestamente, não seria melhor se todos os estudantes de design digital tivessem a oportunidade de, pelo menos, optar por um currículo que verdadeiramente abrangesse UX?

A verdade é que conforme o espaço do UX Design se expande e solidifica no mercado, vão ser necessários mais profissionais “na roda”; nem todos os lugares estão abertos a treinar pessoas praticamente do zero, e vão buscar gente nova, mas com alguma base.

Gente, essa, que sai de onde?
Exatamente: das universidades.

Se a academia não se ajustar em breve, a coisa pode passar a não se sustentar.

É importante dizer, aqui, que a minha percepção é a de uma estudante de design digital que conheceu o UX Design através do trabalho, não da faculdade.

Muitas são as causas para as quais a situação aponta, mas uma coisa é certa: isso precisa – e tem como – mudar; temos muitos bons designers, e o número de pessoas diretamente envolvidas com UX só aumenta. Para essa mudança acontecer, precisamos desses designers fazendo a diferença na academia, trazendo o assunto à tona e empoderando seus alunos com a informação de que há mais ao design do que gráficos bonitos e cores bem escolhidas; para que, juntos, busquem alguma mudança na estrutura curricular.

Quem sabe, assim, possamos formar mais designers familiarizados com a ideia de que não se faz design sem ouvir, observar, e, principalmente, entender as pessoas.

Mais a fundo na importância das pessoas e da empatia para o design, leiam o texto da Nathi que citei acima:

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Thaís Pinheiro
DEx01
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Bookworm. Apaixonada por design, pesquisa e estratégia. Escrevo algumas coisas nas horas vagas. | Experience Lead @ DEx01