#Entrevista | Emicida: “A LAB não é uma metáfora de poder, é um exercício pleno de poder”

adailton moura
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7 min readSep 19, 2017
@ Daryan Dornelles

O tempo estava curto. A movimentação intensa. No palco Sunset, do Rock In Rio, Rael fazia sua performance. Indescritível.

Antes de Elza Soares surgir no palco como uma rainha, levando a plateia ao frenesi, ele tocou músicas de “Coisas do Meu Imaginário”, interpretou “Kinky Reggae”, de Bob Marley, e empolgou o público com o “Hip Hop é Foda 2” e “Envolvidão”. Geral o acompanhou. Clima quente, mas não do sol.

Atrás do Sunset, Emicida me recebe em seu camarim. É possível ouvir Rael e Elza concluindo o show. Fogos de artifícios explodem lá fora (ou era impressão minha). Apesar de toda correria, Emicida está tranquilo. De óculos de sol com aros arredondados, sentado num sofá preto, bem desenhado, o MC carrega em cima da orelha um galho de arruda — seu tradicional amuleto para tirar mau olhado. Na mesa de canto também há um vaso com um pequeno “pé” da planta.

O relógio não para. “O Rael está finalizando o show”, diz a assessora. “Então, falta menos de uma hora para o Miguel tocar”, exclama Emicida. “Ainda tenho que ensinar português pra ele”. Ganho cinco minutos. A conversa dura sete.

Beleza Emicida?

Glória a Deus.

Os pretos estão prontos para “avuá”?

Vamo!! É agora, sem dúvida. Se é loco… Nós nem devia ter decido pro chão.

Já passou do momento?

Passou, mano! Tipo… sei lá. Além dos dilemas, além dos conflitos, interno e externo, eu acho que tem uma coisa que é exercício de força, de beleza, de capacidade. Tá ligado!? E no show de hoje o Miguel vai trazer isso de uma forma excelente, eu estou muito feliz de colaborar com este espetáculo.

E como surgiu essa parceria com o Miguel no festival?

O Rock In Rio sugeriu, a gente pirou, ele também gostou pra caramba… Ele já conhecia “Passarinhos”, eu descobri isso agora. É muito louco, porque foi ele que escolheu a gente. E depois ficamos nos falando no Skype, no Instagram. Aí, a gente veio se encontrar “memo” há dois dias… não, ontem (15 de setembro). A gente se conheceu pessoalmente ontem no programa da Fátima Bernardes (Encontro). Também foi a primeira vez que tocamos Oásis… sacou? De certa maneira, aquele programa foi nosso ensaio.

A música já estava pronta ou surgiu de última hora?

Eu estava muito tempo pesquisando, porque eu tô numa conversão… de uma maturidade poética que consiga conversar ,com a rapaziada que acompanha o Emicida, desde às batalhas… e também com essa outra rapaziada que não estava no período das batalhas, mas se conectou com a arte do Emicida nos últimos tempos, de 10 anos pra cá. E é muito louco. Tipo assim: hoje estou com 32 anos, sabe!? E boa parte dos meus fãs eram adolescentes e agora estão chegando na casa dos 30. E eu acho que a música tem um degrau, tem um exercício de maturidade que a gente precisa fazer. “Oásis” é isso. É uma tentativa de tentar criar uma atmosfera positiva… uma atmosfera afetuosa, mesmo na realidade de merda que estamos vivendo no Brasil — a gente não sabe se está em 2017 ou em 1817, várias vezes. Você vê um avanço aqui, mas por outro lado vê um monte de retrocesso acontecendo. Eu queria fazer uma música que tocasse o coração das pessoas nas quebradas… na realidade não só nas quebradas, mas principalmente lá. Que as pessoas ouvissem o bagulho e falassem: mano, preciso me apegar nas coisas boas que eu tenho, na esperança, porque pra baixo todo santo ajuda. Agora converter a parada pra cima é mais complexo. Então, a gente estava fazendo esse exercício, pensando nisso e criando várias músicas.

A gente fez várias músicas… aí surgiu a oportunidade de tocar com o Miguel e a gente perguntou o que ele achava e se ele podia chegar num som com “nóis”. Ele falou: demorou. Tô pronto. Eu gosto disso nos gringos pra caraio. Todos os gringos que eu fiz música até hoje, não tem muita firula, tá ligado? A parceria com o Beatnick e K-SALAAM foi a mesma fita. Eu falei: mano, vamos fazer um disco? E os cara falaram: demorou, tamo pronto e você? (risadas) Com o Miguel foi a mesma coisa. Aí fiz a parada. Levantei, gravei, arranjamos a base: eu, Dj Duh e Dudu Marote. Mandamos pra ele, que já respondeu com as vozes gravadas lá. E a gente montou a versão final aqui. í, durante a produção da música, eu já estava escrevendo o roteiro do clipe. Já liguei para o Fred Ouro Preto. Falei: mano, tem que ser um bagulho desse aqui. Eu quero que essa música entre no coração das pessoas com tudo. E foi dito e feito. Um regaço. Tudo perfeito.

