De que forma a Inteligência Artificial ameaça a Democracia?

Victor Góis
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4 min readNov 5, 2018
Artificial intelligence could erase many practical advantages of …machinelearnings.co

Daqui a alguns anos, a inteligência artificial (IA), algoritmos preditivos e sensores biométricos poderão oferecer às pessoas mais pobres cuidados médicos muito melhores do que as pessoas mais ricas de hoje têm acesso, e, provavelmente, quase todos os aspectos da sociedade se beneficiarão desse boom tecnológico.

Governos de todo o mundo estão se conscientizando dessa tendência e muitos planos já estão sendo traçados. Especialistas preveem que quem lidera o ramo de IA provavelmente dominará o mundo e, efetivamente, ameaçará os princípios democráticos liberais. Analisando as diferenças entre comunismo e liberalismo, pode-se deduzir que suas diferenças não emanam apenas de seus princípios fundamentais, mas também do modo como ambos os sistemas políticos processam dados e tomam decisões.

O sistema democrático liberal é essencialmente um sistema distribuído — ele distribui informações e o poder de tomar decisões entre vários indivíduos e organizações. A experiência sino-soviética do comunismo, por outro lado, e outros sistemas ditatoriais (como as ditaduras latinoamericanas do século XX), centralizam e concentram todo o poder e informações em um só lugar. O poder autoritário da antiga União Soviética estava centralizado em Moscou, onde ficava a sede do governo.

O tipo de tecnologia existente durante o século XX — máquinas de escrever, encadernadores de documentos, arquivos, papel e caneta, etc. — tornou ineficiente para governar sociedades comunistas porque ninguém tinha a capacidade de acessar todas as informações com rapidez suficiente para tomar decisões acertadas.

Questões como: quais commodities produzir, quanto de uma commodity produzir, qual deve ser o preço da commodity, e assim por diante. Esta é uma das razões que levaram ao colapso da União Soviética. Em outras palavras,

"As condições tecnológicas prevalecentes do século XX dificultaram os processos de tomada de decisão de uma estrutura governamental centralizada."

Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se dizer que no século XX, a democracia e o capitalismo derrotaram o fascismo e o comunismo porque o sistema democrático permitia um processo de tomada de decisão mais eficiente, dada a tecnologia disponível na época. No entanto, nem sempre é normal que o sistema centralizado de processamento e decisão de dados seja sempre menos eficiente que o sistema distribuído.

Com o surgimento da IA ​​e do aprendizado de máquina, pode se tornar mais factível processar uma grande quantidade de dados e informações de maneira muito eficiente em um único local, tornando o processamento de dados centralizado mais eficiente do que o processamento de dados distribuídos. O maior perigo agora enfrentado pela democracia liberal é que a revolução na tecnologia da informação tornará as ditaduras mais eficientes que as democracias, e a principal desvantagem que os regimes autoritários tiveram no século XX — sua tentativa de concentrar todas as informações em um só lugar — agora se tornará maior vantagem.

artificial-intelligence-democracy — Singularity Hubsingularityhub.com

A ameaça à democracia liberal aumenta à medida que aumenta a capacidade das máquinas de processar mais dados. No século XX, os proponentes da democracia liberal tinham uma escolha relativamente fácil, porque eles não tinham que escolher entre ética e eficiência: durante esse tempo, a coisa mais ética a fazer era, frequentemente, também a coisa mais eficiente a se fazer.

Capacitar as pessoas era desejável tanto ética quanto economicamente. A maioria dos governos que liberalizaram suas economias nas últimas décadas entenderam que tinham que fazê-lo para alcançar o modo de vida dos países liberais estabelecidos, como os Estados Unidos, a França, a Alemanha, etc.
Do ponto de vista ético, os governos em todo o mundo sabem que proteger os direitos e a privacidade dos indivíduos é a coisa certa a fazer. No entanto, em termos de eficiência, a salvaguarda e a defesa dos direitos e privacidades individuais não permitem uma governação eficiente. Pelo contrário, a construção de grandes bancos de dados centralizados e algoritmos preditivos que tomam decisões em nome dos humanos e que ignoram completamente as preocupações com a privacidade, parece ser a maneira mais eficiente de governar. Algoritmos agora lidam com processos de admissão em universidades, processos de seleção de candidatos para empregos, onde ir para a faculdade, o que estudar nessa faculdade, qual cidade é melhor para você começar sua carreira e criar uma família, que parte da cidade você deve viver e até com quem você deveria se casar.

Se algoritmos e big data são as coisas que tornarão os governos mais eficientes no século XXI, então surge a pergunta:

O que acontece com os conceitos de liberdade, autodeterminação, autonomia, direitos humanos e liberdades civis básicas?

Outro perigo tecnológico que ameaça o futuro da democracia é a fusão entre tecnologia da informação e biotecnologia, o que inevitavelmente leva ao desenvolvimento de algoritmos que conhecem as pessoas melhor do que elas mesmas. Quando um sistema externo de terceiros, como o governo, obtém acesso a esses algoritmos, eles se tornam capazes de não apenas prever as decisões das pessoas.

E eu falei isso tudo sem nem tocar no tema da redação ENEM desse ano.

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Aplicativos intraoculares. Controle e escolha genética. A singularidade. Em um mundo (cada vez menos) paralelo de dados e metadados, o futuro pode ser incrível e aterrorizante. A digitalmente é uma revista de metanarrativas sobre “tecnologia” e o mundo contemporâneo.

Victor Góis
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Written by Victor Góis

Pesquiso e produzo sobre cultura digital. Me interesso pela convergência entre comunicação, filosofia, arte, política e tecnologia.