arte: Leila Pessoa

FAÇA AMOR E FAÇA A GUERRA

Editora Prezinha
DEZOITO
Published in
2 min readAug 19, 2019

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Texto: Gabrielle Estevans

É isso: viver é um ato político. Alguns, obviamente, estão dormindo. O gigante, como proclamamos, não despertou e o amanhã não foi maior. Foi golpe.

Eu tô explicando é pra te confundir? A verdade é que nem eu escapo desse anuviamento que virou o pensar e existir nesse desgoverno. Sou uma rapariga latinoamericana e amar e mudar as coisas me interessa mais. Abro parênteses: como boa problematizadora, não me esqueço de que Belchior, o intelectual autoexilado a quem tomo liberdade de citar, foi um artista tremendo, mas um grandessíssimo babaca: um pai ausente de quatro filhos e que, em 2008, parou de pagar as pensões — algumas acumuladas em R$ 7 mil — e fugiu sem nem olhar para trás. Pequeno perfil de um cidadão comum.

Encerro a divagação e volto ao eixo. Precisamos criar um mundo diferente daquele que queremos destruir. É tempo de sonhar outros mundos possíveis. Soa um tanto quanto piegas, eu sei. Mas o amor tem dessas coisas. Já dizia Bakunin que mais vale a ausência de luz do que uma luz trêmula e incerta. E se de escuridão já estamos bem servidos, então que mal há de nos fazer, agora, dar uma sonhada louca? Que desventura irá nos acometer se a gente lançar mão de poetizar os problemas para pavimentar, assim, a estrada de possibilidades?

Vê só: contava Ferreira Gullar que, nos tempos do exílio, no Chile, costumava almoçar todas as semanas com um grupo de outros expatriados latinoamericanos. Havia nesse grupo um economista argentino, namorado de uma brasileira, que sempre se sentava pertinho de Gullar e ficava o almoço inteiro falando de economia. Um dia perdeu a namorada. Nesse dia, sentou-se, como de costume, ao lado de Gullar mas não falou de economia. Falou apenas de poesia. Durante o almoço inteiro não falou senão de poesia. “Quando a morena vai embora”, concluiu Gullar, “a economia não tem serventia alguma. Quando a morena vai embora só a poesia nos pode ajudar.”

2018 já passou a régua e fechou a conta, mas será que é tarde para fazer pedidos a 2019? Na certeza do monólogo, lanço ao universo: quero seguir desperta e disposta à guerra, mas lúcida de que é o afeto, também, revolucionário. Que a poesia não me abandone nesses tempos de agruras. Assim, quando a finitude bater a minha porta, cometerei um último arroubo e serei larápia dos dizeres da lápide da poetisa espanhola, militante anarquista e feminista Lucía Sánchez Saornil: “Mas é verdade que a esperança já morreu?”.

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Editora de zines focada em projetos coletivos e experimentação gráfica fazendo a preza pelas amizades que querem publicar