O que é arte digital?

Em meio a um abril com programação cheia e realização de Festival de Arte Digital em Belo Horizonte, profissionais das mais diversas áreas do conhecimento se mobilizam para discutir e expor sobre o tema que propõe uma convergência entre diferentes epistemologias.

Victor Góis
digitalmente
6 min readMay 1, 2018

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Não se assuste com as baratas! Leia o texto e você irá entender ;)

Quantos de vocês que estão lendo esse texto agora já se perguntaram ou foram perguntados sobre a definição do que é arte? Muitos de nós consomem arte vorazmente, alguns trabalham com isso, outros tantos são apreciadores e entusiastas. No entanto, quando se chega a definição do que é arte, responder a essa pergunta de forma ampla e objetiva configura-se como uma tarefa extremamente difícil. E isso não é por acaso. São dezenas de definições aceitas para o termo (e podem chegar a centenas se formos diferencia-las por contexto, autores, estilos, etc).

Definições de Arte, segundo o google

Para o filósofo Platão, por exemplo, a arte tem uma noção estética forte. O Belo está pautado na noção de perfeição, de verdade. Para ele, a Beleza existe em si mesma, no mundo das ideias, separada do mundo sensível (que é o mundo concreto, no qual vivemos). Já Aristoteles tem um pensamento diferente. Para ele, arte é uma criação humana. O filósofo entende que o Belo não pode ser desligado do homem, já que ele está em nós, é uma fabricação humana. As artes podem imitar a natureza, mas também podem abordar o impossível, o irracional e o inverossímil. Não se esqueça disso. Vamos voltar a essa idéia aristotélica de representação do impossível daqui a pouco para entender melhor o que a arte digital propõe.

A Filosofia Antiga

Uma outra definição importante para entender o que é a arte digital é a noção grega de episteme e techné. Na Grécia antiga, os processos de aquisição de conhecimento eram separados da produção de artefatos. Os filósofos sobreviviam ensinando a juventude. Os engenheiros faziam navios e máquinas de guerra. Assim, os gregos distinguiam os conceitos de Techné e Episteme. Techné se refere à capacidade de produzir um objeto por meios racionais. Muitos traduzem por artesanato ou arte. Mas techné também está na raiz do que hoje chamamos de tecnologia.

A idéia é que a construção de artefatos é uma arte criativa dos homens, e realiza-se através de uma combinação de conhecimento, prática e experimentação.

Simplificando bastante, para os gregos, episteme denota o conhecimento em estado puro. Este contraste entre techné e episteme está na base da moderna dicotomia entre Ciência e Tecnologia. Ainda hoje, separamos a Ciência, ensinada nas universidades e praticada nos laboratórios de pesquisa, da Tecnologia, realizada nas empresas (mas isso é papo para outro ensaio. Quem sabe um vídeo?).

Ao longo da história da humanidade (e da arte, por consequência), a noção de representação do real e das idéias, em termos estéticos e aristotélicos, variou bastante. A arte renascentista, por exemplo, se baseava na representação antropocêntrica, racional e científica do mundo, enquanto que a arte sacra é operada quase em uma antítese, sacou?

Leonardo Da Vinci

E o que fazem os artistas mudarem tanto sua perspectiva de mundo?

Bom, essa é uma pergunta de infinitas respostas. Contudo, se há algo que mudou na arte, ao longo dos últimos séculos, foi a técnica. Lembra da techné e da episteme? Então, aquilo que os gregos chamavam de techné, a técnica ou o conhecimento prático das coisas evoluiu para o que chamamos hoje de tecnologia. E todos sabemos o quão rápido é a evolução da tecnologia. Para vocês terem uma idéia, há 150 anos atrás não existia o cinema, quiçá a fotografia. A partir da evolução tecnológica e do surgimento de novas técnicas, os artistas encontram novas possibilidades ferramentais para moldar a sua visão de mundo.

A última revolução tecnológica que tivemos na humanidade foi a que chamamos de revolução digital (que é sobre o que nós mais refletimos neste humilde blog). Neste período surgiram a sociedade conectada em rede, a computação móvel e a distribuição ininterrupta de informação. Para o bem e para o mal, essas características estão a modificar a forma como nos relacionamos com o mundo e, é claro, a arte está bem no centro dessa mudança.

A Arte Digital é um encontro de epistemes e technés (sim, no plural)

Já ficou claro para a gente os conceitos gregos de episteme e techné. Creio que também deve estar claro que não existe uma definição objetiva de arte e que ela está sempre em mudança.

Se isso está claro, ótimo. Senão, comenta lá embaixo o que não tá entrando na cabeça (esse assunto é difícil mesmo).

http://nickvdg.tumblr.com/

Partindo da idéia de que a sociedade contemporânea possui uma diversidade praticamente infinita de informação e de técnicas para operar essas informações, o contexto em que estamos inseridos é um lugar de discussão do que fazer com essas possibilidades infinitas. A idéia por traz de onde se quer chegar com determinado projeto, a teoria que se manifestará na materialidade de um projeto artístico, é o que mais importa para a perspectiva da arte digital. Ou seja,

A episteme passa a importar tanto para a arte quanto a techné.

Meio confuso isso? Well, um exemplo prático para mostrar para vocês:

O que vocês sentiram quando abriram esse texto e viram o primeiro gif (o das baratas)?

Vocês sentiram nojo ou desconforto? Alguns podem não ter sentido nada, mas tenho certeza de que alguém com um fraco para insetos domésticos sentiu alguma aversão e que isso pode ter afetado ele(a)(x) a prosseguir na leitura. Na sua opinião, de alguma forma, o fato de eu ter escolhido essa imagem e posicionado ela no começo do texto foi um movimento artístico? E se eu tivesse produzido essa imagem (o que eu não fiz). Isso configuraria uma techné? A arte digital opera nesta dimensão. Na dimensão das incertezas, da automatização e mais do que nunca, da filosofia e da tecnologia. Afinal, é aí que se realiza a tal da convergência entre epistemologias. O saber prático se funde ao logos da causa e o estado de arte, bom, deixa de ser exclusivamente de arte.

O Festival de Arte Digital — 2018

A Bienal, o Congresso e o Seminário de Arte digital fizeram parte da programação de 2018 do Festival de Arte Digital em BH. Segundo os organizadores,

O FAD — Festival de Arte Digital compreende que as dinâmicas de produção e fruição são emergentes, bem como a sua própria natureza ubíqua, múltipla, diversa. Mas talvez já não necessitamos processar as reflexões de forma tão ultraveloz, ainda que a compreensão sobre o nosso tempo, seja algo que urge. O nosso olhar deve acompanhar as dinâmicas atuais, bem como as produções técnicas devem avançar sem nenhum receio no tempo da indústria. Porém nos cabe uma missão um pouco mais árdua e complexa nesse universo fluido e telemático. Pensar a complexificação do presente, mais do que produzir um futuro ingênuo […].

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Victor Góis
digitalmente

Pesquiso e produzo sobre cultura digital. Me interesso pela convergência entre comunicação, filosofia, arte, política e tecnologia.