A Alquimia Digital e as infinitas possibilidades de combinação transmídia
Os alquimistas estão chegando. Estão chegando os alquimistas.
No último mês de abril, tive a oportunidade de participar de uma das oficinas que compuseram a Bienal de Arte Digital 2018 de BH. A oficina em questão foi o “Curso de Alquimia Digital: Da Pedra Lascada aos Bits/Da arte rupestre à arte regenerativa”, ministrado pelo professor doutor Marcos André Penna Coutinho.
Quando eu bati o olho na descrição do curso, uma cachoeira de pensamentos veio a minha mente. Para vocês terem uma idéia, este é o primeiro parágrafo do texto da descrição:
"Como que esse cara tá querendo misturar filosofia, magia, computação, religião e arte? Como ele vai fazer isso?"
Pensei eu. A surpresa se misturou a uma curiosidade e a um interesse instantâneo. Imediatamente, realizei minha inscrição.
Antes de falar sobre o conteúdo da oficina, preciso falar do local do evento
O workshop aconteceu em um dos melhores locais para realizações de eventos desse porte que já fui: o Museu de Arte da Pampulha. Uma combinação de natureza e arte, no cartão postal mais bonito da cidade. Às margens da lagoa, em uma sala de paredes de vidro que priorizam a iluminação natural do local. Projetado para ser um cassino na década de 1940, o prédio foi o primeiro projeto do Conjunto Arquitetônico da Pampulha realizado por Oscar Niemeyer. Não tinha como estar mais confortável.
A Alquimia Clássica — História e Origem
Não há como falar de alquimia digital sem falar do que é a alquimia clássica. A história da alquimia é riquíssima. A disciplina esteve presente em diversas civilizações, misturando-se a diferentes perspectivas do mundo como a religião e a filosofia, vide o taoísmo chinês, e, é claro, às origens da epistemologia científica e da filosofia ocidental. Estudar a história da alquimia por si só já é uma tarefa bastante recompensadora pelas conexões que se faz com outras áreas do conhecimento e pelo volume de informação interligada que reconhecemos. Em um mundo que cada vez mais necessita de saberes interligados, como o filósofo francês Edgar Morin previu há quase 20 anos atrás, a visão transdisciplinar que a alquimia concebeu em toda sua história é digna de muita atenção e estudo.
A grosso modo, alguns dizem que a palavra alquimia teve origem no mundo árabe, vindo da expressão árabe al-Khen (الكيمياء ou الخيمياء ), que significa "A Química". Os estudiosos do tema dividem a história da alquimia em dois movimentos independentes, um ocidental e outro oriental, sendo o oriental mais antigo (seus primeiros relatos tendo origem no século IV a.C ). A busca pelo elixir da vida e a transformação de metais pobres em ouro eram os dois maiores objetivos da alquimia, em geral. Contudo, na alquimia ocidental existiam também os conceitos da pedra filosofal e dos homunculi (criação de seres humanos artificialmente).
O princípio mais importante da alquimia é a da transmutação.
Transmutar algo significa transformar uma coisa em outra. Os alquimistas ocidentais do século X, por exemplo, buscavam transformar outros metais em ouro através de um meio de transmutação, a pedra filosofal.
Ok. Mas o que isso tem a ver com computação e a cultura digital?
Tudo. Para explicar isso, invoco o pensador tcheco-brasileiro Vilém Flusser. Em sua vasta (e põe vasta nisso) obra, Flusser se aprofunda sobre vários assuntos, tendo como pano de fundo, na maior parte das vezes, a revolução tecnológica e digital. Flusser (que morreu em 1991) escreveu a maior parte de seus livros nas décadas de 1960, 70 e 80. Antes do surgimento e proliferação da rede internacional de computadores e dos aparelhos móveis, ele já falava sobre temas como pós-história, o conceito de selfie, e a sociedade telemática. No entanto, foi seu conceito de Caixa Preta, presente no livro A Filosofia da Caixa Preta (Annablume, 2011), que mais me ajudou a conceber a conexão entre tecnologia e alquimia.
Imagina uma caixa preta onde há uma entrada e uma saída. Você estende a mão e coloca algo dentro dela. Após uns segundos, algo diferente sai desta caixa. O que acabou de acontecer lá dentro?
Este mistério, ignorância e desconhecimento do processo que acontece dentro da caixa é o que configura a metáfora. Como alguém transforma metal em ouro? Como e onde é feita essa transmutação? Para os alquimistas clássicos, este meio transmutador poderia ser a pedra filosofal, mas e para os alquimistas do século XXI? O que eles estão tentando transmutar e como?
A revolução digital transmutou todo o mundo
Algo muito louco aconteceu na virada do século. Passamos a representar todos os símbolos e objetos possíveis de forma digital. As imagens, os sons, as letras, e hoje, por meio das tecnologias de impressão 3D, os mais variados objetos. Tudo isso está representado em uma dimensão imaterial de 0s e 1s. É só você pensar nas últimas fotos que você tirou, no último livro que leu ou na quantidade de informação que gerou na última semana. Tudo isso está presente no meio digital e, desta forma, pode ser lido por softwares e hardwares na linguagem binária.
E se pode ser ido, pode ser interpretado e transformado…
E aí está o pulo do gato da alquimia digital. Se a alquimia clássica era a transmutação da matéria, a alquimia digital se refere a transmutação da matéria digital.
Dê um passo para trás e observe como a tecnologia evoluiu e o paradigma mudou: até os anos 80, a música era analógica. Os artistas lançavam seus discos em grandes bolachas com sucos, onde uma agulha passava e se criava um som mecânico. Este som era amplificado por caixas sonoras. Hoje, qualquer som pode ser encontrado em sua forma digital. Não só o mercado e a forma de consumo mudou, como o paradigma filosófico e do design das coisas. E uma vez que temos tudo em formato digital, temos a possibilidade de transmutar uma mídia em outra: imagem em som, som em vídeo, ou uma planilha de dados em uma obra de arte.
Tudo é informação! 0s e 1s. Está acontecendo uma revolução!
O Manifesto Algorista
if (creation && object of art && algorithm && one's own algorithm){
include * an algorist
}
elseif (!creation || !object of art || !algorithm || !one's own algorithm) {
exclude * not an algorist
}
The Algorist Manifesto (1995) foi o manifesto criado por Roman Verostko e Jean Pierre Hebert para designar o que é um algorísta. Ambos artistas digitais, buscavam uma definição do ponto de vista ético e filosófico para definir este movimento. Algorísta é uma palavra que une a algorítmo e alquimista e se refere a quem trabalha nos limites entre a arte, a computação e a transmutação de informação.
O mais interessante do manifesto é ele ter sido escrito e concebido em forma de código. Para quem não saber ler a linguagem, a tradução para o português seria:
Se a criação é um objeto artístico, é um algorítmo e é uma criação original, inclua o seu criador como um algorísta.Caso o contrário, se alguma dessas afirmações for falsa,exclua o seu criador como um algorísta.
Bom, por hoje chega de falar disso. Esse texto tem muita informação! Comentem aí se eu devo continuar a falar desse assunto, trazer exemplos de projetos em arte e alquimia digital. Aliás, se você não leu o texto sobre Arte Digital, recomendo!
Este foi mais um texto que fez parte do ciclo de conteúdo que produzi sobre o FAD 2018 . Fique ligado aqui no dgtl.mente para mais conteúdo relacionado a cultura digital.