As tecnologias radicais que estão moldando o mundo

E a razão pela qual você precisa se ligar nesse assunto mesmo não sabendo escrever uma linha de código

Victor Góis
digitalmente
4 min readApr 30, 2018

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Imagina a seguinte cena. Você sentado em um café recomendado por um algoritmo, em uma mesa que foi fabricada através de uma máquina de corte CNC; você paga seu café com alguma criptomoeda, digamos o bitcoin, apenas colocando seu smartphone em frente a uma máquina registradora. Você sai do café e ouve vozes de crianças brincando com um jogo de realidade aumentada em um parquinho próximo.

http://prostheticknowledge.tumblr.com

Enquanto nenhuma dessas coisas era possível há 5 anos atrás, nada disso deve lhe parecer como algo fantástico ou fora da realidade hoje em dia. Isso é simplesmente o jeito como o que chamamos de normal está moldando o cotidiano desta época em que vivemos. No entanto, é importante notar que todas as características que fizeram dessa cena que acabamos de imaginar juntos possível foram produzidas por tecnologias que, até agora, estão relativamente desarticuladas uma da outra. Assim que elas forem melhor assimiladas, elas tenderão a se integrar com novas tecnologias que irão surgir e criarão complexas e novas possibilidades para a vida humana em comunidade. Esse processo de integração tecnológica irá mudar a textura da realidade cotidiana. As verdadeiras e significativas mudanças irão surgir não de uma tecnologia ou de outra, mas sim de um ecossistema integrado.

http://www.dazeddigital.com/

Embora tecnologias como realidade aumentada (AR), criptomoedas e fabricação digital possam parecer totalmente diferentes uma das outras, cada um destes sistemas pode conversar um com outro pelo fato de todas falarem a mesma língua: o 0 e o 1. Condensados em módulos de código, sua funcionalidade — sua habilidade de exercer algum efeito material no mundo — é mais facilmente transferível de um produto para outro.

O acesso ao código pode, obviamente, ser altamente controlado pela parte que o desenvolveu. Dependendo do contexto jurídico em que o código foi escrito, ele pode patenteado e licenciado apenas para pessoas que adquiriram o produto ligado ao código. No entanto, o que também acontece é que aquele código será “empacotado”, junto com toda a documentação necessária para interpretá-lo, no que os programadores chamam de uma biblioteca (library) e essa biblioteca pode ser submetida a um repositório open-source, como o GitHub, onde ele pode ser baixado por qualquer pessoa no mundo. Essa abordagem trata módulos individuais de código como blocos de construção de uma gramática. Estes elementos podem ser unidos e montados para formar preposições de alto-nível, e quando preciso, plugadas uma a outra como peças de lego. Essa é a lógica de funcionamento de APIs bem documentadas e serviços de nuvem, como a web moderna, sendo fundamental para o desenvolvimento da tecnologia digital do século XXI. Encapsulados desta forma, trechos de código que foram projetados para realizar determinada função podem agora ser ressignificados e reaparecer em contextos totalmente diferentes.

https://github.com/jasontruluck/Atom-Dark.tmTheme

Um código pode ter sido escrito por uma determinada empresa por uma única razão, pelas luzes de uma cultura particular. Mas uma vez que que este código foi posto em uma biblioteca, ele está livre para viajar e recombinar, com pouquíssimos limites em sua aplicação. É assim que um código que originalmente foi desenvolvido para reconhecer quando algum idoso em uma casa de repousou sofre um acidente acaba se tornando um programa que vigia o comportamento de pessoas em uma multidão, ou como um outro código que tinha o propósito de identificar dados biometricamente acaba se tornando um operador para publicidade segmentada.

Essa é a forma que tecnologias diferentes podem ser postas juntas, criando poderosas articulações híbridas. A pergunta mais importante aqui é: de quem é a responsabilidade de fazer isso? Essa é a questão central a se pensar e que demanda de não-iniciados em tecnologia a se engajarem e aprenderem mais. A responsabilidade é nossa, como sociedade civil, de criar e aprofundar essa discussão.

*Esse ensaio faz parte de uma Tradução livre do capítulo 10 do livro Radical Technologies (Verso Books, 2017)

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Victor Góis
digitalmente

Pesquiso e produzo sobre cultura digital. Me interesso pela convergência entre comunicação, filosofia, arte, política e tecnologia.