No meio desse retrocesso do Brasil, você não se intimidou. Tá chamando uma galera pra crescer com você e dando oportunidades para o povo do gueto chegar aos espaços que antes não tinham acesso. E também tem dado oportunidade para artistas que estão no início de carreira, como a Drik Barbosa e o Coruja.

Mano, eu não tive essa oportunidade quando era um artista novo, sabe!? E não que eu tenha uma frustração com isso, muito pelo contrário. Eu só acho que artistas que poderiam ter estendido as mão pra mim perderam a oportunidade de participarem de uma história muito bacana. E eu não quero ser uma reprodução disso no meu tempo. Então, se eu admiro o Coruja, se eu admiro a Drik — e admiro vários outros artistas, como o próprio Rael que já trabalha com a gente há muito tempo -, por que não colaborar com a carreira deles para que eles possam também estar cada vez mais estruturados e mais prontos pra invadir o mercado. Tipo: ajudar a nossa música. A gente precisa ter uma cultura de gratidão, de companheirismo no RAP.

Às vezes fica esquisito, pouco executado, tá ligado!? Então, pra mim é a continuidade da minha carreira, é a continuidade do que eu acredito. A Laboratório Fantasma (LAB) não é uma metáfora de poder, não é uma analogia, é um exercício pleno de poder. É uma empresa de favela, é uma empresa preta que vem com um grupo de valores e um amor profundo pelo HIP HOP. A gente não é marqueteiro da cultura urbana. A gente realmente vive essa porra. E agente se preocupa muito com a continuidade. O Emicida não é eterno, o Fióti não é eterno, a LAB não é eterna, mas o legado é eterno. Os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos vão poder olhar lá na frente e falar: esses frutos que a gente tá colhendo foi de uma história muito bonita plantada pelos nossos pais e, talvez, até pelos artistas que vieram antes e nos inspiraram. Então, se eu pudesse eu ajudaria na carreira de muito mais pessoas, tipo: mil.

Quem por exemplo?

Vários caras que estão lançando seus discos e fazendo a diferença. Você vê aí, as minas do Rimas e Melodias acabaram de colocar o primeiro disco delas nas ruas… é, eu estou muito feliz pelo momento que nós estamos vivendo musicalmente, e empolgado com a possibilidade de poder ajudar as pessoas da forma que eu puder ajudar.

A mídia especializada tem ajudado nessa ascensão do RAP BR?

Vocês, enquanto mídia do HIP HOP, é uma parada que alegra muito a gente, tá ligado!? Antes, a gente tinha muito menos mídia do HIP HOP e hoje tem uma série de sites e blogs que tratam a cultura com mais profundidade, mais respeito. A rapaziada do Genius tem feito uma parada bacana analizando as rimas. Essa parada de reação análise que os caras estão fazendo também é a maior doidera. Tudo isso traz uma atenção pra cultura, que eu não tive quando comecei. E tudo isso é fundamental, porque todas essas coisas são fundamentos do HIP HOP.

Quais são as próximas empreitadas do Emicida?

O DVD. O barato é que em 20 de novembro, no mês da Consciência Negra, a gente vai gravar — exatamente no dia da Consciência Negra — o primeiro DVD da minha carreira. Se você para pra pensar, em 2008 a gente lançou “Triunfo” e esse DVD vai pra rua em 2018, quando fizer 10 anos da música “Triunfo”. A gente está fazendo um exercício de pensar muito nas nossas raízes, olhar para os nossos caminhos e pensar em todas as coisas que a gente acertou, que a gente errou, que a gente poderia ter feito melhor, que a gente tem que reproduzir mais vezes… Eu fico feliz pra caralho por tudo que a gente construiu, ajudou a construir e inspirou a construir, saca!? E a gravação do DVD vai ser um momento de celebrar tudo isso, porque não são muitos os artistas, principalmente do nosso seguimento, que tem uma história tão grandiosa, tanto na música, quanto no empreendedorismo. Então, a gente precisa ir lá e gritar para o Brasil que isso aqui existe e era real… quando a gente chegou disseram que era impossível, mas é mentira. Isso aqui é possível. Antes não tinha e a gente fez ter. E vamos lutar para daqui pra frente isso nunca mais volte a ser impossível.

_publicado em 19/09/2017 no RAPresentando

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adailton moura
adailton moura

jornalista. autor do livro “A Indústria da Música Gospel”. txts no @ RAPresentando, Sounds and Colours, TAB UOL, AUR, Rapzilla, Per Raps, Bantumen, Gospel Beat.